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Um dos momentos decisivos no novo cenário mundial ocorre na Ucrânia e é preocupante o papel do fascismo nos acontecimentos do país
Por Olga Rodríguez, do El Diario. Tradução por Ítalo Piva. Original aqui
Desde a queda do muro de Berlin, os Estados Unidos têm gozado de um poder quase sem contrapeso que lhe permitiu engajar em campanhas ilegais ou injustificadas, como a invasão do Iraque em 2003 ou a operação militar que ainda continua no Afeganistão, entre muitas outras. As consequências têm sido desastrosas: guerra civil, ruptura do tecido social, violência e mais pobreza.
Essa ordem internacional marcada pela unipolaridade, com os Estados Unidos à frente, está mudando. É o que se fala em círculos diplomáticos, embaixadas e consulados ocidentais, sobretudo naqueles situados no Oriente Médio e na Ásia, este último, o centro em torno do qual giram alguns dos novos poderes emergentes: China, Índia, Japão, incluindo os chamados ‘repúblis – tãos’ (Tajiquistão, Quirguistão, Cazaquistão, Uzbequistão...).
As tensões entre Rússia e Estados Unidos são evidentes. Há muitos anos a Otan se expande até Polônia e Lituânia, enquanto os EUA implementam seu escudo antimísseis perto das fronteiras russas, com a intenção de manter Moscou à distância. Precisamente essa semana a Rússia, diante do posicionamento em território polonês do escudo antimísseis norte-americano, enviou mísseis táticos para o distrito de Caliningrado, que faz fronteira com Polônia e Lituânia.
Na ‘fronteira sul’, as coisas não estão saindo como o planejado por Washington. A guerra do Iraque fortaleceu o Irã, aliado da Rússia. Na Síria, onde Moscou e a China vêm mostrando seus músculos, segue havendo atrito entre diversas potências internacionais, em meio a uma guerra que está ensanguentando a população de uma maneira extremamente cruel.
Quanto ao Afeganistão, a ocupação militar passou sua fatura para os Estados Unidos: muitas baixas entre seus soldados e extensos territórios não controlados pelas tropas americanas em um país que, não se pode esquecer, faz uma pequena fronteira com a China.
Ademais, desde 2001 operam conjuntamente, sob os auspícios da Organização de Cooperação de Shangai, os chamados 5 de Shangai: China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e também Uzbequistão, uma aliança que provoca dor de cabeça nos Estados Unidos.
A Rússia de Putin e Medvedev está buscando uma posição forte na Eurásia, formando alianças e tratando de expandir sua órbita não só nas antigas repúblicas soviéticas, mas também em países chave no Oriente Médio. O mundo está cada vez mais complexo e são várias as potências com poderio econômico, político e militar em ascendência.
As consequências da nova multipolaridade não se veem somente na política, mas também no cenário de órgãos internacionais tradicionalmente marcados por uma enorme influência dos Estados Unidos, como a ONU, o FMI e o Banco Mundial.
De fato, os chamados Brics – países emergentes, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – estão exigindo um novo equilíbrio no sistema de votação do Fundo Monetário Internacional, onde os EUA, Alemanha, Reino Unido, França e Japão contam com 39% dos votos e, junto a seus aliados incondicionais, controlam as decisões do órgão internacional. A China, por exemplo, só tem 4% dos votos (ver aqui "Como o FMI toma suas decisões").
Ucrânia, em momento de escolha
A Ucrânia é um capítulo chave na tensão entre Rússia, EUA e UE. A antiga república soviética é vigiada de perto há muito tempo pela diplomacia ocidental. “A Ucrânia está em um momento de escolha, pode ir para a UE ou firmar o projeto imperial de Putin,” escreveu há algumas semanas Zbigniew Brzezinski, antes de ocorrerem os grandes protestos em território ucraniano.
“Formalmente, a Ucrânia é um estado soberano desde 1991, mas agora seu povo ergue barricadas para ser realmente independente,” escreve agora. O que Brzezinski chama de independência? Somente que a Ucrânia se aproxime da União Europeia? Se refere à mesma ‘independência’ que têm Grécia e outros países do sul diante aos interesses da Alemanha e da Troika?
Brzezinski, que foi assessor do presidente Jimmy Carter – com quem criou a estratégia para armar os mujahedins afegãos em 1979 contra os russos – segue sendo um dos analistas e assessores mais influentes de Washington, e desde o começo, é um dos que apoiou Obama. Um enorme defensor dos interesses dos EUA – e o que isso implica – afirma que quem controla a Eurásia controla o mundo. Entre suas obsessões estão, portanto, China e Rússia, países que estão reforçando sua cooperação em assuntos militares. “Sem a Ucrânia, a Rússia nunca voltará a ser uma grande potência”, disse Brzezinski no final dos anos noventa.
“Em uma sociedade enganada, empobrecida e confusa, que espera soluções simples e imediatas, o fascismo é eficiente e frutífero”, escreveu há alguns dias o analista ucraniano Oleg Yasinsky, se referindo ao auge do fascismo na Ucrânia.
Nas ruas, protestando contra o governo do país, há partidários da oposição política, funcionários que romperam com o governo, estudantes, mas também a autodenominada “vanguarda”, quer dizer, a União Pan-Ucraniana Svoboda. "Svoboda", como em um conto orwelliano, significa liberdade, quando na realidade se trata de um grupo de extrema direita cujo lema é “Ucrânia, sobre tudo”, cópia exata do lema nazista, “Alemanha, acima de tudo”.
Nestes dias, diversos governantes europeus - e representantes políticos estadunidenses – expressaram sua solidariedade com os manifestantes pro-europeus na Ucrânia. Alguns, como o senador McCain, foram a Kiev para protestar a seu lado. Até onde está disposta a chegar a realpolitik da UE no caso da Ucrânia? Será capaz, no meio de sua decadência moral, de protestar ombro a ombro com a extrema direita ucraniana?
Os efeitos da multipolaridade
Há quem acredite que a multipolaridade gere um equilíbrio natural, com um jogo “em tabelas” devido à existência de várias potências que não se atreveriam a se enfrentar porque teriam muito a perder. Os mais otimistas veem esta multipolaridade como a democratização das relações internacionais.
No entanto, não é suficiente confiar nos supostos equilíbrios que poderiam surgir de uma igualdade de força entre várias potências. Uma democratização real das relações internacionais precisa de algo mais: políticas em busca de justiça social, leis destinadas a amenizar os crescentes desequilíbrios econômicos e sócias que existem no mundo, órgãos que protejam os direitos fundamentais dos cidadãos, e com certeza, uma defesa do compromisso com a aplicação dos direitos internacionais, instrumento fundamental para frear os abusos dos países mais privilegiados contra os mais carentes.
Em um mundo cada vez mais globalizado, com cada vez mais potências emergentes, é preciso reivindicar a lei internacional e a defesa da Declaração dos Direitos Humanos. Se não, qual diferença fará se for só um império ou vários que nos exploram, nos invadem e nos roubem, em nome da democracia e da liberdade?