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Números da Forbes oferecem uma imagem dramática do relativo declínio dos Estados Unidos, da Europa e do Japão. Países como a China e a Rússia juntaram-se às fileiras da desigualdade
Por Robin Broad*e John Cavanagh**, publicado em triplecrisis.com. Tradução de Vicente Abellapara sinpermiso.info e de António José André para Esquerda.net
Com a ajuda da revista Forbes e em conjunto com alguns companheiros do Instituto de Estudos Políticos levamos a cabo um trabalho sobre os multimilionários e a crescente desigualdade no mundo, durante várias décadas. Da mesma maneira que uma gota de água nos proporciona indícios sobre a sua composição química, estes multimilionários oferecem sinais interessantes sobre as mudanças na fisionomia do poder e nas desigualdades globais.
Depois do espanto inicial perante a extravagante lista dos 1.426 mais ricos deste ano, quisemos examiná-la com mais detalhe. A lista revela a principal mudança de poder no mundo atual: a decadência do ocidente e o auge do resto. Para trás ficaram os dias em que os multimilionários dos EUA eram mais de 40% do total, ocupando a Europa Ocidental e o Japão a maior parte restante.
Hoje, a região Ásia-Pacífico alberga 386 multimilionários, 20 a mais que toda a Europa e Rússia juntas. Em 2013, dos nove países que hospedam mais de 30 multimilionários, só três são de países tradicionalmente “desenvolvidos”: os Estados Unidos, a Alemanha e o Reino Unido. Quem segue os Estados Unidos, com os seus 442 multimilionários? A China, com 122 (em 1995, não tinha nenhum) e a Rússia, em terceiro lugar, com 110. Os multimilionários da China extraíram dinheiro dalgumas fontes ao seu alcance.
Considera-se o homem mais rico da China, Zong Qinghou, que, possuindo a maior fábrica de bebidas do país, ostenta 11,6 bilhões de dólares no seu haver. O extenso elenco de multimilionários da Rússia é encabeçado por homens que obtiveram bilhões de riqueza em petróleo, gás natural e minerais do país, desdenhando as devastadoras consequências das suas práticas para com o meio ambiente.
A Alemanha é a quarta na lista, com 58 multimilionários, seguida pela Índia (55), Brasil (46), Turquia (43), Hong Kong (39) e Reino Unido (38). Com efeito, a Turquia tem mais multimilionários que nenhum outro país da Europa, à exceção da Alemanha. Deixemos de lado estes nove países do topo. Taiwan hospeda mais multimilionários que a França; a Indonésia tem mais multimilionários que a Itália ou a Espanha; a Coreia do Sul tem agora mais milionários que o Japão ou a Austrália.
A atual lista de multimilionários é um tributo à crescente desigualdade ocorrida na maior dos países da Terra. O homem mais rico do mundo, por exemplo, é Carlos Slim do México - com um capital de 73 bilhões de dólares, comparável à bagatela dos 6,2% do PIB do país. A terceira pessoa mais rica é o rei espanhol do pequeno comércio, Amancio Ortega, que acumulou um capital de 57 bilhões de dólares num país em que uma quarta parte dos cidadãos está atualmente desempregada.
Os multimilionários norte-americanos ainda dominam a lista, com um total de 442, o que representa 31% do total. Bill Gates e Warren Buffet detêm os lugares número 2 e 4; os seus nomes são bastante conhecidos dada a combinação da sua riqueza, da filantropia e do uso do poder e influência para convencer outros multimilionários a fazerem as suas doações caritativas.
Entre os 12 multimilionários norte-americanos que pertencem às 20 pessoas mais ricas do mundo encontram-se os membros de duas famílias que empregaram a sua vasta riqueza e poder concomitante para corromper os nossos políticos. Charles e David Koch ocupam os 6º e 7º lugares dos mais ricos do mundo; ambos utilizaram uma boa parte dos seus 68 bilhões de dólares para financiar, não só, os candidatos da extrema direita, mas também campanhas políticas contra as medidas de regulação ambientais ou de outros tipos. Além disso, há quatro Waltons entre os 20 mais ricos; a sua riqueza combinada de 107,3 bilhões de dólares disparou graças aos lucros crescentes da WalMart, ao mesmo tempo que esta empresa pressionava cidades e estados para se oporem ao aumento de salários para níveis razoáveis da subsistência.
Como variaram os números ao longo dos anos? Regressemos a 1995, uma época de riqueza emergente no meio da desregulação impulsionada pela administração Clinton, nos Estados Unidos, e uma pressão generalizada em todo o mundo para desregular, liberalizar e privatizar os mercados.
Em 1995, a Forbes registrou 376 multimilionários no planeta. Destes, 129 (ou 34%) eram dos Estados Unidos. O fato de o número de multimilionários norte-americanos ter crescido para 442, nos dezoito anos seguintes, enquanto a porcentagem de multimilionários norte-americanos caía de 34% para 31% do total global, é testemunho de como a atmosfera desreguladora e tendente aos cortes de impostos nos Estados Unidos, sob os mandatos de Clinton e Bush, se mostrou muito favorável para os super ricos.
É de notar que, nestes 18 anos, o chamado mundo desenvolvido viu-se eclipsado pelo chamado mundo em vias de desenvolvimento. Em 1995, os Estados Unidos destacavam-se em número de multimilionários (129), a Alemanha (47) e o Japão (35). Estes três países hospedavam 56% dos multimilionários do mundo. Nenhum outro país se lhes aproximava, estando a França, Hong Kong e a Tailândia empatados em terceiro lugar, com 12 multimilionários cada um.
Nem a Rússia, nem a China possuíam um só multimilionário, em 1995, pese embora que, a respeito da Rússia, a Forbes tenha admitido que o seu crescimento financeiro fora evidente nos anos seguintes à queda do Muro de Berlim. Além disso, em 1995, o Brasil só tinha oito multimilionários e a Índia só dois.
Hoje, estes quatro países (Rússia, China, Brasil e Índia) albergam 333 dos 1.426 multimilionários do mundo - 23% do total. Além disso, o número de multimilionários no Japão caiu significativamente, nos últimos 18 anos, de 35 para 22. Os números oferecem uma imagem dramática do relativo declínio dos Estados Unidos, da Europa e do Japão em menos de duas décadas e do surpreendente auge do Brasil, Rússia, Índia e China, assim como do resto da Ásia. Além disso, recordam-nos que os países onde as receitas e despesas eram relativamente equitativas, há vinte anos, como a China e a Rússia, juntaram-se às fileiras da desigualdade.
Ao longo do globo, o rápido aumento de multimilionários em dezenas de países (de novo, o Japão, uma notável exceção) é testemunho de como o clima desregulador destas últimas duas décadas acelerou o auge dos super ricos, enquanto as empresas mantiveram os dos trabalhadores praticamente congelados.
Basta dizer que as sociedades mais igualitárias e mais saudáveis requerem um enfoque radicalmente diferente de políticas de impostos. Tal como o membro associado da agência IPS, Sam Pizzigati, descreveu, os impostos justos formaram uma ampla classe média nos Estados Unidos, entre os anos 40 e os anos 60. Essas políticas de impostos justos são hoje necessárias, em todo o mundo, se pretendermos estreitar em vez de alargar a brecha entre os super possuidores e os não possuidores.
* Robin Broad é catedrática em School of International Service, American University, (Washington, D.C.)
** John Cavanagh é diretor do Instituto de Estudos Políticos, (Washington, D.C.).