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David Cameron disse que os Jogos aportariam cerca de 13 bilhões de libras à economia, mas os próprios erros do governo conspiraram contra este impacto. A zona central se converteu numa cidade fantasma.
Por Marcelo Justo, tradução de Katarina Peixoto para a Carta Maior
O vigoroso quadro de medalhas olímpicas da equipe da Grã-Bretanha e a expectativa de uma injeção de consumo adicional na economia é hoje o único Plano B de uma coalizão conservadora-liberal democrata que não consegue formular uma estratégia eficaz para sair da recessão.
Aferrados como a um mantra ao Plano A (Austeridade), a Coalizão espera que graças ao chamado “feel good factor” (sentir-se bem) os britânicos saquem a carteira e se somem ao consumo alavancado por centenas de milhares de visitantes nos Jogos, evitando assim um quarto trimestre consecutivo de crescimento negativo. Os economistas não compartilham essa visão otimista e nesta quarta-feira o próprio Banco da Inglaterra (Banco Central) reduziu suas previsões de crescimento para 2012 de um magro 0,8% para 0% de absoluta estagnação.
[caption id="attachment_17972" align="alignright" width="300" caption="O otimismo desportivo que se respira nas ruas de Londres é palpável, mas os números são muito mais decisivos (http://www.flickr.com/photos/thedcms/)"][/caption]
O otimismo desportivo que se respira nas ruas de Londres é palpável, mas os números são muito mais decisivos. No último trimestre a economia caiu 0,7%, aprofundando a tendência marcada pelos trimestres anteriores (menos 0,4% e menos 0,3%). O poder aquisitivo dos britânicos – capturado pela pinça de um estancamento salarial devorado pela inflação – sofreu nos últimos três anos a pior queda desde os 70. O primeiro ministro David Cameron disse que os Jogos aportariam cerca de 13 bilhões de libras à economia, mas os próprios erros do governo conspiraram contra este impacto positivo.
Londres, cidade fantasma
Com o antecedente dos engarrafamentos massivos dos Jogos de 1996 em Atlanta, que impediram alguns atletas de chegar às competições, o prefeito de Londres, o conservador Boris Jonson, lançou uma campanha para advertir aos ingleses que evitassem o centro durante os Jogos. O resultado foi que a zona central se converteu em uma cidade fantasma. Restaurantes e teatros vazios, ruas sem muita gente, uma brusca queda das vendas do comércio. Ninguém se salvou do impacto. O número de visitantes na famosa Torre de Londres registrou uma queda de 56% no número de visitantes.
Quando o governo tentou uma mudança de rumo, retirando os anúncios televisivos nos ônibus nos quais o prefeito recomendava evitar o centro, o estrago estava feito. Não foi o único erro de cálculo. Os milhares de espectadores que vieram a Londres são em sua maioria jovens, com pouco dinheiro e afligidos pelo mesmo mal que acomete os britânicos: a crise econômica. “Não viemos para fazer comprar”, resumiram duas jovens suecas à Agência AFP.
Pior ainda, segundo a Associação de Operadores turísticos europeus, houve uma queda de aproximadamente 50% no número global de turistas. O dado não surpreendeu o especialista em Economia do Esporte da Cass Business School de Londres, Peter Grant. “É o impacto dos Jogos Olímpicos em geral. O que se ganha em um lugar se perde no outro. Os turistas que vêm para os Jogos não visitarão Londres depois. Muitos deixaram de vir porque não querem estar aqui durante os Jogos”, disse Grant à Carta Maior.
A ilusão provocada pelos Jogos Olímpicos é uma mostra do crescente desespero nas fileiras da Coalizão. Ao assumir o poder em 2010, a Coalizão apostou tudo no Plano de Austeridade, colocando a culpa pela crise no desperdício e irresponsabilidade dos trabalhistas. O Plano contemplava um corte de 120 bilhões de libras em cinco anos para equilibrar as contas em 2015. Este ano, o primeiro ministro David Cameron prorrogou o ajuste fiscal até 2020. Mas a realidade é que, sem crescimento, as contas não fecham.
Com a deterioração econômica, se acelerou a política: os trabalhistas têm uma vantagem de 11 pontos nas pesquisas, a maior desde as eleições de 2010. O rumor é que o governo quer adiantar seu investimento em infraestrutura e alavancar um programa de empréstimos de 80 bilhões de libras para pequenas e médias empresas. A questão é se esse valor não é insuficiente, demasiado tarde e, também, qual é a letra pequena dessas medidas. Como dizem os próprios ingleses, “the devil is in the detail” (o diabo está no detalhe). Para se resguardar politicamente, é possível que a Coalizão faça todo o possível para dissimular qualquer rastro de keynesianismo que ponha em questão a estratégia seguida desde 2010.