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Uma região aonde se vai apenas para dormir é a negação da cidade, afirma nesta entrevista o especialista espanhol Jordi Borja
Por Emilio Godoy, da IPS/Envolverde
As tendências em boa parte do mundo capitalista ocidental tendem a destruir a cidade, dissolvê-la”, o que atenta contra a democracia, “porque a cidade é o lugar onde nasceram as liberdades públicas”, disse o destacado urbanista Jordi Borja em entrevista ao Terramérica. O modelo urbano atual confina os habitantes em áreas onde o transporte urbano não chegará e deixa espaços públicos abandonados, acrescentou Borja, cientista político, sociólogo, geógrafo e diretor da Área de Gestão da Cidade e Urbanismo na estatal Universitat Oberta, na Catalunha.
Borja (Barcelona, 1914) viveu exilado na França entre 1961 e 1968, assessorou a remodelação de cidades como Buenos Aires, Rio de Janeiro, Santiago e Bogotá, e é autor de livros como A Cidade Conquistada. O Terramérica conversou com Borja por ocasião do Fórum Internacional sobre o Direito à Mobilidade, realizado este mês na capital mexicana, do qual foi um dos palestrantes. Justamente sobre a megalópole que é a Cidade do México, Borja recomendou um governo metropolitano regional para gerenciar assuntos como manejo da água em uma cidade que se espalhou do Distrito Federal para Estados vizinhos.
[caption id="attachment_18247" align="alignright" width="300" caption="" É a negação da cidade uma região onde somente se vai para dormir, ou que haja cidades fechadas, tão em moda entre as classes média e alta" (http://www.flickr.com/photos/ronhenry/)"][/caption]
TERRAMÉRICA: Quais são suas críticas ao modelo urbano atual?
JORDI BORJA: As tendências imperantes em muitos países do mundo capitalista ocidental tendem a destruir a cidade, dissolvê-la, e isto é um atentado à convivência, à democracia, ao progresso, porque a cidade é o lugar onde nasceram as liberdades públicas. É onde pessoas diferentes podem conviver, onde surgem a inovação e o progresso, pela diversidade de pessoas que se encontram no mesmo lugar. É a negação da cidade uma região onde somente se vai para dormir, ou que haja cidades fechadas, tão em moda entre as classes média e alta.
TERRAMÉRICA: Se o futuro é urbano, como ter cidades sustentáveis?
JB: O futuro pode ser urbano ou pode ser considerado urbano com cidades débeis. Há um texto escrito há 20 anos, que fala do reino do urbano e da morte da cidade, um pouco apocalíptico. Mas, não há tendências fatais. No México, existe uma operação interessante, positiva, que é a regeneração do centro histórico. O que estão fazendo está certo, mas atenção para os efeitos perversos das coisas boas, porque estão revalorizando muito e se não preverem que depois o mercado terá de lançar moradias de baixa renda, para os jovens – porque haverá mais comércio de qualidade, mais escritórios – então se perderá a essência do centro histórico, que é a convivência entre pessoas diferentes e a multipolaridade. Pode haver uma operação de grande sucesso para uma população do setor popular no bairro do centro e depois o mercado pode expulsá-la gradualmente e se terá um centro muito segmentado, unicamente comercial ou unicamente turístico. O solo não pode ser objeto de lucro. Pode-se aplicar um imposto de certa taxa sobre seu valor como terreno rústico, por exemplo.
TERRAMÉRICA: Como administrar uma cidade como a Cidade do México, com quase nove milhões de habitantes, com problemas de água e tráfego excessivo?
JB: Bem, a cidade tem um governo, que alguma coisa faz. Haver um governo democrático é importante. Quando existe um aglomerado, deve-se fazer um governo para esse conjunto, o que tem a ver com a descentralização, porque depois da aplicação das políticas concretas se vincula com centenas de habitantes, não com milhões. Esta pirâmide pode funcionar, mas teria que ser feito um redimensionamento dos Estados e criar um Estado que unifique o governo da cidade com o do Estado do México (limítrofe da capital mexicana) e dos Estados vizinhos, um governo regional metropolitano para grandes projetos e grandes temas, como a água. E depois, responsabilidades municipais e uma autoridade específica para o Distrito Federal. Mas é preciso haver uma estratificação que tenha um governo que decida grandes projetos e orientações e, na medida em que se tem de concretizar as coisas, o governo vai descendo.
TERRAMÉRICA: Como concebe o direito à cidade?
JB: Que os cidadãos necessitam de um conjunto de direitos. Portanto, o direito à cidade vem a substituir ou expor o direito à mobilidade, à moradia ou à educação, em separado.
TERRAMÉRICA: O senhor vê a favelização do mundo, como afirma o norte-americano Mike Davis em seu livro Planeta de Favelas?
JB: É um livro muito exagerado. Outra coisa são as periferias, as áreas periurbanas. Nas cidades há autoconstrução, como uma primeira fase na criação de bairros. Em si mesmo, isso não é mau. Mas soa muito mais lógico que haja um apoio e uma regulação disto e depois levar os mínimos. A melhoria de bairros na Cidade do México vai nessa direção, aqui é preciso melhorar o espaço público e a moradia. Foi feito um plano que, com ajuda dos habitantes, regula estes bairros. Creio que tampouco podemos favorecer um crescimento ilimitado de cada área. No caso do México, há um sistema de cidades suficientemente potente para redistribuir esse crescimento. Durante anos houve um fracionamento excessivo (de “colônias” ou bairros). É preciso reorientar os fluxos migratórios para um sistema de cidades.