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Após mobilizações, presidente encaminha ao Congresso pedido de anulação das leis; primeiro-ministro Yehude Simon renuncia
Por Redação
Após dois meses de greve e mobilizações e um confronto entre indígenas e policiais que deixou, no dia 5, pelo menos 50 mortos, o governo do presidente peruano Alan García teve de engolir a derrota. Dez dias depois do massacre, o primeiro-ministro do país, Yehude Simon, reuniu-se com lideranças indígenas e assinou um documento em que se compromete a anular os nove decretos rechaçados pelos indígenas da Amazônia peruana. Eles afirmam que as leis legalizam a exploração de suas terras pelas transnacionais, preparando a região para o Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos.
No dia seguinte, Simon encaminhou ao Congresso Nacional uma proposta de anulação e anunciou sua renúncia para as próximas semanas. "Eu vou sair de qualquer forma na hora que tudo tiver acalmado, que deve ser nas próximas semanas", declarou à imprensa.
Daysi Zapata, a nova presidente da Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana (Aidesep), que substituiu Alberto Pizango – procurado pela Justiça e asilado político na Nicarágua – qualificou de “tardia” a decisão e reiterou a desconfiança em relação ao governo, afirmando que somente após se oficializar a anulação das leis é que a entidade irá se pronunciar sobre a abertura do diálogo com o governo. “Os povos já estão cansados de promessas, queremos ver realidades”, afirmou. A dirigente ainda relembrou as vidas perdidas no massacre: “Tantas vidas tinham que ser perdidas para que o governo se desse conta de que as leis eram ruins?”
Protestos
Os decretos foram editados em junho de 2008, ocasião em que os movimentos sociais fizeram uma série de protestos. Porém, eles os interromperam após a promessa de abertura de diálogo com o governo García. Ignorados e frustrados, eles retomaram a mobilização no dia 8 de abril.
O movimento cresceu ainda mais após o confronto do dia 5. Os indígenas mantiveram as ações e ganharam mais apoio, tanto de entidades indígenas, como urbanas, além da sociedade. Em Lima, uma passeata reuniu 30 mil pessoas no dia 11. Foram realizados novos bloqueios de rodovias e até a tomada de um aeroporto, na cidade andina de Andahuaylas, além de novas greves em cidades amazônicas. Uma greve geral foi chamada para os dias 7 a 9 de julho e pedidos da renúncia presidencial começaram a ser ouvidos. Ao desgaste atual, somou-se o já existente em relação ao governo da Alianza Popular Revolucionaria Americana, o partido de García. Pesquisa feita em maio apontou níveis de popularidade de 30% apenas.
Suspensão
Cinco dias antes da reunião com o primeiro-ministro, o Congresso havia votado a suspensão temporária dos decretos por 90 dias, o que foi visto por alguns como uma tentativa de manobra. Durante cinco horas, governistas e oposição, esta última encabeçada pelo Partido Nacionalista (PN), trocaram acusações. Os primeiros acusaram os nacionalistas de “manipular os indígenas”, de “promover a violência” e “desestabilizar a democracia”; a oposição afirmou que o atual governo ignora os direitos dos povos originários em favorecimento das transnacionais, exigiu a formação de uma comissão investigadora independente para determinar as responsabilidades pelos acontecimentos do dia 5, além de pedir a anulação dos decretos.
A suspensão foi aprovada por 57 votos a 47, mas os congressistas do PN seguiram protestando, pois queriam a anulação completa do pacote de leis, com o argumento de que uma comissão do Congresso as havia considerado inconstitucionais.
Neoliberais em xeque Ainda que vista como um início de recuo, os movimentos não se contentaram com a suspensão. Para o pesquisador e escritor peruano Róger Rumrrill, “a suspensão das leis, ao invés da anulação, é uma manobra do governo para desmobilizar os indígenas e continuar tentando impor os decretos. Mas os indígenas não vão cair nessa armadilha. Essas leis são parte essencial do projeto neoliberal e autoritário desse governo. Os indígenas apareceram para questionar esse projeto e por isso são reprimidos e satanizados pelo governo”.
Com a continuidade dos protestos e a promessa de outros, a saída de García foi recuar, mesmo tendo dito, um dia antes, que não anularia as leis e que, se necessário, aumentaria a repressão. “Com a anulação dessas leis, a tensão social seguramente diminuirá, mas o conflito não se soluciona. Essa anulação é somente o ponto de partida para o início de um diálogo que deve ocorrer não apenas entre governo e movimentos indígenas, mas com todas forças sociais. Esta crise revelou os limites do modelo econômico neoliberal e do sistema político, que já não dá mais, e devemos fazer um debate nacional sobre isso”, disse o sociólogo Eduardo Toche, pesquisador do Centro de Estudos e Promoção do Desenvolvimento.
(Com informações do Página 12 – www.pagina12.com.ar). Foto TV Cultura.