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Não se sabe até onde Obama está disposto a ir para melhorar as relações. Mas enquanto há apenas dez anos as pressões políticas internas aos EUA eram esmagadoramente a favor do boicote económico, hoje o público e os políticos estão divididos
Por Immanuel Wallerstein
Alguns comentadores atribuíram esta nova situação a uma mudança de liderança nos dois países. A explicação real assenta muito mais nas alterações da situação geopolítica - no conjunto do sistema-mundo e na América Latina em particular.
Os revolucionários cubanos chegaram ao poder em janeiro de 1959. As relações com os Estados Unidos deterioraram-se fortemente no espaço de um ano. Em março de 1960, o presidente Eisenhower ordenou a preparação de uma invasão levada a cabo por exilados cubanos para derrubar o governo cubano. Pouco depois, John F. Kennedy tornou-se presidente, e aprovou em março de 1961 uma versão revista do plano Eisenhower. Um mês depois, o plano foi implementado. É conhecido como a invasão da Baía dos Porcos (Playa Girón). Durou poucos dias e foi um fiasco militar para os invasores apoiados pelos EUA.
Em Janeiro de 1962, os Estados Unidos propuseram na reunião da Organização de Estados Americanos (OEA) que a participação de Cuba na instituição fosse suspensa. A proposta dos Estados Unidos foi apoiada por 14 dos 21 membros, os dois terços necessários para a aprovação. Cuba votou "não" e seis países latino-americanos abstiveram-se. O principal argumento para a suspensão foi o facto de Cuba ter anunciado a sua adesão ao marxismo-leninismo, considerado incompatível com a participação na OEA. Além disso. Os Estados Unidos desencadearam um embargo total às relações comerciais com Cuba, e procuraram obter a adesão a este boicote dos seus aliados da Nato na Europa ocidental e dos estados da América Latina.
Outubro de 1962 marcou a dramática crise dos mísseis de Cuba. A União Soviética tinha instalado mísseis nucleares em Cuba. Os Estados Unidos pediram que fossem retirados. O mundo temeu estar à beira de um conflito nuclear. No fim, a União Soviética retirou os mísseis, presumivelmente contra um compromisso secreto dos Estados Unidos de não apoiarem uma nova invasão a Cuba. O governo cubano indicou o seu desacordo com a decisão da União Soviética, mas manteve boas relações com aquele governo.
Como é evidente, o principal elemento da hostilidade dos EUA ao governo cubano eram as considerações da Guerra Fria. A partir deste momento, o governo dos EUA pressionou constantemente os seus aliados da Nato e os estados da América Latina para cortarem todas as relações com Cuba, o que a maioria foi fazendo, um atrás do outro.
Ao mesmo tempo foi crescendo o número de exilados cubanos nos Estados Unidos. Estes exilados estavam determinados a derrubar o governo cubano, e organizados politicamente para garantir apoio forte a esta ideia por parte do Congresso e do governo americanos. Durante os primeiros 30 anos, este esforço obteve um sucesso crescente.
Contra esta hostilidade, o governo cubano procurou fazer alianças não só com países do chamado bloco socialista, mas com governos e movimentos revolucionários do chamado Terceiro Mundo. "Exportou" para países de Terceiro Mundo o seu capital humano, na forma de bem treinados médicos e professores. Ofereceu apoio militar decisivo ao governo independente de Angola, quando se opunha aos invasores do governo de Apartheid da África do Sul. As tropas cubanas ajudaram a derrotar os sul-africanos na batalha decisiva de Cuito Carnavale, em 1988.
Toda a situação mudou nos anos 90, de três formas decisivas. O primeiro novo elemento foi o colapso da União Soviética. Ele significou que as considerações de Guerra Fria passavam agora a ser irrelevantes. Significou também que Cuba sofreu grandes dificuldades económicas nos anos 90 devido ao fim da assistência económica russa/soviética, e teve de ajustar o seu programa interno.
O segundo novo elemento, especialmente evidente sob a presidência de George W. Bush, foi o agudo declínio do poderio geopolítico dos EUA, que desencadeou importantes revezes na política latino-americana, com a chegada ao poder, num país após o outro, de governos de centro-esquerda. Um atrás do outro, todos estes países começaram a restabelecer relações diplomáticas com Cuba e a tomar posição pelo fim do embargo dos EUA e pela reintegração de Cuba na OEA.
O terceiro elemento foi uma acentuada transformação da cena política dos EUA. Pela primeira vez, começou a falar-se seriamente sobre o "fracasso" da política norte-americana em relação a Cuba. Começou a haver pressão dos interesses agrários para ganharem o direito de vender os seus produtos em Cuba. Esta posição ganhou o apoio de muitos senadores republicanos, incluindo nomeadamente Richard Lugar, o mais experiente republicano do Comité do Senado para as Relações Externas.
Mais importante ainda talvez tenha sido o fato de, depois de 50 anos, a comunidade cubana exilada ter evoluído as suas visões políticas. Muitos jovens cubano-americanos começaram a defender o direito de viajar para Cuba, de enviar dinheiro para lá, e de manter intercâmbio livre e aberto.
Quando Barack Obama chegou à Presidência, ficou assim submetido a alguma pressão para iniciar um "degelo"das relações cubano-americanas. Nas suas medidas iniciais desfez as restrições às remessas e às viagens impostas pelo seu predecessor. Não se sabe até onde Obama está disposto a ir para melhorar as relações. Mas enquanto há apenas dez anos as pressões políticas internas aos EUA eram esmagadoramente a favor do boicote económico, hoje o público e os políticos estão divididos. E dada a evolução da opinião latino-americana e o crescente tamanho da população latina nos Estados Unidos, é provável que a opinião pública norte-americana evolua mais no próximo ano ou dois.
A reacção de Cuba foi prudente. Fidel Castro explicou-a bem em 5 de Abril. Disse que os gestos e as declarações de Obama tinham principalmente como destino o público dos EUA e reflectiam a visão de um presidente dos EUA. Disse depois duas coisas: "É sem dúvida melhor que Bush e que McCain" (algo que muitos críticos de esquerda de Obama não queriam admitir), mas Obama é limitado pelas realidades: "O império é muito mais poderoso do que ele e as suas boas intenções."
Assim, Cuba está a explorar experimentalmente até onde os Estados Unidos estão dispostos a ir. Estão a decorrer actualmente discussões diplomáticas de "baixo-nível". O governo Obama está a sofrer pressões internas para um promover um "degelo". O governo de Castro está sob pressões latino-americanas a favor de um "degelo". Se as realidades geopolíticas continuarem a evoluir na direcção em que estavam a ser encaminhadas nos últimos anos, não é impossível que Cuba e Estados Unidos possam vir a estabelecer relações diplomáticas "normais". Sem dúvida, ambos vão continuar a ter diferentes perspectivas sobre o mundo, e a orientar-se para objectivos diferentes, mas isso é assim navanço nas relações dos últimos 50 anos.
Tradução de Luis Leiria