Escrito en
GLOBAL
el
Por Gustavo Capdevila, da IPS
A tentativa da Organização Mundial do Comércio para acabar com as diferenças que entorpecem as negociações comerciais da Rodada de Doha por meio dos esboços de acordos sobre agricultura e produtos industriais recebeu críticas logo após ser divulgada. Os 150 Estados-membros da OMC evitaram de maneira oficial as reações imediatas, embora Estados Unidos e União Européia, as duas maiores potências comerciais, tenham saudado com expressões cautelosas a divulgação ontem dos papéis, como se chama no jargão negociador.
Por outro lado, delegados de países em desenvolvimento já responderam com críticas ao projeto elaborado pelo presidente do comitê de negociações sobre produtos industriais, o canadense Don Stephenson. As respostas mais duras partiram de membros do grupo NAMA-11 (sigla em inglês de acesso a mercados não-agrícolas), que reúne nações dispostas a aceitar menores reduções alfandegárias para a importação de bens industriais. Se não reagirmos com firmeza agora, em setembro, quando a OMC reiniciar as negociações, “passarão pro cima da gente”, disse à IPS um delegado de uma dessas nações, que pediu reserva sobre seu nome.
Os países do grupo NAMA-11, entre os quais estão Brasil, África do Sul, Argentina e Índia, examinarão o documento nesta quarta-feira. A pesquisadora Céline Charveriat, da organização humanitária Oxafam, afirmou que esse texto sobre produtos industriais entendeu totalmente ao contrário o mandato das negociações, “pois exige de um país como o Brasil uma redução alfandegária que é o dobro da que exige dos Estados Unidos”. Charveriat se referia ao ciclo de negociações lançado em novembro de 2001 na capital do Qatar, que tomou o nome de Rodada de Doha para o Desenvolvimento, porque deveria restabelecer o equilíbrio nas relações comerciais internacionais, inclinadas a favor dos países industrializados desde a anterior Rodada do Uruguai (1986-1994).
A especialista da Oxfam disse que a proposta de Stephenson força um punhado de países em desenvolvimento, com populações numerosas e aumentando, “a suportar o peso do acordo da OMC”. Isso levará à perda de empregos e será obstáculo aos esforços das nações em desenvolvimento para avançar a setores industriais de maior valor agregado, afirmou. A proposta do presidente do comitê de negociações agrícolas, o neozelandês Crawford Falconer, tampouco mereceu aprovação unânime. Charveriat aceitou que estte documento contém alguns progressos, pois supera as ofertas de liberalização apresentadas por Estados Unidos e pela União Européia, mas, alertou sobre os perigos que possam surgir quando os detalhes forem negociados.
Em um dos pontos críticos da negociação agrícola, o valor das subvenções que os Estados Unidos podem conceder aos seus agricultores, Falconer propõe que a cifra final oscile entre US$ 13 bilhões e US$ 16,38 bilhões por ano. Os negociadores norte-americanos haviam oferecido fixar o valor de US$ 17 bilhões nesse item, denominado apoio interno. Esse valor supera a média de US$ 15,4 bilhões que Washington destinou anualmente, entre 1995 e 2005, para ajudar no déficit das exportações agrícolas improdutivas. Por sua vez, o Grupo dos 20, integrado por países em desenvolvimento com interesses agrícolas e liderado por Brasil e Índia, reclama que os Estados Unidos reduzam essas subvenções anuais a US$ 12,1 bilhões.
Com relação à proposta de Falconer sobre tarifas alfandegárias, Charveriat observou que essa iniciativa condena os países em desenvolvimento com grandes populações rurais a efetuar reduções desses direitos de importação mais fortes do que as aplicadas pelas nações ricas por causa da Rodada do Uruguai. Fontes próximas ao G-20 anunciaram que o grupo discutirá esta semana a proposta de Falconer. Outro núcleo de nações interessadas na negociação agrícola, o Grupo de Cairns, de 19 países agro-exportadores, também vai se reunir esta semana com a mesma finalidade.
A OMC, que estará em recesso durante o mês de agosto, convocou os comitês de agricultura e de produtos industriais para debates preliminares dos dois textos. Uma discussão mais profunda acontecerá me sessões do comitê de negociações comerciais, no próximo dia 26, e do conselho geral da instituição, no dia seguinte. Pascal Lamy, diretor-geral da OMC, que apoiou o trabalho realizado por Stephenson e Falconer, admitiu que o s Estados-membros “não estarão plenamente satisfeitos com os textos”, apesar de considerar que “o que hoje os separa é menos do que os une”.
Com uma visão crítica Doha, um grupo de organizações não-governamentais interessadas nas negociações comerciais afirmou que “o que deveria ser a rodada do desenvolvimento tem sido praticamente o oposto”. O programa de Doha foi manipulado para colocá-lo a serviço dos interesses das potências industrializadas do Norte que buscam ampliar o acesso ao mercado para suas empresas transnacionais, afirmaram as ONGs.
As entidades da sociedade civil, entre elas Action Aid, Associação para a Fixação de Impostos às Transnacionais Financeiras para Ajudar os Cidadãos, Amigos da Terra, Instituto de Política Agrícola e Comercial e Focus on the Global South, afirmam que a OMC “está afundada em uma crise de legitimidade”. Declarar a morte de Doha não significa o fim do sistema mundial de comércio, alertam as organizações. Por esse motivo, exortam no sentido de admitir-se o fracasso da rodada e estabelecer uma moratória de dois anos para repensar o modelo e o processo de negociações mundiais de comércio.