Não invista nosso dinheiro em genocídio?, diziam cartazes de ativistas diante da sede da Fidelity, uma das maiores firmas investidoras dos Estados Unidos. Ali mesmo distribuiam folhetos acusando a companhia de práticas empresariais que contribuíram com a crise humanitária em Darfur, na região ocidental do Sudão
Por Michael Deibert, da IPS
Em um lindo dia de primavera no distrito financeiro de Nova York, em meio a apressados executivos de terno e gravata, numerosos manifestantes se dedicam a chamar a atenção para a crise humanitária na região sudanesa de Darfur. Os ativistas localizados diante da sede da Fidelity, uma das maiores firmas investidoras dos Estados Unidos, portam cartazes que dizem “Não invista nosso dinheiro em genocídio”. Ali mesmo distribuem folhetos acusando a companhia de práticas empresariais que contribuíram com a crise humanitária em Darfur, na região ocidental do Sudão.
Esta atividade fez parte da campanha “Dias globais para Darfur”, que começou no dia 23 de abril e terminou na última segunda-feira. Durante a campanha, ativistas, políticos, músicos e outras celebridades de todo o mundo realizaram diversos atos para destacar a violência que o regime do presidente Omar al-Bashir e as milícias Janjaweed, alinhadas com o governo, cometem em Darfur contra comunidades não-árabes. Até agora, a crise provocou uma resposta extremamente lenta por parte dos líderes mundiais, apesar de já ter causado entre 200 mil e 450 mil mortes (principalmente de civis) desde 2003, quando começou a atual fase do conflito.
“O Sudão pode se dar ao luxo de desprezar toda a comunidade internacional porque faz muito dinheiro com o petróleo que vende para a China’, disse Helga Moor, do grupo Vigília de Darfur, enquanto entregava volantes aos pedestres. “Quremos demonstrar ao Sudão que os povos do mundo estão escandalizados e que não querem investir seu dinheiro em empresas que apóiam este regime assassino”, acrescentou. Ativistas acreditam que entre essas firmas figure a Fidelity, principal acionista individual da PetroChina Company, subsidiária da estatal Corporação Nacional de Petróleo da China.
A PetroChina possui uma grande participação no consorcio nacional de petróleo do Sudão desenvolve grandes operações nesse país. Pequim comprou, em 2005, metade das exportações de petróleo sudanês. Segundo os ativistas, os ganhos destas vendas permitiram a Cartum comprar armas para manter as operações militares em Darfur. A campanha terminada segunda-feira foi inspirada na iniciada nos anos 80 contra o apartheid (regime de segregação racional institucionalizada que oprimiu a maioria negra da África do Sul até 1994), que procurou “desinvestimento” dos governos violadores dos direitos humanos.
Esta iniciativa em favor de Darfur alcançou grande êxito nos últimos meses. Em abril, a companhia aeroespacial britânica Rolls-Royce, que forneceu motores a companhias de petróleo no Sudão nos últimos cinco anos, anunciou que se retirava por causa da situação dos direitos humanos nesse país. A empresa alemã de engenharia Siemens e a companhia de energia suíça ABB Limited haviam anunciado seus planos no mesmo sentido no ano passado. A campanha foi convocada quando a situação na região se torna cada vez mais e mais complexa.
No começo, a crise respondeu aos choques entre o governo e dois grupos rebeldes: o Movimento Justiça e Equidade e o Movimento de Libertação Sudanesa, que resistiam à opressão contra os moradores não-árabes de Darfur. Desde então, o caos só piorou. Os problemas de Darfur, reino independente do tamanho da França anexado pelo Sudão em 1917, começaram nos anos 70, como uma disputa por terras de pastoreio entre nômades árabes e agricultores nativos negros. As duas comunidades étnicas professam a fé islâmica.
Porém, a tensão virou uma guerra civil em fevereiro de 2003, quando guerrilheiros negros responderam com violência às milícias árabes Janjaweed (homens à cavalo). Os janjaweed são acusados de uma campanha de limpeza étnica contra três tribos negras que apóiam os dois grupos guerrilheiros. Presume-se que as milícias árabes têm apoio de Cartum, ou que o governo sudanês faz vista grossa para seus crimes. Organizações humanitárias calculam entre 200 mil e 450 mil mortos em conseqüência direta da violência, e que até 2,5 milhões tiveram de abandonar suas casas.
Seguindo o exemplo do Congresso norte-americano, o governo de George W. Bush acusou Cartum, em 2004, de “genocídio”, acusação que o presidente repetiu em várias passagens de seu discurso da última quarta-feira. Organizações de direitos humanos como Anistia Internacional e Human Rights Watch não aderem ao termo “genocídio”, mas, reclamaram em diversas oportunidades maiores ações por parte da Organização das Nações Unidas para deter a violência, incluindo sanções duras contra o regime e as milícias Janjaweed. No ano passado, a violência atravessou a fronteira do Sudão com o Chade, onde vivem mais de 200 mil refugiados de Darfur, e na República Centro-africana.
Envolverde/ IPS