Por Mithre J. Sandrasagra, da IPS
As grandes ameaças à saúde vêm, atualmente, “da mobilidade e do volume do transporte aéreo, do modo como produzimos e comercializamos alimentos, usamos e abusamos dos antibióticos e manejamos o meio ambiente”, disse a diretora-geral da Organização Mundial da Saúde, Margaret Chan. Por ocasião do Dia Mundial da Saúde, comemorado no sábado, especialistas internacionais avaliaram as crescentes ameaças à segurança sanitária coletiva do mundo. Isto inclui as doenças emergentes e de rápida propagação, as mudanças ambientais, o perigo do bioterrorismo, as emergências humanitárias repentinas e intensas em razão de desastres naturais, vazamentos de produtos químicos e acidentes radioativos.
Também figura nos primeiros lugares da lista o impacto da Aids, doença que ameaça a estabilidade de alguns dos países mais pobres. “A incerteza e o potencial destrutivo dos focos da enfermidade e as severas emergências de saúde pública lhes dão um alto perfil público e político”, disse Chan. “Quando o mundo está coletivamente em risco, a defesa se torna uma responsabilidade compartilhada de todas as nações”, destacou a funcionária da OMS.
A globalização trouxe alguns benefícios à humanidade, a partir do transporte eficiente e do comércio. Mas também permitiu a rápida expansão de doenças que de outro modo poderiam permanecer contidas dentro de territórios concretos ou que, em outros tempos, teriam se espalhado mais devagar. Assim indica o informe da OMS apresentado por ocasião do Dia Mundial da Saúde intitulado “Investir em saúde para forjar um futuro mais seguro”.
No “mundo de hoje a segurança sanitária deve ser garantida por meio de ações coordenadas e da cooperação entre governos e dentro deles, o setor corporativo, a sociedade civil, os meios de comunicação e os indivíduos”, destaca o documento. Nenhuma instituição ou país tem individualmente a capacidade necessária para responder às emergências internacionais de saúde pública, causadas por epidemias, desastres naturais ou emergências ambientais ou, ainda, por doenças infecciosas novas e emergentes, segundo a OMS.
“A saúde, o desenvolvimento e a segurança global estão intrinsecamente vinculadas”, afirmou o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, em sua mensagem pelo Dia Mundial da Saúde. “O investimento em saúde é uma pedra angular do crescimento econômico e do desenvolvimento, além de um pré-requisito para cumprir muitos dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”, enfatizou Ban. Entre esses objetivos figuram reduzir pela metade a porcentagem de pessoas na indigência e que sofrem fome, conseguir educação primária universal, promover a igualdade de gênero, reduzir em dois terços a mortalidade infantil e em três quartos a materna, combater a expansão da aids, malária e outras doenças, assegurar a sustentabilidade ambiental e gerar uma sociedade para o desenvolvimento entre o Norte e o Sul, tudo isso até 2015.
O informe da OMS destaca oito problemas de segurança sanitária de alcance mundial. O primeiro é a propagação de doenças novas e altamente contagiosas, como a síndrome respiratória aguda severa (SARS) e a gripe aviária, que não conhece fronteiras, segundo o documento. O potencial de ambas para causar um dano internacional implica que seus focos não podem ser tratados como temas puramente nacionais. Nas últimas décadas, novas doenças começaram a surgir em um ritmo sem precedentes, de uma ou mais ao ano, conforme cálculos da OMS.
“Embora a carga possa ser maior para o mundo em desenvolvimento, as enfermidades propensas a gerar epidemias são uma crescente ameaça para todas as nações”, disse Chan. Em 1997, a gripe aviária causou a destruição de toda a população avícola de Hong Kong. Em apenas três dias, 1,5 milhão de aves foram sacrificadas pelas autoridades para impedir a propagação da doença. Dez anos depois, o vírus não só afeta as aves domesticas e selvagens como um tipo de gripe aviária cruzou a barreira das espécies e já é responsável por 170 mortes humanas. Trata-se de pessoas que adoeceram gravemente após manterem contato direto com aves infectadas.
A estabilidade econômica é o segundo problema abordado pelo informe, destacando que os perigos para a saúde pública também têm conseqüências econômicas. Conter ameaças internacionais é bom para o bem-estar econômico, segundo o documento. Com menos de 10 mil casos, a SARS custou aos países asiáticos US$ 60 bilhões em gastos e também perdas de negócios, somente no segundo trimestre de 2003. Crises e emergências humanitárias internacionais constituem o terceiro problema. Estes fenômenos matam e mutilam muitos seres humanos, e pressionam severamente os sistemas de saúde. Em 2006, 134,6 milhões de pessoas foram vítimas de desastres naturais e 21.342 acabaram mortas por desastres naturais, segundo dados da ONU.
A OMS nota que as emergências por desastres naturais freqüentemente poderiam ser evitadas com políticas adequadas de manejo da terra, infra-estrutura e desenvolvimento. “Quantos moradores de Nova Orleans teriam se salvado se o dique não tivesse rompido pela passagem do furacão Katrina (agosto de 2005)? Quantas famílias não teriam procurados seus parentes nas áreas costeiras do Sri Lanka se um efetivo sistema de alerta tivesse sido ativado e as pessoas soubessem o que fazer ao ouvi-lo (durante o tsunami de 26 de dezembro de 2004)?”, pergunta o informe.
O quarto problema abordado pelo estudo são as ameaças terroristas químicas, radioativas e biológicas. Durante o século XXI, muitos países se tornaram dependentes do processamento químico e da energia nuclear. “A segurança sanitária pública depende da segurança dessas instalações e do uso apropriado de seus produtos”, segundo a OMS. Além disso, cartas contaminadas com antrax enviadas pelo correio norte-americano em 2001 e o atentado com gás sarin no metrô de Tóquio em 1995 servem como lembranças de que, embora os ataques químicos e biológicos sejam raros, há indivíduos dispostos a realizá-los.
O quinto assunto que aparece no informe é a mudança climática, que tem um crescente impacto sobre a saúde. “As pessoas estão morrendo – mais de 60 mil em anos recentes – em desastres naturais relacionados com o clima, principalmente em países em desenvolvimento”, segundo estatísticas da OMS. O sexto problema é o HIV/aids. Calcula-se que 39,5 milhões de pessoas viviam com a doença em 2006. A pidemia é um fenômeno mundial que prejudica não só a saúde, mas também a economia e a estabilidade de muitos países.
O sétimo se refere à consolidação da segurança sanitária. Um contexto de trabalho de colaboração exposto pelas Regulamentações Internacionais de Saúde (IHR) e várias redes de vigilância existentes podem fornecer um sistema efetivo de alerta e resposta precoces. As IHR aspiram requerer que qualquer país informe obrigatoriamente um “acontecimento de saúde pública de interesse internacional” que seja identificado dentro de suas fronteiras nacionais. O alcance e a definição de tal acontecimento é, deliberadamente, amplo e inclusivo para permitir a identificação e o informe de ameaças à saúde novas e emergentes, bem como as já existentes.
As IHR revisadas, que entrarão em vigor em junho próximo, representam um marco nos esforços mundiais para construir e reforçar mecanismos efetivos de alerta e resposta para focos de doenças nos âmbitos nacional e internacional, disse Ban Ki-Moon. “É essencial para todos nós que cada país implemente plenamente estas regulamentações”, enfatizou o secretário-geral das Nações Unidas.
A oitava prioridade é fortalecer os sistemas de saúde. Seu funcionamento é a base da segurança sanitária, mas o atual estado desses sistemas em todo o mundo é inadequado, segundo o informe da OMS. Por exemplo, atualmente o mundo tem um déficit de mais de quatro milhões de trabalhadores da saúde. O impacto desta carência se sente principalmente nos países em desenvolvimento. “Temos o conhecimento e recursos sem precedentes para construir um mundo mais são e mais seguro. Vamos aproveitar a ocasião do Dia Mundial da Saúde para mobilizar a vontade política”, afirmou Ban.