Mais de 9,4 milhões de brasileiros foram alvo de desinformação entre os dias 7 e 14 de janeiro com a propagação de notícias falsas em grupos públicos do WhatsApp e do Telegram, após o Banco Central (BC) revelar as novas regras para o compartilhamento de dados fiscais com a Receita Federal.
As mensagens, em sua maioria em vídeos ou textos, propagavam a mentira de que o governo Lula teria optado por taxar transações via Pix, prejudicando os pequenos e médios empresários.
A alegação, entretanto, é totalmente falsa. Como já foi explicado em reportagens da Fórum e por meio de comunicados tanto do governo quanto da Federação Nacional de Bancos (Febraban), o Pix continua isento de impostos. Segundo a Febraban, a diferença é que as instituições financeiras vão precisar informar à Receita Federal sobre transações acima de certos valores, como já fazem desde 2015 para outras modalidades de pagamento.
Conforme dados da Palver, adquiridos pela Agência Lupa, de checagem de fatos, mais de 18 mil mensagens únicas sobre o tema foram compartilhadas em 2,2 mil grupos de comunicação em português, com membros de diferentes partes do Brasil, nos últimos sete dias.
Isso resulta em uma média de quase dois conteúdos novos (1,8 mensagem) sendo postados a cada minuto no WhatsApp ou Telegram desde terça-feira passada. A análise da Palver revelou que as mensagens falsas sobre o Pix, com conteúdo predominantemente negativo, se espalharam rapidamente por todo o Brasil, especialmente em São Paulo.
As fake news, que associavam o Pix a uma nova taxação e a um suposto favorecimento de bancos e milionários, foram disseminados principalmente através do WhatsApp, nos códigos de área 11 e 19. A propagação dessas mensagens, nos dois aplicativos, segue um padrão semelhante: os ataques ao Pix começaram no dia 8 de janeiro e atingiram seu auge no dia 12. O dia em que o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) gravou um vídeo, com ironia, dizendo que o presidente "monitorava até quem pede dinheiro em semáforo", além dele, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) também foi e segue sendo um dos maiores responsáveis pela propagação da desinformação sobre o Pix, com um vídeo com mais de 50 milhões de visualizações.
Entre as 18 mil mensagens únicas sobre o Pix detectadas, pelo menos 38 receberam a classificação de virais pela Meta, com a seta dupla, que é atribuída a conteúdos “frequentemente encaminhados”. Dentro das mensagens mais populares, 20 mil pessoas tiveram acesso a pelo menos um desses conteúdos ultravirais em 39 grupos públicos. Além disso, todos os materiais que circularam no WhatsApp em 12 de janeiro foram classificados como “negativos” pelo sistema automático da Palver.
Movimentações despencaram no período
O sistema de pagamentos instantâneos Pix, lançado pelo Banco Central em novembro de 2020, registrou em janeiro uma expressiva queda no volume de transações, a maior desde sua implementação. O resultado foi divulgado nesta quarta (15).
Entre os dias 4 e 10 deste mês, foram realizadas 1,250 bilhão de operações, uma retração de 10,9% em relação ao mesmo período de dezembro, segundo levantamento do jornal O Globo com base em dados do Sistema de Pagamentos Instantâneos (SPI). O motivo é claro: desde o início do mês, a notícia falsa de que o governo iria taxar as transações via Pix ou espionar a movimentação financeira de pequenos comerciantes se espalhou nas redes e muitos ainda acreditam que serão cobrados através das transferências.
Do "Taxad" à cotação do dólar no Google: fake news na economia é maior arma da extrema direita
O que parecia ser algo espontâneo e apenas engraçado, uma brincadeira com o ministro da Fazenda sobre a "taxação das blusinhas", se revelou algo coordenado e com alto grau de profissionalismo, visto a qualidade dos memes, os referenciais semióticos e culturais e, novamente, o volume. Inclusive, um dos cards contra Fernando Haddad foi exibido em um telão da Times Square.
Para além da "memeficação" do ministro Fernando Haddad enquanto alguém obsessivo por taxar a população brasileira, alguns pontos devem ser levados em conta quanto ao timing da campanha contra o ministro da Fazenda: ela iniciou logo após duas pesquisas revelarem que a avaliação do presidente melhorou em 2024; também tinham por objetivo estabelecer um discurso em torno da figura de Haddad (como um político taxador) e fazer com que a rejeição de sua figura o inviabilize a projetos políticos futuros, por exemplo, as disputas eleitorais de 2026 e 2030.
Porém, dados divulgados pelo Ministério da Fazenda mostraram no ano passado que, ao contrário da campanha "Taxad", a carga tributária diminuiu no primeiro ano do governo Lula.
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Além disso, as notícias falsas surgiram em meio à instabilidade do mercado financeiro e tiveram impacto na valorização do dólar entre novembro e dezembro de 2024, que chegou a cotações recordes. Às vésperas do Natal no Brasil, depois de permanecer com a cotação incorreta por boa parte do dia, o valor do dólar foi removido do site de busca do Google. Em nota, a empresa reconheceu o erro e atribuiu a culpa das fontes de dados utilizadas à Morningstar, uma empresa que lidera pesquisas independentes de investimentos.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) fez uma piada em relação ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e repercutiu uma fake news sobre a cotação do dólar, publicada pelo Google. "Presente de Natal do Lule. Mas 2025 será diferente, é apenas especulação dos malvadões do mercado. Confia", mentiu o parlamentar no X à época.
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A propagação rápida e massiva de desinformação revela a fragilidade dos brasileiros diante de rumores financeiros e indica que o Brasil pode estar seguindo o mesmo caminho dos Estados Unidos em 2024, segundo a Agência Lupa.
Durante a campanha presidencial americana, pesquisas apontaram que a percepção pública sobre inflação e economia nos EUA era majoritariamente negativa, apesar de dados como inflação, desemprego e PIB indicarem um cenário favorável. Na véspera das eleições gerais, a capa da revista The Economist destacou a economia dos EUA como “a inveja do mundo”. Mesmo assim, os eleitores americanos continuaram com uma visão negativa da economia e escolheram Donald Trump, com a promessa de que ele resolveria os problemas financeiros do país.