O pacote de medidas anunciado pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad para equilibrar as contas públicas, definitivamente, não agradou a "Faria Lima", bairro de São Paulo que concentra os principais agentes do mercado financeiro brasileiro.
Ao longo dos últimos meses, a "Faria Lima", endossada pela mídia comercial brasileira, fez pressão pesada para que o governo Lula promovesse corte de gastos em áreas essenciais, como saúde e educação, e em benefícios sociais, medidas que afetariam diretamente a população mais pobre. O presidente e sua equipe econômica, entretanto, não cederam a tais pressões e elaboraram um pacote mais equilibrado – gerando uma reação especulativa do mercado que fez o dólar disparar logo após o anúncio de Haddad.
A moeda norte-americana fechou a terça-feira (27), após Haddad ir à rede nacional de rádio e televisão para fazer o anúncio das medidas, vendida a R$ 5,912, a maior cotação da história. O principal anúncio do ministro da Fazenda e que gerou indignação do mercado foi a isenção do Imposto de Renda (IR) para aqueles que recebem até R$ 5 mil por mês, algo histórico e um compromisso de campanha firmado por Lula em 2022. Para ficar isento do IR atualmente, o trabalhador não pode ter renda maior que R$ 2.824. Na prática, esse limite quase dobra, trazendo benefícios diretos aos mais pobres e classe média.
Por outro lado, para suprir os recursos que deixarão de ser captados com a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil, Haddad anunciou que o governo instituir uma alíquota de 10% sobre os rendimentos dos mais ricos. Quem ganha mais de R$ 50 mil mensais será sobretaxado.
A especulação do mercado financeiro, que fez o dólar disparar, é na verdade uma reação, especificamente, à isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil e a taxação daqueles que ganham mais de R$ 50. Além disso, o pacote de Haddad desagradou a "Faria Lima" por não conter cortes profundos em benefícios sociais. As principais demandas do mercado para equilibrar as contas públicas eram a desvinculação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário mínimo e redução dos recursos destinados à educação e saúde, além de cortes em programas sociais.
O pacote apresentado por Fernando Haddad, que ainda será apresentado ao Congresso Nacional, entretanto, promove cortes e capta recursos de outros setores da sociedade. Além da alíquota sobre o salário dos mais ricos, entre as medidas estão ajustes nos regimes de aposentadorias e pensões de militares, fim dos "supersalários" no funcionalismo público e limite para os recursos destinados a emendas parlamentares.
A deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR) utilizou as redes sociais para criticar a reação da "Faria Lima" ao pacote de medidas econômicas apresentado por Haddad.
"Mercado passou semanas exigindo cortes e quando o governo apresenta medidas de esforço fiscal e contenção de despesas, para economizar $70 bi em dois anos, propõe uma reforma da renda socialmente justa e fiscalmente neutra; o que acontece? Mandam o dólar pra lua! É impressionante a especulação contra o Brasil", escreveu a petista.
Reações
Usuários das redes sociais vêm reagindo à especulação com o dólar encampada pelo mercado financeiro após Haddad anunciar isenção no IR para quem ganha até R$ 5 mil e deixar de fora do pacote cortes profundos em benefícios sociais.
Veja:
Confira as principais medidas anunciadas por Haddad
Reforma do imposto de renda: Isenção para quem ganha até R$ 5 mil por mês e aumento da tributação para quem ganha acima de R$ 50 mil mensais.
Aposentadoria dos militares: A proposta acaba com a morte fictícia (que ocorre quando o militar é expulso do exército, mas sua família segue recebendo seu salário), fixa em 3,5% da remuneração a contribuição do militar para o Fundo de Saúde até janeiro de 2026, e extingue a transferência de pensão pós-morte. Além disso, estabelece progressivamente uma idade mínima para a reserva remunerada.
Salário mínimo: De acordo com as novas diretrizes, o valor do salário mínimo será ajustado com base na inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), e será atrelado à regra do arcabouço fiscal, limitando o aumento do salário mínimo em, no máximo, 2,5% ao ano.
Abono salarial: A ideia é estabelecer uma regra de transição para que o benefício atinja menos beneficiários até o ano de 2035, quando apenas quem receber até 1,5 salário mínimo seja beneficiado. A trava proposta para 2025 é que apenas trabalhadores que recebam até 2 salários mínimos recebam o benefício.
BPC: A partir de agora, a renda familiar passará a ser considerada para a obtenção do BPC. A medida também exige a atualização do cadastro do beneficiário no CadÚnico, além do cadastramento biométrico. Por fim, famílias que recebem o Bolsa Família, por exemplo, devem ter o valor contabilizado para a obtenção do BPC e vice-versa.
Supersalários: A proposta é estabelecer um teto salarial para todos os servidores públicos, limitando os ganhos a um valor máximo de R$ 39 mil, equivalente ao salário do presidente da República. A medida visa reduzir disparidades salariais dentro do funcionalismo público e direcionar mais recursos para áreas essenciais, como saúde e educação.
Emendas: A proposta limita o crescimento das emendas impositivas ao arcabouço fiscal e restringe as emendas nas despesas discricionárias do Poder Executivo e veda o crescimento real das emendas não impositivas, garantindo que o montante total das emendas cresça sempre abaixo do arcabouço fiscal. Destina 50% dos valores de emendas de Comissão para o SUS, observados critérios e diretrizes técnicas, e bloqueia emendas proporcionalmente aos bloqueios do Poder Executivo, com limite de 15% do total das emendas, o que corresponde a R$ 7,5 bilhões em 2025.
Educação em tempo integral: Até 20% da complementação da União ao Fundeb poderá ser empregada em ações para criação e manutenção de matrículas em tempo integral na educação básica pública.
Lei Aldir Blanc: Repasse anual de até R$ 3 bi aos entes continua, mas condicionado à execução dos recursos pelos entes no ano anterior.
Subsídios e subvenções: Autorização para ajuste orçamentário em cerca de $ 18 bilhões em subsídios e subvenções e corta a possibilidade de nova desoneração.