Estudos indicam que a maioria dos beneficiários do programa Bolsa Família, que eram dependentes entre 7 e 16 anos no ano de 2005, não estavam mais no Cadastro Único 14 anos depois, em 2019. É importante notar que essas pessoas entraram na faixa etária de 21 a 30 anos nessa época.
Entre aqueles que ainda estavam no Cadastro Único (CadÚnico), registro do governo para famílias de baixa renda, apenas 20% continuavam recebendo o Bolsa Família na vida adulta. Outros 14% estavam no cadastro, mas não recebiam o benefício, indicando que estavam acima da linha de pobreza, mas ainda em risco de recaída.
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Esses dados comprovam que o Bolsa Família não gera dependência financeira para grande parte das famílias beneficiárias. Na verdade, a maioria dos beneficiários consegue encontrar uma “porta de saída” e superar a necessidade do benefício, subindo de classe social.
Um dos exemplos dos chamados “filhos do Bolsa Família” incluídos nessa maioria, é o piauiense Dener Silva Miranda, de 31 anos. Hoje ele é engenheiro de software em uma empresa de Los Angeles, nos Estados Unidos. Além dele, sua irmã Vitória, de 23 anos, cursa Medicina em São Paulo com uma bolsa do Fies, programa de financiamento estudantil do governo federal. Ele lembra que romper o ciclo da pobreza não foi fácil e que o benefício ajudou muito nisso.
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"Na nossa família, o ciclo de pobreza estrutural foi quebrado. Mas não foi fácil. Quando paro para pensar na minha história, sei o quanto de tempo levou para isso acontecer. Não é trivial, de maneira alguma", afirma. A família dos dois irmãos no início dos anos 2000 foi uma das primeiras a receber o Bolsa Escola, que mais tarde se tornou o Bolsa Família.
O programa de transferência de renda, que marcará seu 20º aniversário em outubro deste ano, teve um impacto significativo na vida de muitas famílias brasileiras. Uma pesquisa do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social publicada em abril de 2022 revelou que apenas 1 em cada 5 filhos da primeira geração de beneficiários do programa ainda recebia o Bolsa Família 14 anos depois.
Programa federal ajudou a romper pobreza geracional
O diretor-presidente do IMDS, Paulo Tafner, ressalta a educação e a saúde como fatores primordiais para a saída da pobreza e com o programa ao longo dos anos isso virou realidade. "A taxa de saída do Cadastro Único nos leva a entender que as condicionalidades do programa surtiram efeito, ou seja, a manutenção da criança na escola e os cuidados com sua saúde permitiram que essas crianças acumulassem capital humano que lhes garantisse um emprego formal que lhes tirasse da pobreza”.
Ao mesmo tempo, o diretor-presidente destaca que a pandemia pode ter levado ao risco de serem jogados de volta para a realidade contrária. “Embora um choque como a pandemia possa jogá-los novamente nesta condição". O economista observa que outros fatores também contribuem para o alcance do emprego formal dos filhos do Bolsa Família.
De acordo com ele, a infraestrutura do município tem um impacto significativo na probabilidade das crianças beneficiárias superarem a pobreza. Aquelas que vivem em municípios com infraestrutura de qualidade - incluindo uma boa oferta de escolas, equipamentos públicos como praças, bibliotecas e centros de saúde - têm uma probabilidade muito maior de mobilidade social.
Famílias lideradas por mulheres solteiras tendem a ter um desempenho inferior em comparação com aqueles que vêm de famílias com dois adultos, aponta Tafner. Isso ocorre porque as mães solteiras geralmente têm uma renda mais baixa e enfrentam maiores desafios para encontrar empregos que lhes proporcionem autonomia e a capacidade de investir em seus filhos. "Se há boas pré-condições, que permitam a ascensão dessa criança e, além disso, você amplia as possibilidades de formação superior dela quando jovem adulto”.
Do analfabetismo à universidade
Em entrevista à BBC News, o engenheiro de software conta como a realidade dele e da irmã é díspar em relação aos avós e aos pais. "Dos meus avós, só um foi alfabetizado. Minha mãe estudou até a quarta série e meu pai nunca concluiu o ensino médio".
"Eles foram naquela última grande leva de imigrantes nordestinos – minha mãe, aos 15 anos, para ser empregada doméstica. E meu pai um pouco mais tarde, aos 18 anos, e foi lixeiro, porteiro, mecânico e operário industrial, mas sempre com vontade de voltar ao Nordeste", conta Dener.
Após uma tentativa inicial que não deu certo, os pais de Dener, Luzinete e Francisco, decidiram se estabelecer em Parnaíba, no Piauí, no final dos anos 1990. Luzinete encontrou trabalho como cabeleireira, enquanto Francisco se tornou mecânico de motos. "Minha mãe cortava cabelo e cobrava R$ 2 por corte, mas tinha dia que cortava três, quatro cabelos, e tinha dia que não cortava nenhum, então não tinha uma estabilidade de renda", lembra o filho do casal.
Uma estabilidade
O Bolsa Escola foi criado durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O benefício, pago por criança entre 6 e 15 anos (até um máximo de R$ 45), era destinado às famílias com renda abaixo de R$ 90 por pessoa. A contrapartida era a manutenção das crianças na escola. Dener recorda que em 2001 recebia o Bolsa Escola. “Foi em 2001 que começamos a receber o Bolsa Escola, um benefício que na época era de R$ 15”.
No início do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no ano de 2003, a família passou a receber o Bolsa Família. “Foi uma mudança significativa para nós”, comenta. "O Bolsa Família deu para a nossa família, naquele tempo, uma estabilidade, pelo menos para o básico do básico. Não salvava o mundo, obviamente, mas você sabia que tinha aquilo ali, que você ia receber e ir mantendo as coisas girando".
Ao mesmo tempo, Dener lembra que nessa época recebeu uma bolsa parcial para estudar em uma escola privada, mas não havia dinheiro para o lanche. "Eu ficava com vergonha, e minha mãe usava o dinheiro do Bolsa Família para pagar parte da mensalidade da escola. Acho que era R$ 50 à época, mas eu sentia que esse dinheiro fazia falta".
‘A virada’
Depois de 2007, a vida começou a melhorar. "Recebemos o Bolsa Família até 2006 ou 2007, daí o Brasil começou a dar aquela melhora econômica, a atividade aqui em Parnaíba melhorou bastante e meus pais começaram a melhorar de vida".
De acordo com Dener, a “grande virada” para sua família ocorreu quando seu pai se tornou professor de mecânica de motos através do Pronatec. O programa, criado durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT), tem como objetivo estimular o ensino técnico.
Ele embarcou em uma jornada educacional que o levou a estudar em uma escola técnica estadual em 2007. Posteriormente, com a inauguração do Instituto Federal do Piauí em Parnaíba, ele teve a oportunidade de continuar seus estudos lá como aluno e bolsista. Esta experiência proporcionou a Dener acesso a professores de programação altamente qualificados, muitos dos quais possuíam mestrado e doutorado.
As barreiras familiares foram quebradas quando Dener foi o primeiro membro de sua família a frequentar a faculdade. Ele escolheu estudar Ciência da Computação na Universidade Federal do Ceará (UFC), uma decisão que abriu um mundo de oportunidades para ele. Além disso, Dener teve a chance única de ser bolsista no exterior através do programa Ciência sem Fronteiras.
O filho de Luzinete e Francisco reforça: “a transformação social e a saída da pobreza crônica exigem investimento em educação, em infraestrutura, em várias áreas”.
*Com informações de BBC News Brasil