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Nath Finanças: "Educação financeira não é apenas investimento, mas também emancipação"

Perseguida pelo governo Bolsonaro e atualmente membra do Conselhão do Lula, a jovem economista se tornou popular nas redes ao falar sobre finanças com discurso ágil e voltado para as classes populares

Nath Finanças: "Educação financeira não é apenas investimento, mas também emancipação".Créditos: Divulgação
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Nos últimos anos tornou-se comum abrir as redes sociais e se deparar com perfis que oferecem dicas e lições de como investir o dinheiro. No entanto, geralmente o conteúdo oferecido por tais avatares são destinados às classes mais ricas, que contam com volumosas sobras de dinheiro para guardar e investir. 

Além disso, há outro fator comum entre esses perfis que buscam ensinar como investir o dinheiro: a maioria são compostos por homens brancos e heterossexuais. Aliás, tal característica é o tradicional rosto do campo da economia. 

Porém, nos últimos anos uma jovem tem quebrado essa aparência sisuda, máscula e heterossexual da economia: Nathália Rodrigues, popularmente conhecida como Nath Finanças, jovem carioca de 24 anos e especialista em finanças que ajuda milhares de brasileiros a saírem das dívidas e organizar o seu dinheiro. 

Na entrevista exclusiva que você confere a seguir, Nath Finanças conversa com a Fórum sobre variados assuntos em torno do mundo da economia e claro, educação financeira, que é a sua especialidade. 

Além disso, Nath Finanças também falou sobre a experiência de compor o Conselhão do presidente Lula – fórum que reúne especialistas de variadas áreas e que, como indica o nome, oferecem sugestões à gestão federal.

Confira a seguir a íntegra da entrevista com Nath Finanças. 


Fórum - Gostaria que você falasse um pouco da construção do seu projeto, o Nath Finanças. 

Nath Finanças - Minha história com finanças começou em 2018, quando estava na faculdade de administração. Sou formada em administração de empresas, com especialização em finanças.

Nunca recebi educação financeira em casa. Foi somente quando tive um professor de matemática financeira na universidade que aprendi de forma didática e incrível como organizar não apenas os negócios em administração, mas também minha vida financeira.

A partir desse momento, comecei a ficar depois das aulas com o professor para aprender mais. Fiz cursos, estudei o assunto e pesquisei na internet. Encontrei pessoas falando sobre finanças, mas senti falta de alguém que compartilhasse a realidade do dia a dia, alguém que fosse estagiário, bolsista, trabalhador assalariado, uma pessoa que ganhasse um salário mínimo e enfrentasse dificuldades para economizar mil ou quinhentos reais. 

Quando vi essas pessoas, eu pensei: "caraca, os assuntos são importantes, mas eu não estou entendendo nada". Sentia-me mal por não entender essas questões. A linguagem usada nos livros e recomendações era difícil de entender. Era necessário traduzir esses termos financeiros. Foi a partir dali que eu comecei a estudar ainda mais. No final de 2018, escrevi meu projeto chamado Nath Finanças, definindo o público-alvo que eu queria alcançar. Postei no Twitter, dizendo que queria criar um canal de educação financeira para pessoas de baixa renda, assim como eu, que estavam trabalhando e enfrentando desafios.

Recebi apoio de amigos, mas também de pessoas que nunca havia conhecido. Defini o público-alvo e a linguagem que eu gostaria de usar para traduzir conceitos econômicos e financeiros, esse economês para as pessoas. Decidi criar vídeos na área de finanças a partir de 31 de janeiro de 2019.

A partir desse momento, comecei a gravar vídeos e postá-los semanalmente, sempre que possível. Mesmo trabalhando longe e estudando, fazia vídeos até de madrugada. Essa foi minha rotina durante três anos.

Percebi que era isso que eu queria fazer, pois me apaixonei pelo mundo das finanças graças ao meu professor. Foi graças à educação e ao fato de não me sentir representada pelas pessoas que falavam sobre o assunto que decidi compartilhar meus conhecimentos.

 

Eu sabia que existiam pessoas como eu, que estavam trabalhando como bolsistas, ganhando pouco, e que aprenderam sobre finanças de uma forma mais acessível. Não queria ser como os economistas tradicionais de terno, falando sobre finanças de uma maneira inacessível. 


 


Fórum - O mundo das finanças, da administração, da economia é historicamente dominado por homens brancos e heterossexuais. Você é uma jovem mulher e negra. Pergunto: a sua opinião já foi desqualificada pelos fatores de gênero e de raça? 

Nath Finanças: Acredito que as barreiras e desafios no mercado financeiro não estão apenas relacionados a gênero e raça, mas também à idade. Quando comecei a estudar sobre finanças e a me tornar conhecida na internet, enfrentei questionamentos por ser vista como uma jovem de vinte anos ensinando sobre o assunto. No entanto, a maioria do meu público é composta por pessoas mais velhas, entre vinte e cinco e trinta e quatro anos.

Passei por situações em que fui desacreditada por não ter vivido determinados eventos históricos, como a época do confisco da poupança durante o governo Collor (1990-92) ou períodos de hiperinflação em que eu não havia nascido. As pessoas questionavam minha credibilidade, dizendo que eu não estava presente naquelas situações. Aí a gente tem que falar: "eu também não estava na época da guerra, você também não estava na épóca da Primeira Guerra Mundial", a gente sabe sobre essas histórias porque existem pessoas que contam a história.

Infelizmente, isso acontece com o objetivo de descredibilizar o que eu falo. Percebo que essa situação não ocorre com outras pessoas que falam sobre finanças.

 

Ninguém questiona um homem branco sobre as dificuldades que ele enfrenta no mercado financeiro ou tenta tirar sua credibilidade nesse assunto. É algo que devemos refletir.

 

No relatório da ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) sobre os dez maiores influenciadores de finanças, por exemplo, apenas duas são mulheres, sendo eu sou a única mulher negra.

Mais do que nunca, estamos conquistando espaço, especialmente as mulheres. Estava apenas eu e a Nathalia Arcuri nesse espaço, e ela está há mais tempo do que eu. Cheguei recentemente, há quatro anos. Sofri questões racistas, tentativas de minar minha credibilidade por ser mulher e ataques misóginos, e até mesmo homofóbicos por ser bissexual. No entanto, graças à terapia, essas questões não me afetam mais. A terapia foi fundamental para lidar com as crueldades da internet, pois as pessoas acham que podem atacar impunemente.

Continuo firme, porque encontro pessoalmente meu público, que é predominantemente composto por mulheres e pessoas negras. Sei com quem estou falando. É com esse público que me preocupo. A educação financeira não se trata apenas de investimentos, mas também de emancipação. É entender de forma saudável nossa relação com o dinheiro.


 

Fórum - Você tem um livro em parceria com o Ziraldo que é voltado para educação financeira de crianças e adolescentes. Tem um debate sobre essa questão que ganhou muita força nos últimos anos: o ensino de finanças no ensino fundamental. Gostaria que você falasse sobre isso, tanto no espaço das escolas quanto em casa. 

Nath Finanças - Lancei uma coleção de cinco livros em parceria com Ziraldo sobre educação financeira para crianças, abrangendo idades desde os sete anos até a adolescência. Para garantir ainda mais qualidade, conto com o acompanhamento de pedagogos e profissionais da área de educação, pois embora eu tenha escrito os livros, é fundamental contar com especialistas para trazer uma abordagem didática e adequada ao público infantil. Falar com adultos é diferente de falar com crianças, e é necessário fornecer mais exemplos e uma didática ainda melhor.

 

Defendo a importância de a educação financeira ser discutida tanto em casa quanto nas escolas. No entanto, não acredito que deva ser apenas uma disciplina obrigatória, deixando os professores de matemática lidarem com isso sozinhos. Às vezes, esses professores não têm conhecimento sobre educação financeira, pois também não tiveram acesso a essa formação.

 

Recomendo que a educação financeira seja abordada de forma transversal, ou seja, integrada às demais disciplinas. Não é necessário substituir uma disciplina por outra. Não concordo em tirar matérias importantes como filosofia, sociologia ou história para colocar a educação financeira. Não se trata de acumular funções para os professores, mas sim de capacitá-los e treiná-los nesse assunto, que muitas vezes não fazia parte de sua formação. A educação financeira deve ser trazida para a escola de forma transversal, por meio de palestras e da colaboração de professores especializados na área, evitando impor uma disciplina obrigatória que pode sobrecarregar os alunos, especialmente considerando que muitos deles já têm dificuldades com matemática. 


Fórum - No começo do ano a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) soltou um dado preocupante: 43% das famílias estão endividadas, mas 70% têm algum tipo de dívida. Como você recebe esse número? Quais caminhos para reverter esse quadro? 

Nath Finanças - Há cerca de dois anos, foi publicado um dado sobre o tipo de dívidas que as pessoas possuem [pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Comércio]. A maioria das dívidas está relacionada a cartões de crédito, financiamentos e carnês. No ano passado [2022], conduzi uma pesquisa em parceria com a Opinião Box sobre o comportamento financeiro das classes C, D e E.

Nessa pesquisa, assim como na pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, descobrimos que a principal causa do endividamento das pessoas é o desemprego. Se uma pessoa não tem emprego, fica difícil honrar suas dívidas e pagar suas contas.

O segundo ponto é a redução salarial, que foi especialmente observada durante a pandemia. Muitas pessoas tiveram seus salários reduzidos e não conseguiram manter o padrão de vida ao qual estavam acostumadas.
 

Por último, a falta de organização financeira também é um fator importante. No entanto, é importante ressaltar que a falta de organização financeira não é a única causa do endividamento. As pessoas de baixa renda já são experientes em se virar com um salário mínimo e fazem malabarismos para cuidar das finanças domésticas.

 

Existem outros fatores que contribuem para o endividamento, como o limite excessivo do cartão de crédito estabelecido pelo banco, a inclusão do cheque especial em uma conta corrente sem aviso prévio ao cliente e os juros abusivos no país, que chegam a mais de 300% ao ano. O sistema de juros rotativos também coloca as pessoas em uma bola de neve, tornando difícil para elas saírem dessa situação, mesmo quando estão pagando as contas e tentando quitar as dívidas. Portanto, é importante compreender que o endividamento não é apenas resultado da falta de educação financeira ou da falta de organização financeira das pessoas.
 

Fórum - Você tocou em um ponto importante: a questão dos juros. Como você tem acompanhado essa tensão entre o governo federal e o Banco Central (BC) no que diz respeito a baixar a taxa Selic?  

Nath Finanças - Um ponto importante é que uma taxa Selic alta prejudica o consumidor: os empréstimos ficam mais caros, dificultando a compra de uma casa própria e o acesso a crédito mais caro, o que, por consequência, afeta a economia e o consumo.

O COPOM, que é o Comitê de Política Monetária, realiza reuniões a cada quarenta e cinco dias para decidir se mantém essa taxa de juros elevada. Eles utilizam a taxa Selic alta como uma forma de controlar a inflação. No entanto, a inflação não está como estava há um ano, um ano e meio atrás, então é necessário analisar essa situação. No momento, a taxa de juros está muito alta e afeta diretamente o consumidor. O Banco Central precisa considerar isso. 


Fórum - Qual é a sua opinião sobre a autonomia do Banco Central? 

Nath Finanças - A pergunta é polêmica e existem opiniões divergentes sobre o assunto. Há pessoas que não concordam com a independência do Banco Central e há várias questões envolvidas, como a taxa Selic. No entanto, há pessoas que concordam com a autonomia do Banco Central, pois imaginam que se cada político tomasse a decisão de como nosso país seria a cada quatro anos, baseado em seus próprios interesses e conflitos, isso seria problemático.

Por exemplo, se um político quisesse reduzir a taxa de juros próximo das eleições, sabendo que as pessoas estariam mais propensas a consumir, ele poderia interferir no Banco Central para conseguir essa redução. Mas a economia não funciona dessa forma. A FGV (Fundação Getúlio Vargas) e o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) realizam estudos sobre a inflação e outros índices, como o IGPM (Índice Geral de Preços do Mercado), que são importantes para o mercado financeiro e para nossa economia.

Não é simplesmente uma questão de "mexer os pauzinhos" e fazer mudanças imediatas. Isso prejudicaria nosso país. Imagine se colocássemos pessoas no poder que não sabem governar e agissem por interesses próprios, em vez do bem do país. É por isso que a autonomia do Banco Central é importante. Ele é o banco dos bancos, responsável pela fiscalização e emissão de papel moeda, além de controlar a inflação. Ele desempenha um papel crucial, além de evitar decisões políticas que não beneficiem a população e o país.

 

Não estou dizendo que não precisamos de um Estado. O Estado é importante. A autonomia do Banco Central, na minha visão, é relevante para evitar conflitos de interesses e garantir que nossa economia não seja alterada a cada quatro anos por decisões políticas que não favoreçam a população e o país.

 



Fórum - Você compõe o Conselhão do Lula. Gostaria de saber qual é a sua expectativa com essa experiência, como foi a primeira reunião e gostaria de saber, em um tom mais pessoal, como você se sente ao fazer parte do Conselho? 

Nath Finanças - Quando recebi o convite por indicação, a princípio pensei que fosse mentira. Recebi a mensagem e fiquei pensando: "Como assim?". É um bom começo para nós, que somos formados e temos nossas especializações. É gratificante sentir-se representado no Conselhão, mesmo sendo um trabalho voluntário, sem receber remuneração.

Sim, são mais de duzentas e quarenta e duas pessoas presentes, entre empresários e ativistas de diversas áreas e segmentos. Na minha área, a financeira, lidando com finanças que afetam diretamente nossa economia, é muito bom poder falar e ser ouvida.

Lembro que há dois anos fui incluída em uma lista que o governo pagou mais de um milhão de reais, a lista dos “detratores da pátria”. Fui perseguida e ameaçada por bolsonaristas, pois o governo pagou essa lista para nos monitorar.

Lembre-se que o Paulo Guedes queria criar um “coronavoucher” de R$ 200 e eu argumentei que era importante ter um auxílio emergencial antes disso. 

 

Então, ele não concordou e estava me monitorando. Pegaram minha postagem, colocaram nessa lista e me rotularam como “detratora e traidora da pátria” por discordar de uma decisão política do ministro da economia. Fui atacada, ameaçada, tiveram acesso ao meu endereço e passei por momentos de terror. Estava no meio de uma pandemia, com medo de morrer, pois as mortes estavam aumentando a cada dia.

 


Hoje, pelo menos, posso fazer críticas, expressar minha opinião, elogiar um bom trabalho ou expressar minha desaprovação como cidadã, sem medo de ser atacada, sem medo de receber ameaças do governo. Isso traz um alívio, posso respirar e expor minha opinião de forma independente, seja discordando, como aconteceu com a taxa da Shein, na qual discordei completamente. Não fui lá e disse: "O governo está certo". Discordei e disse que essa é uma medida impopular que prejudicará uma parte da população. Temos outras soluções, como a reforma tributária, tributar aqueles que não estão sendo tributados, como helicópteros, iates e coisas do tipo. Falei sobre isso e expressei minha discordância. 

É bom poder discordar, expressar o que concordo e o que não concordo, representando a população que escolhi falar sobre: educação financeira para professores de baixa renda e a importância do MEI. É importante representar essa parcela da população, que é a maioria, esses trabalhadores. Estou muito feliz por poder ser ouvida.


Fórum - Se o presidente Lula chegasse para você e te pedisse para sugerir três ações prioritárias, quais seriam? 

Nath Finanças - Primeiramente, é essencial dar continuidade ao programa Desenrola Brasil. Esse programa será fundamental para pessoas de baixa renda que possuem dívidas de até cinco mil reais. Vai ajudá-las a quitar essas dívidas, que podem ser de cartão de crédito, empréstimos ou contas bancárias, unificando todas em uma única dívida. Isso é muito importante para fortalecer e incentivar empresas a negociarem as dívidas dessas pessoas, beneficiando tanto as empresas quanto os bancos e outras instituições.

Outro ponto que considero extremamente importante para a população de baixa renda são os estudantes endividados com o FIES. Muitos estudantes, principalmente os de baixa renda, saem formados com uma dívida enorme. É necessário buscar formas dessas pessoas conseguirem quitar essas dívidas, reduzindo as taxas de juros e negociando com as instituições financeiras e de ensino. Criar um mecanismo semelhante ao Desenrola Brasil seria muito relevante. Essa é a primeira sugestão: dar continuidade a esse projeto que já está em andamento no programa.

Por último, mas não menos importante, é importante promover a educação financeira tanto em casa quanto nas escolas, de forma transversal.

Essas são três sugestões desafiadoras para o presidente e o governo implementarem gradualmente. Acredito que podemos alcançar esses objetivos, mesmo que seja um processo gradual ao longo de muitos anos, não em apenas uma semana, um mês ou um ano. Mas eu vejo que a gente vai conseguir realizar.