A discussão sobre uma economia alternativa e substituta ao modo de produção capitalista não é novo no campo da esquerda e há décadas que o debate da Economia Solidária é travado e aplicado no chamado campo socialista.
Mas, segundo a Cooperativa Central de Apoio ao Sistema de Economia Solidária (ECOSOL), a economia solidária dá um salto considerável a partir a partir da consolidação do Fórum Social Mundial (FSM) e passa a ser discutida e aplicada em várias regiões do mundo.
Dessa maneira, a economia solidária pode ser definida com um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver e, principalmente, fora da lógica capitalista de explorar o outro e sem destruir o ambiente. Um dos lemas da economia solidária é "cooperando, fortalecendo o grupo, cada um pensando no bem de todos e no próprio bem".
É partir dessa lógica que uma série de pessoas e grupos, a partir da ascensão das redes sociais - que pode ser um uma plataforma aliada para esse tipo de negócio -, mas também como resposta à crise econômica e, em alguns casos, uma saída para a situação de desemprego, tem aplicado a ideia da economia solidária e fortalecendo o laço e parceria entre os empreendedores do campo da esquerda.
Esquerda compra da Esquerda
Idealizado há dois anos pela artista plástica Erica Caminha, a plataforma Esquerda compra da Esquerda surge como uma iniciativa gratuita de divulgação de produtos, serviços e conteúdos nas redes.
À Fórum, Erica Caminha relata um pouco da história da plataforma e o seu contexto de criação. "Era início da pandemia e eu acredito que o sucesso do grupo se deu em relação a grave crise econômica e da pandemia, porque estava todo mundo em casa buscando uma forma de vender sem poder ter os meios normais e na minha percepção o contexto adiantou as vendas online e isso não tem mais volta", diz Caminha.
Para Erica, a pandemia e a crise econômica aceleraram o processo de comercialização pelas redes. "Quem não fazia venda online, agora faz, inclusive senhorinhas, nós temos muitas senhoras com 60 e 70 anos que não tinham contato com a internet, fora o Facebook, mas se aprimoraram para vender nas redes”, revela.
"No começo as pessoas não queriam se identificar com a esquerda, as pessoas não queriam se expor como esquerda com medo de perder cliente. De um ano para cá ninguém liga mais, é impressionante", relata Erica Caminha idealizadora do Esquerda Compra da Esquerda.
Entre os dias 15 e 16, a ECDE vai realizar uma feira cujo mote é "Território livre de bolsominions".
Bonecos do Lula contra a crise econômica
Após ser demitida, a ex-funcionária pública Laura Abreu investiu na produção artesanal como forma de obter renda diante da crise.
"Como fui demitida entre aspas por 'justa causa' porque eu reivindiquei melhores condições de trabalho na pandemia, porque eu reivindiquei vacina, reivindiquei dissídio, fui perseguida lá no meu trabalho. E como eu era funcionária pública saí com uma mão na frente e outra atrás. Aí fiquei muito revoltada com essa injustiça, esse autoritarismo… eles tentaram me calar… E aí eu falei: o que eu posso fazer agora para ganhar dinheiro?", relata Laura à Fórum.
"E como eu já fazia artesanato, mas assim de uma forma mais descompromissada, meio que um hobby, mas meio que um complemento de renda também, achei que era a forma mais rápida de ter uma renda", diz Laura.
Um dos produtos em destaque de Laura é o boneco do Lula, o qual ela ensina a fazer a partir de um curso online. "A ideia de fazer o bonequinho do Lula especificamente acho que veio mesmo dessa vontade de mudar o país, dessa mudança urgente, que já está demorando muito, porque não dá mais pra aguentar esse governo fascista que está aí, e esse monte de gente que saiu do armário, essa gente horrorosa que se empoderou por conta do Bolsonaro", conta Laura.
Dessa maneira, Laura conta que criou boneco e broche do Lula e desenvolveu um curso onde ensina “as pessoas a fazerem ambos. O curso está na plataforma Hotmart e é uma oportunidade de renda para pessoas que como eu estão desempregadas; é também uma forma de engajamento na campanha do Lula 2022. Digo que esse curso é meu grito de resistência e que ‘fascistas não passarão!".
Confeitaria antifascista
A Confeitaria Antifascista não surge com um plano para se tornar um negócio, mas, segundo relato de Daniela da Silva à Fórum, as bolachas antifascistas viralizaram e a receita familiar conquistou o Brasil.
"A Confeitaria começou de uma forma bem singela, ela não tinha um grande plano de criar um negócio, mas o que houve foi o seguinte: começaram a surgir alguns grupos de apoio entre pessoas empreendedoras de esquerda. A minha tia que é confeiteira, fazia bolos decorados e ela estava nesses grupos e sempre mostrava os bolos dela lá e em algum momento a minha tia disse, 'poxa vida, nunca ninguém curte os meus bolos', ela estava no grupo da esquerda, mas não via muito engajamento nos posts que ela fazia e eu comecei a falar pra ela, 'Mia, é que você está postando esses bolos de chá de revelação nos grupos da esquerda, isso não tem nada a ver, você tem que colocar um bolo do Lula, bora fazer um bolo do Lula", conta Daniela.
"A minha tia fez um bolo do Lula com a cara do Lula, é o bolo que a gente vende até hoje, a intenção era vender bolo do Lula para os companheiros da esquerda [...] no Dia das Mães eu combinei com a minha tia, 'vamos fazer brigadeiros com mensagens feministas', aí fizemos 'Lute como uma mãe', 'Sou mãe e sou fora, Bolsonaro', e os brigadeiros fizeram muito sucesso e nós percebemos que havia um nicho", revela.
Após o sucesso do “Bolo do Lula” e dos “Brigadeiros Feministas”, Daniela relata que surgiu a ideia dos biscoitos antifascistas.
"Cada biscoito tinha uma letrinha que escrevia 'Fora, Bolsonaro'. Esse biscoito viralizou nas redes, acho que era uma ideia que estava pairando, pois, várias pessoas fizeram ao mesmo tempo. Depois nós criamos os biscoitos 'Delírios Comunistas', na esteira da fala da atriz Juliana Paes. Aí nós criamos uma lata de biscoito que se chama 'Delírios Comunistas', que é uma série de agendas, cada biscoito tem uma palavrinha que são as coisas mais básicas da sobrevivência humana, mas tem essa ironia que a gente chama de delírio comunista. Essa lata também viralizou e a gente passou a vender biscoito ‘Delírios Comunistas para o Brasil inteiro e foi assim que, o que era um projeto familiar, virou uma confeitaria", comemora Daniela.
Daniela também relata que, para além do sucesso do produto e, consequentemente, econômico, tal processo foi muito importante para as suas tias e para ela, pois, acredita que, mais do que o comércio puro e simples há "um movimento cultural da esquerda no Brasil, de tirá-la daquele lugar mais intelectual e construir uma narrativa mais pop, das pessoas terem orgulho, de quererem vestir a camisa, e isso é muito importante para a minha mãe e para as minhas tias que têm militância de esquerda, mas fazer parte de um movimento expandido, nacional, com um monte gente dizendo 'estamos juntos' tem sido muito importante para elas".