Assassinatos, mutilações, sequestros, recrutamento forçado, violência sexual, ataques a escolas e hospitais e impedimento de ajuda humanitária compõem a lista de crimes cometidos por exércitos e grupos armados contra crianças ao longo de 2024.
Esses dados estarrecedores estão no mais recente relatório anual do Secretário-Geral da ONU sobre Crianças e Conflitos Armados, divulgado no último dia 17 e revela um cenário dramático: 30.705 violações graves contra crianças foram verificadas no ano passado em zonas de guerra em todo o mundo.
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No topo da lista de países com maiores índices de violações estão Sudão, Israel e Palestina, Mianmar, Ucrânia, Nigéria e República Democrática do Congo. Só no Sudão, mais de 3 mil crimes contra menores foram confirmados — incluindo casos de estupro, recrutamento infantil e ataques a escolas.
O relatório também marca a entrada de Israel e do grupo Hamas na “lista da vergonha” da ONU, com base em milhares de mortes e mutilações infantis na Faixa de Gaza e em Israel.
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De acordo com os dados verificados, pelo menos 2.267 crianças palestinas morreram e mais de 2 mil ficaram feridas em 2024. Do lado israelense, 126 crianças foram mortas, a maioria no ataque de 7 de outubro realizado pelo Hamas.
Dados não incluem o atual conflito entre Irã e Israel
Apesar da gravidade do relatório, há uma importante limitação temporal: os dados se referem ao ano de 2024 e não incluem os impactos do atual confronto direto entre Irã e Israel, que se intensificou desde o dia 13 deste mês, após uma troca inédita de ataques aéreos e mísseis entre os dois países.
Até o momento, não há números oficiais consolidados sobre o impacto desse conflito nas crianças, mas estimativas preliminares divulgadas por ONGs e agências humanitárias apontam para dezenas de mortes infantis nas áreas atingidas por bombardeios — tanto no território israelense quanto em regiões da Síria e do Líbano, onde o Irã mantém aliados como o Hezbollah.
A organização Save the Children, por exemplo, declarou que há “sérios indícios de que crianças foram mortas ou feridas nos primeiros dias da escalada”, sobretudo nas regiões do sul do Líbano e da Faixa de Gaza que sofreram retaliações indiretas. No entanto, a falta de acesso seguro e o alto risco de ataques dificultam a confirmação precisa dos números.
“Plano de exploração em massa”, alerta ONU
Entre os dados de 2024 já confirmados, o relatório registra:
- 8.994 crianças mortas ou mutiladas
- 6.469 casos de recrutamento infantil
- 2.264 sequestros
- 1.470 vítimas de violência sexual
- 4.356 ataques a escolas e hospitais
- 1.650 obstruções à ajuda humanitária
O especialista da ONU, Aras Nazarovas, descreveu a situação como “um plano detalhado para exploração em massa de perfis e identidades infantis”, destacando que muitas das violações são sistemáticas e ocorrem com uso de novas tecnologias e redes sociais para recrutamento.
Mianmar, Sudão e a nova geração de crianças-soldado
O relatório chama atenção ainda para o uso crescente de crianças como soldados por grupos armados em Mianmar e Sudão. No primeiro, foram 1.177 casos de recrutamento forçado, em sua maioria por milícias associadas à junta militar. No Sudão, as Forças de Apoio Rápido (RSF), acusadas de crimes de guerra, são responsáveis por mais de mil casos confirmados.
Caso do Brasil
Embora o Brasil não esteja entre os países monitorados diretamente pelo relatório de Crianças e Conflitos Armados da ONU, a organização faz um alerta contundente sobre a crescente ameaça representada pelo uso de plataformas digitais para o aliciamento e exploração de crianças — um problema que ultrapassa os limites das zonas de guerra e atinge também países em contexto de paz.
De acordo com o relatório, grupos armados, milícias, redes de tráfico humano e até organizações terroristas vêm se utilizando de redes sociais, jogos online, aplicativos de mensagens e fóruns da internet para identificar, manipular e recrutar crianças para diferentes fins: desde o recrutamento virtual para conflitos armados e propaganda extremista até a exploração sexual, trabalho forçado e golpes financeiros.
A ONU ressalta que esse tipo de aliciamento é facilitado pela ausência de regulação eficaz das big techs, pela falta de supervisão parental adequada e por políticas públicas insuficientes de cibersegurança voltadas à infância e juventude.
Riscos digitais incluem aliciamento, assédio e recrutamento ideológico
Entre os riscos mapeados estão:
- O recrutamento de crianças por grupos extremistas (inclusive com base religiosa ou política), via mensagens privadas e fóruns fechados.
- A sexualização precoce e o abuso infantil em redes sociais com falhas nos mecanismos de denúncia.
- A exposição de crianças a conteúdos violentos, que podem ser usados para insensibilizá-las e naturalizar práticas armadas.
- A exploração de dados pessoais, que viabiliza extorsão, fraudes e sequestro de identidade digital.
A ONU chama a atenção para o fato de que, em países como o Brasil, onde há grande capilaridade digital e desigualdade social, crianças de comunidades vulneráveis estão mais expostas a esse tipo de risco, sobretudo quando o acesso à internet é feito sem mediação ou em ambientes públicos e inseguros.
Recomendações da ONU para países como o Brasil:
- Adotar políticas de alfabetização digital crítica desde a infância, com foco em segurança e ética online.
- Criar mecanismos de denúncia acessíveis e eficazes para crianças vítimas de crimes virtuais.
- Exigir que plataformas digitais atuem com mais transparência e responsabilidade, inclusive no uso de algoritmos e coleta de dados.
- Promover ações intersetoriais entre escolas, famílias, conselhos tutelares e setor tecnológico para prevenção e resposta a crimes virtuais.
- Reforçar a legislação penal e protetiva, adaptando-a às novas modalidades de violência e recrutamento digital.
Acesse aqui o relatório completo (em inglês)