INFÂNCIA AMEAÇADA

ONU denuncia recorde de crimes contra crianças em guerras em 2024

Com mais de 30 mil violações documentadas, relatório aponta Israel, Sudão, Mianmar e Ucrânia entre os piores contextos; levantamento foi fechado antes da escalada recente no Oriente Médio

Com mais de 30 mil violações documentadas, relatório aponta Israel, Sudão, Mianmar e Ucrânia entre os piores contextos; levantamento foi fechado antes da escalada recente no Oriente Médio
ONU denuncia recorde de crimes contra crianças em guerras em 2024.Com mais de 30 mil violações documentadas, relatório aponta Israel, Sudão, Mianmar e Ucrânia entre os piores contextos; levantamento foi fechado antes da escalada recente no Oriente MédioCréditos: Unicef (Giovanni Diffidenti)
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Assassinatos, mutilações, sequestros, recrutamento forçado, violência sexual, ataques a escolas e hospitais e impedimento de ajuda humanitária compõem a lista de crimes cometidos por exércitos e grupos armados contra crianças ao longo de 2024.

Esses dados estarrecedores estão no mais recente relatório anual do Secretário-Geral da ONU sobre Crianças e Conflitos Armados, divulgado no último dia 17 e revela um cenário dramático: 30.705 violações graves contra crianças foram verificadas no ano passado em zonas de guerra em todo o mundo.

No topo da lista de países com maiores índices de violações estão Sudão, Israel e Palestina, Mianmar, Ucrânia, Nigéria e República Democrática do Congo. Só no Sudão, mais de 3 mil crimes contra menores foram confirmados — incluindo casos de estupro, recrutamento infantil e ataques a escolas.

O relatório também marca a entrada de Israel e do grupo Hamas na “lista da vergonha” da ONU, com base em milhares de mortes e mutilações infantis na Faixa de Gaza e em Israel. 

De acordo com os dados verificados, pelo menos 2.267 crianças palestinas morreram e mais de 2 mil ficaram feridas em 2024. Do lado israelense, 126 crianças foram mortas, a maioria no ataque de 7 de outubro realizado pelo Hamas.

Dados não incluem o atual conflito entre Irã e Israel

Apesar da gravidade do relatório, há uma importante limitação temporal: os dados se referem ao ano de 2024 e não incluem os impactos do atual confronto direto entre Irã e Israel, que se intensificou desde o dia 13 deste mês, após uma troca inédita de ataques aéreos e mísseis entre os dois países.

Até o momento, não há números oficiais consolidados sobre o impacto desse conflito nas crianças, mas estimativas preliminares divulgadas por ONGs e agências humanitárias apontam para dezenas de mortes infantis nas áreas atingidas por bombardeios — tanto no território israelense quanto em regiões da Síria e do Líbano, onde o Irã mantém aliados como o Hezbollah.

A organização Save the Children, por exemplo, declarou que há “sérios indícios de que crianças foram mortas ou feridas nos primeiros dias da escalada”, sobretudo nas regiões do sul do Líbano e da Faixa de Gaza que sofreram retaliações indiretas. No entanto, a falta de acesso seguro e o alto risco de ataques dificultam a confirmação precisa dos números.

“Plano de exploração em massa”, alerta ONU

Entre os dados de 2024 já confirmados, o relatório registra:

  • 8.994 crianças mortas ou mutiladas
     
  • 6.469 casos de recrutamento infantil
     
  • 2.264 sequestros
     
  • 1.470 vítimas de violência sexual
     
  • 4.356 ataques a escolas e hospitais
     
  • 1.650 obstruções à ajuda humanitária

O especialista da ONU, Aras Nazarovas, descreveu a situação como “um plano detalhado para exploração em massa de perfis e identidades infantis”, destacando que muitas das violações são sistemáticas e ocorrem com uso de novas tecnologias e redes sociais para recrutamento.

Mianmar, Sudão e a nova geração de crianças-soldado

O relatório chama atenção ainda para o uso crescente de crianças como soldados por grupos armados em Mianmar e Sudão. No primeiro, foram 1.177 casos de recrutamento forçado, em sua maioria por milícias associadas à junta militar. No Sudão, as Forças de Apoio Rápido (RSF), acusadas de crimes de guerra, são responsáveis por mais de mil casos confirmados.

Caso do Brasil

Embora o Brasil não esteja entre os países monitorados diretamente pelo relatório de Crianças e Conflitos Armados da ONU, a organização faz um alerta contundente sobre a crescente ameaça representada pelo uso de plataformas digitais para o aliciamento e exploração de crianças — um problema que ultrapassa os limites das zonas de guerra e atinge também países em contexto de paz.

De acordo com o relatório, grupos armados, milícias, redes de tráfico humano e até organizações terroristas vêm se utilizando de redes sociais, jogos online, aplicativos de mensagens e fóruns da internet para identificar, manipular e recrutar crianças para diferentes fins: desde o recrutamento virtual para conflitos armados e propaganda extremista até a exploração sexual, trabalho forçado e golpes financeiros.

A ONU ressalta que esse tipo de aliciamento é facilitado pela ausência de regulação eficaz das big techs, pela falta de supervisão parental adequada e por políticas públicas insuficientes de cibersegurança voltadas à infância e juventude.

Riscos digitais incluem aliciamento, assédio e recrutamento ideológico

Entre os riscos mapeados estão:

  • O recrutamento de crianças por grupos extremistas (inclusive com base religiosa ou política), via mensagens privadas e fóruns fechados.
     
  • A sexualização precoce e o abuso infantil em redes sociais com falhas nos mecanismos de denúncia.
     
  • A exposição de crianças a conteúdos violentos, que podem ser usados para insensibilizá-las e naturalizar práticas armadas.
     
  • A exploração de dados pessoais, que viabiliza extorsão, fraudes e sequestro de identidade digital.

A ONU chama a atenção para o fato de que, em países como o Brasil, onde há grande capilaridade digital e desigualdade social, crianças de comunidades vulneráveis estão mais expostas a esse tipo de risco, sobretudo quando o acesso à internet é feito sem mediação ou em ambientes públicos e inseguros.

Recomendações da ONU para países como o Brasil:

  • Adotar políticas de alfabetização digital crítica desde a infância, com foco em segurança e ética online.
     
  • Criar mecanismos de denúncia acessíveis e eficazes para crianças vítimas de crimes virtuais.
     
  • Exigir que plataformas digitais atuem com mais transparência e responsabilidade, inclusive no uso de algoritmos e coleta de dados.
     
  • Promover ações intersetoriais entre escolas, famílias, conselhos tutelares e setor tecnológico para prevenção e resposta a crimes virtuais.
     
  • Reforçar a legislação penal e protetiva, adaptando-a às novas modalidades de violência e recrutamento digital.

Acesse aqui o relatório completo (em inglês)

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