DIA DAS CRIANÇAS

Extremismo religioso: pais fundamentalistas oprimem direitos das crianças e adolescentes

O ECA prevê que a população infanto-juvenil possui liberdade religiosa, mas muitas famílias não respeitam esse direito

Criança com pai.Créditos: Gerd Altmann / Pixabay
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Em 12 de outubro é comemorado o Dia das Crianças. Elas, que possuem seus direitos resguardados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, costumam ser tratadas como submissas às próprias escolhas da vida. 

Um exemplo disso é o direito de liberdade religiosa, previsto pelo Art. 16, no capítulo sobre liberdade, respeito e dignidade, onde está disposto que a população infanto-juvenil deve ter acesso ao lazer e, também, à expressão de práticas religiosas.

No entanto, diversos núcleos familiares brasileiros acabam obrigando os filhos a frequentarem instituições religiosas, sem sequer checar se consentimento em participar das atividades. 

O fundamentalismo, que se trata de um movimento religioso, muito presente em igrejas cristãs, onde quaisquer comportamentos, situações e acontecimentos da sociedade moderna que fujam dos princípios defendidos pela escritura da instituição, são criticados, é um dos principais motivos pelos quais os jovens se sentem oprimidos dentro de casa.

Ele não apenas projeta o molde ideal através da concepção religiosa, como cobra atitudes que, muitas vezes, são desconfortáveis e desrespeitam as crianças e os adolescentes.

A sociedade não costuma olhar para essa parcela da população como "merecedoras de direitos". Embora a infância seja uma das partes mais importantes da vida do ser humano, onde aprendemos quem somos e definimos nossa personalidade, as crianças ainda são desprezadas quando tentam expressar suas vontades e opiniões, por exemplo.

"Criança não opina", "cresça e apareça", "isso é conversa de adulto" são alguns ditados populares que denunciam esse olhar social perante as crianças e os adolescentes.

A estudante Júlia Luiza conta que, a partir do momento em que a mãe começou a frequentar a igreja, houve uma pressão para que ela se adequasse e também participasse dos cultos religiosos.

Além disso, situações comuns do crescimento, onde há a necessidade de amparo dos responsáveis, como o início da vida sexual, se tornaram tabu dentro de casa e no ambiente religioso.

Júlia conta que passou por episódios depressivos durante a adolescência e que, ao tentar pedir ajuda e aproximar sua mãe, devido ao forte fundamentalismo exercido nas igrejas, escutou frases como: "isso é falta de oração", o que, ao invés de aproximá-la tanto de sua mãe, quanto da instituição, a afastou.

Outro ponto levantado por ela é o preconceito racial que sofreu e percebeu na comunidade. 

"Se as mulheres tinham o cabelo crespo, elas tinham que ficar com o cabelo preso, tinha muito racismo e machismo e eu já ouvi diversas coisas", menciona Júlia.

Júlia sentia uma espécie de "culpa" quando não se encaixava na igreja e em possuir opiniões e comportamentos divergentes dos quais eram pregados.

"Eu sempre fui tímida, mas depois de um certo momento, eu comecei a pensar que as pessoas não queriam me ouvir e fez com que eu repensasse muito tudo que eu for falar e eu tenho um problema muito sério com rejeição, por conta da igreja, dessa coisa de que eu não alcançava a espiritualidade porque eu estava errada", completa ela.

O fotógrafo Gabriel Júlio compartilha de experiências similares as de Júlia quando o assunto é falta de liberdade e escassez de um ambiente seguro para ele se expressar e questionar valores.

"É um ambiente [núcleo familiar extremamente religioso] que poda as nossas asas, eu não era estimulado a fazer perguntas", diz Gabriel.

Ele, que mora na casa dos pais até hoje, aos 23 anos, ainda se sente desconfortável com as crenças que lhe foram impostas, uma vez que é necessário "obedecer às regras da casa" perante os limites impostos a ele e a pressão para cumpri-los.

Gabriel também relata que algumas ações relacionadas às crenças de seus pais o afastam de conhecê-lo melhor e de estabelecer um vínculo mais profundo.

Isso se dá devido ao fato da impossibilidade de conversar sobre sexualidade e da barreira emocional, principalmente por parte do pai, algo reforçado pela estrutura familiar conservadora, defendida pelo fundamentalismo.

"Eu [...] não posso demonstrar qualquer indício de dúvida ou questionamento da minha sexualidade para minha família, isso seria uma enorme decepção para os meus pais e me trariam consequências caóticas, [...], e somado à dificuldade que eu já tenho de demonstrar afeto por figuras masculinas por causa da forma que fui criado, eu percebo que isso gera um obstáculo para que eu explore isso, torna tudo mais difícil", finaliza o fotógrafo.