O comentarista Adrilles Jorge se tornou alvo de um inquérito instaurado pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) nesta quarta-feira (9) por ter feito, durante programa ao vivo da Jovem Pan, um gesto considerado nazista.
Ao comentar as declarações do podcaster Bruno Aiub, conhecido como Monark, que no dia anterior havia defendido a existência de um partido nazista no Brasil, Adrilles estendeu a palma da mão, o que para os promotores, no contexto em que o gesto foi feito, é uma clara referência à saudação de Adolf Hitler - o que pode configurar crime no Brasil, de acordo com a Lei 7.716/89.
Se Adrilles estivesse em uma emissora da Alemanha e fizesse o mesmo gesto, provavelmente seria preso no mesmo momento. É o que atestou, em entrevista à Fórum, o jornalista alemão Niklas Franzen, que inclusive pesquisa a ascensão da extrema-direita no Brasil diante do governo Bolsonaro.
"[Se fosse em uma TV alemã] ele com certeza seria preso na hora. Alguém chamaria a polícia e ele teria muitos problemas. Provavelmente ele seria preso já na redação", diz o jornalista.
Segundo Niklas Franzen, a Alemanha tem leis muito rígidas com relação à propaganda do nazismo ou negação ao Holocausto. Ele pondera, contudo, que os neonazistas alemães sempre acham alguma brecha para expressar seus discursos e símbolos de ódio, dando como exemplo o fato de utilizarem o número "88", que na verdade remete à oitava letra do alfabeto, formando um "HH", referência para a saudação "Heil Hiltler".
Não é muito diferente do que Adrilles fez ao justificar seu gesto. Afirmou que se tratou apenas de um "tchau" que foi "deturpado".
"A extrema-direita está cada vez mais testando os limites", alerta Franzen, que já havia chamado a atenção para essa utilização de símbolos, de maneira disfarçada, quando o assessor do governo Bolsonaro, Filipe Martins, fez um gesto de supremacistas brancos e justificou afirmando que estava ajeitando a lapela do paletó.
"Esses casos foram bem visíveis e estão sendo muito discutidos, mas há muitos outros acontecendo todos os dias e que a gente nem sabe", atenta o jornalista alemão.
Ascensão do neonazismo, governo Bolsonaro e resistência
Para além das referências ao nazismo observadas em gestos de membros do próprio governo Bolsonaro, como foi o caso do ex-secretário de Cultura, Roberto Alvim, que fez um discurso no início de 2020 emulando um pronunciamento de Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler na Alemanha nazista, as manifestações neonazistas vêm aumentando no Brasil.
É o que mostra um estudo elaborado pela antropóloga Adriana Dias, uma das maiores pesquisadoras e especialistas do neonazismo no Brasil. De acordo com este estudo, as células de grupos neonazistas cresceram 270,6% no país entre janeiro de 2019 e maio de 2021.
Janeiro de 2019 é justamente quando Jair Bolsonaro assumiu a presidência do Brasil. Para Niklas Franzen, há, sim, relação entre a conduta do atual presidente com o crescimento do discurso nazista e de ódio.
"Esse crescimento do nazismo agora no Brasil não vem à toa. Acho que isso tem muito a ver com o clima político no país. O presidente, abertamente, banaliza o holocausto, busca proximidade com grupos neonazistas, é abertamente racista, homofóbico... Por que uma pessoa comum não faria isso também?", analisa.
O jornalista reflete, contudo, que ao mesmo tempo em que o governo Bolsonaro encorajou o aumento de manifestações de ódio no país, há também um aumento das reações contrárias a esses gestos - vide a grande repercussão negativa que a fala do podcaster Monark gerou.
"As pessoas que não fazem parte desses grupos [nazistas e de ódio] estão cada vez mais atentas. Há resistência contra esses fatos. Acho que, por um lado, há, sim, um crescimento do neonazismo no país, que tem a ver com o fato de Bolsonaro ser presidente. Por outro lado, vejo um antifascismo crescendo também, e muitas pessoas fazendo ligações entre lutas que são muito importantes, a luta contra o antissemitismo, contra o racismo, contra a homofobia", diz.
"Muitas pessoas se pronunciaram, de vários campos políticos. Ficou muito claro que qualquer gesto que discrimine as pessoas e que o nazismo não pode ser tolerado. Isso é muito importante. Ainda mais importante que uma reação do judiciário é a discussão na sociedade civil", opina.
Segundo Nikas Franzen, "deveria ser um consenso que a defesa do nazismo não pode ser utilizado como liberdade de expressão".
"É um crime e tem que ser punido. O nazismo é uma ideologia que ameaça pessoas, é uma ideologia que matou milhões de pessoas só por serem judeus, gays, negros, ciganos. Então, isso não pode ser tolerado", finaliza.