Escrito en
DIREITOS
el
Por Sol Massari*
A prisão é um local que desumaniza e fere a alma das pessoas. O mais dolorido numa visita ao cárcere não é a chegada, mas a partida. De cabeças baixas e mãos para trás, mulheres deixam o pátio e seguem por corredores enquanto os portões se fecham um a um, sob os sons de trancas que demoram a sair da cabeça.
É a mulher quem menos recebe visita e precisa compreender o mundo do cárcere para sobreviver perante regras institucionais e regras não oficiais do sistema. Comunica-se numa outra linguagem como se fosse um dialeto. É um mundo paralelo, com 42 mil mulheres presas, segundo os dados de 2018 do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias).
O cárcere é sinônimo de castigo, porém boa parte da sociedade o enxerga como solução e não abre mão de usá-lo como depósito de quem não se encaixa nos padrões desta sociedade desigual, conservadora e patriarcal. Portanto, trata-se de um sistema punitivo que funciona em harmonia com a misoginia e o estigma.
Na antiguidade, a mulher era detida e presa por ter conhecimento, estar fora dos padrões da sociedade, ser considerada bruxa e, em alguns momentos da história, praticar a prostituição. Assim, o papel social da mulher era questionado pela sociedade pautada por uma moral que poderia levar à morte quem teimasse enfrentá-la.
Quem são essas mulheres na atual sociedade? Na maioria são negras, vítimas de alguma forma de violência. Segundo pesquisa divulgada pelo ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania) em junho deste ano, 68% das mulheres encarceradas são negras, 57% são solteiras, 50% têm apenas o ensino fundamental e 50% possuem entre 18 e 29 anos.
Em estudo divulgado em novembro de 2018, a Dapp/FGV (Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas) apontou que a população carcerária feminina subiu 567% no período de 2000 a 2016, quando houve o aumento de 5.601 para 37.380 detentas. Se forem considerados os dados atualizados até 2018, o crescimento se aproxima de 700%.
Mesmo diante desses dados, essas mulheres são submetidas a uma condição de invisibilidade, que intensifica as marcas da desigualdade de gênero à qual a sociedade tenta a todo custo nos submeter. A fragilidade em que muitas se encontram evidencia os parcos conhecimentos quanto a direitos, uma vez que passaram por processos sistemáticos de violência e outros abusos.
Quando recebe a sentença e é presa, a mulher sofre dupla condenação. É punida no primeiro momento por praticar o ato criminoso e, posteriormente, por ser mulher.
Essa segunda punição é fruto da construção de uma sociedade preconceituosa, que insiste em manter a herança do pensamento sobre qual deve ser o papel social da mulher, na medida em que objetiva determinar como devemos falar, agir, vestir, pensar, responder, amar e viver, dentro do ideal de que somos o sexo frágil, influenciável e submisso.
É desse modo que as mulheres encarceradas são vistas perante a sociedade. São invisíveis, porém, contraditoriamente perigosas, jogadas no cárcere para repensar os seus atos. As que carregam seus filhos no ventre também não são poupadas de crítica e senso comum. Mesmo as que já cumpriram a pena e foram julgadas pela Justiça continuam a sofrer o julgamento da população.
No livro “Presos que Menstruam: A Brutal Vida das Mulheres – Tratadas como Homens nas Prisões Brasileiras”, Nana Queiroz mostra que são comuns os desrespeitos aos direitos humanos. Para as mulheres, as violações são ainda mais tristes, porque muitas têm seus filhos nas celas sozinhas, sem qualquer aparato, e depois permanecem com os bebês em espaços insalubres.
No Brasil, que ocupa o quinto lugar no ranking dos países que mais ceifam vidas de mulheres, não é de criar algum tipo de espanto a perversidade com que as mulheres são encarceradas, mas, ao mesmo tempo, não é possível manter o silêncio, pois o feminismo é um ato político para todas as mulheres, incluindo aquelas que estão com privação de liberdade.
O cárcere existe. É uma situação complexa e sem solução rápida, mas muito pode ser realizado com comprometimento e preocupação com essas mulheres.
*Sol Massari é professora, assistente social, mestre em serviço social e especialista em psicopedagogia, atuante na defesa dos direitos humanos