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Contestado desde o dia em que foi anunciado, o pacote de leis "anticrime" apresentado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, ao Congresso, segue alvo de críticas por parte de políticos, especialistas e entidades. Nesta quarta-feira (20), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, subiu o tom contra o ex-juiz de Curitiba e afirmou que o projeto não passa de um "copia e cola". O parlamentar, ao fazer a crítica, respondia às reclamações de Moro sobre o fato de a proposta estar parada na Casa. A ideia é que só entre em tramitação após a votação da reforma da Previdência.
Para além dos trâmites burocráticos que embasam a crítica de Maia, o pacote de leis anticrime de Moro chegou, até mesmo, a ser denunciado, no final de fevereiro, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por entidades do movimento negro. Há inúmeros pontos nas medidas propostas pelo ex-juiz que devem promover ainda mais violação de direitos humanos principalmente contra a população pobre e negra.
Na mesma linha, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), durante reunião extraordinária realizada na semana passada, elaborou uma nota pública em que, além de se posicionar contra o pacote do ministro, denuncia o caráter antidemocrático com que foi concebido, aponta as violações de direitos intrínsecas à proposta e alerta para os riscos que várias das medidas carregam.
"O 'Pacote de Projetos Anticrime' (...) foi apresentado em apenas 34 dias de início do governo, não passou por qualquer debate público e contraria os fundamentos do Sistema Único de Segurança Público, recém instituído pela Lei nº 13.675, de 11 de Junho de 2018", diz a entidade na nota.
E prossegue: "Não podemos referendar a elaboração de uma proposta de segurança pública pelo Poder Executivo sem a garantia da participação social e o diálogo plural e transversal entre os vários segmentos que vêm fazendo o debate nacional sobre segurança pública. Uma proposta que não foi discutida pelo Conselho Nacional de Segurança Pública e pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária carece do acúmulo que o Brasil tem neste debate".
O pacote de Moro contempla uma série de medidas que, em sua maioria, visa endurecer a legislação e o processo penal no Brasil, país que tem a 3ª maior população carcerária do mundo e que possui uma das polícias que mais mata em todo o globo. Somente em 2017, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública do ano passado, 5.144 pessoas foram mortas em decorrência de intervenções de policiais civis e militares, o que representa 14 mortos por policiais por dia. A maior parte dessas vítimas são jovens, negros e pobres.
Neste sentido, a CNDH critica, principalmente, dois pontos do pacote anticrime que influenciam diretamente no aumento da população carcerária e na intensificação da matança de negros por parte das políciais.
Um desses pontos é o que propõe alterações no Código Penal para “assegurar a execução provisória da condenação criminal após julgamento em segunda instância”. Atualmente, a maior parte da população carcerária é composta por pessoas que foram julgadas apenas na primeira instância, confrontando o direito previsto na Constituição de presunção de inocência antes do trânsito em julgado. Com a questão ainda em aberto no Supremo Tribunal Federal (STF), a aprovação do projeto de Moro chancelaria a prisão que hoje ainda é motivo de questionamentos e superlotaria ainda mais o sistema carcerário.
"Um aspecto problemático do 'Pacote Anticrime' é sua opção pelo recrudescimento penal e consequente aumento do encarceramento em massa, sendo que os números atuais já colocam o Brasil na posição de 3ª maior população carcerária do mundo, e a ampla maioria das autoridades e dos estudiosos deste tema indicam que precisamos de uma política de desencarceramento", pontua a entidade na nota.
O outro ponto citado pelo CNDH é o que basicamente concede aos policiais uma "autorização para matar". Trata-se da possibilidade de redução ou mesmo isenção de pena de policiais que causarem morte durante sua atividade, que durante a campanha presidencial Jair Bolsonaro vendeu como "excludente de ilicitude". Pela proposta, policiais poderiam matar livremente alegando legítima defesa. Segundo a legislação atual, o policial deve esperar uma ameaça concreta ou o início do crime para então reagir.
"A ampliação das hipóteses de excludente de ilicitude, especialmente para os casos de homicídios por agentes de segurança, algo chamado por alguns de “licença para matar”, é inadmissível. Uma medida desse caráter apenas reforçará o já absurdo genocídio da juventude negra, pobre, e das favelas e periferias, que já vem há muitos anos sendo denunciado pelas organizações dos movimentos negros e de direitos humanos", reforça a entidade.
Para Leonardo Pinho, presidente do CNDH, o conselho, que é um órgão colegiado que tem como missão a promoção e a defesa dos direitos humanos no Brasil, tem, nessa situação, "o papel de ser duro independentemente de colorações políticas".
"Precisamos reforçar a necessidade debate público, a participação popular", afirma.
Confira a íntegra da nota pública aqui.