“Minha luta tem sido em uma única direção: resgatar a honra de meu irmão”, diz Acioli Cancellier

O ex-reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, foi preso injustamente há exato um ano, fato que o levou ao ato extremo de cometer suicídio

O ex-reitor da UFSC Luiz Cancellier - Foto: Reprodução/YouTube
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[caption id="attachment_140228" align="alignnone" width="700"] Luiz Carlos Cancellier - Foto: Reprodução/YouTube[/caption] Faz um ano que a Polícia Federal (PF), com apoio do Ministério Público Federal e da Justiça, colocou em prática a chamada Operação Ouvidos Moucos, que teve o pretexto de lutar contra supostas ações de corrupção na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O resultado imediato foi a prisão arbitrária e sem provas de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, então reitor, e dos professores Marcos Baptista Lopez Dalmau, Marcio Santos, Rogério da Silva Nunes, Gilberto de Oliveira Moritz e Eduardo Lobo. Cancellier, perturbado pela injustiça de não poder mais, sequer, entrar na universidade e pelo vexame da prisão, não suportou e acabou se suicidando. O reitor da UFSC foi encontrado morto na manhã de segunda-feira, 2 de outubro, no Beiramar Shopping, em Florianópolis, depois de ter se atirado de um vão. Comunidade acadêmica, amigos, parentes e opinião pública, em geral, ficaram revoltados com a morte de Cancellier pois seria um efeito direto dos “métodos” da Polícia Federal e do Ministério Público no país. Em carta, Cancellier relatou que foi acusado sem provas e sem direito à plena defesa, revelando o que provocou o ato extremo. “Uma investigação interna que não nos ouviu; um processo baseado em depoimentos que não permitiram o contraditório e a ampla defesa; informações seletivas repassadas à PF; sonegação de informações fundamentais ao pleno entendimento do que se passava; e a atribuição, a uma gestão que recém completou um ano, de denúncias relativas a período anterior”, escreveu. No início da carta, o ex-reitor falou sobre “a humilhação e o vexame” a que foi submetido com sua prisão. Nesta sexta-feira (14), o irmão do ex-reitor da universidade, Acioli Cancellier de Olivo divulgou uma carta aberta aos professores da UFSC, na qual fala em “resgatar a honra de seu irmão”. Acompanhe a íntegra da carta: Carta aberta aos professores presos com o reitor Cancellier no dia 17 Meus caros professores, Há exatamente um ano atrás eu nunca havia ouvido falar de seus nomes. Naquela manhã fui acordado com um telefonema de um amigo que me perguntava: Você é parente do reitor da UFSC? Ao responder que eu era irmão, disse-me que ele acabara de ser preso. Naquela manhã, quando a Polícia Federal invadiu as suas residências e a do Cau, a violência da ação mudou drasticamente a vida de vocês e de suas famílias; foi o ato inicial de uma tragédia que nos levou o Cau, abalou profundamente nossa família, seus familiares, os amigos em comum, a UFSC e, por que não dizer, o país inteiro que não se submete à ditadura dos tanques e togas, citando um jornalista. Daquela data em diante, seus nomes começaram a me soar familiares e mesmo sem conhecê-los, uma empatia imensa me ligou a cada um de vocês; o sofrimento de cada um de seus familiares me fazia sofrer, pois refletia o sofrimento de cada uma dos meus. Cau se foi, seu gesto nos doeu muito, mas, em seguida, atentamos que o fez não por sua imagem enlameada, mas para mostrar a cada um de seus carrascos, que não se pode tirar o que de mais importante um homem digno possa ter: a honra. E passamos a nos orgulhar daquele gesto corajoso e heroico. Se no dia 14 de setembro de 2017 arrancaram da cama um homem digno, o cadáver que nos devolveram 18 dias após, não o reconhecemos. Não por seus ossos estraçalhados; não por sua carne dilacerada; não por sua face desfigurada. Não o reconhecemos porque aquele cadáver não tinha a mínima semelhança da pessoa que o Cau fora em vida: honrado, humanista, generoso e solidário. [caption id="attachment_140229" align="alignnone" width="350"] Acioli Cancellier - Foto: Arquivo pessoal[/caption] Um ano se passou e, em todos esses dias, minha luta tem sido em uma única direção: resgatar a honra de meu irmão. Buscar que o Estado reconheça que seus agentes erraram. Erraram em caluniá-lo; erraram em humilhá-lo; erraram em castrá-lo, apartando daquilo que ele mais se orgulhava, servir a UFSC. Meus caros amigos, se assim posso chamá-los, pois um sentimento de amizade e fraternidade nos uniu pela tragédia. Meus irmãos: vocês foram também vítimas da mesma injustiça; injustiça que não os levou deste mundo, mas que certamente causou perdas e danos irreparáveis. Quem lhes irá devolver as angústias, sofrimentos e dores que cada um de vocês passou nestes últimos anos? Quem devolverá a cada um de seus entes queridos a alegria de viver, o brilho nos olhos e o sorriso que minguaram nestes 365 dias? Quem irá garantir que a sua tão esperada reintegração à UFSC ocorra sem traumas? Quem poderá dizer que vocês poderão ensinar, orientar e frequentar o meio acadêmico com a segurança de homens honestos e dignos, sem a certeza de um dedo acusador na figura de um aluno ou de seus próprios pares? Em ocasião recente fiz uma analogia, que reitero: O Cau morreu, vocês sobreviveram. Mas esta sobrevida, sem a reparação integral da honra e dignidade feridas, equivale a uma morte em vida. Tramita no Congresso Nacional projeto de lei que pune o abuso de autoridade, cujo relator no Senado, Roberto Requião, a denominou de Lei Cancellier. Mas não podemos esperar. A cada dia que passa, sem a devida reparação da honra de cada um de vocês, um pouco de cada um morre. Então, meus queridos amigos e irmãos, nesta data simbólica, uno meus pensamentos aos seus; nossos familiares são solidários aos seus familiares. E me comprometo, a cada dia, com mais intensidade, envidar esforços na luta pela redignificação do Cau e de todos vocês. Lutar pela recuperação da honra maculada de cada um é lutar pela garantia que nenhum ser humano seja julgado, condenado e executado sumariamente como vocês todos foram. E conclamo aos que não se conformam com o arbítrio, a se juntarem nesta escalada, pois citando o mesmo jornalista, “nas ditaduras, não há lugar para míopes inocentes”.