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Augusto Campos foi uma das principais lideranças desde a retomada do Sindicato dos Bancários de São Paulo após a ditadura militar e faleceu nesta terça-feira, vítima de câncer no fígado. Com seu jeito despojado de se vestir e a longa barba, Augustão era aconhecido como o 'velho do rio' e marcou a história sindical
Por Redação* Foto: Sindicato dos Bancários de São Paulo
Faleceu nesta terça-feira, Augusto Campos, Augustão, funcionário aposentado do Banespa, que foi uma das principais lideranças dos bancários na luta por direitos e contra a ditadura. Organizou greve em 1978, ainda sob o regime militar e, no ano seguinte, retomou o Sindicato com a vitória da chapa de oposição, liderada por ele, junto com outros sindicalistas históricos como Luiz Gushiken e Gilmar Carneiro. Augusto, estava aposentado e morava em Santos com a companheira e também ex-dirigente do Sindicato, Lucia Mathias.
Leia entrevista com Augusto, publicada pelo Sindicato dos Bancários em 2013
Uma nova forma de sindicalismo
Retomada do Sindicato, no final dos anos 1970, foi resultado da união de diversos bancários que lutaram para romper com modelo e estrutura sindical vigente e impulsionar categoria para obter novas conquistas
São Paulo - O ano é 1979. Os bancários organizavam a primeira greve da categoria, após a chamada “retomada” do Sindicato. Reunidos no pátio do Colégio São Bento, os trabalhadores definiram pelo início da greve para o dia seguinte. O movimento começou forte, mas a repressão policial e dos bancos também. “Houve confronto tão intenso que os padres não quiseram mais alugar o espaço para nós. Na Casa de Portugal também não podia ser, os portugueses não queriam mais a gente lá, pois tinha cada vez mais pessoas nas assembleias e o espaço ficava pequeno, apertado. Passamos a procurar lugar próprio e compramos um terreno, no qual funcionava um estacionamento, na Rua Tabatinguera. Foi ali que fizemos a Quadra, inaugurada em evento marcante para mim. Ver naquele lugar, nosso, figuras históricas como Lula e Luiz Carlos Prestes debatendo com a categoria foi especial.”
A recordação é do presidente do Sindicato à época, Augusto Campos. Atualmente residindo em Santos, litoral sul, Augusto é enfático ao declarar que o movimento pela “retomada” não se configurava em oposição à entidade, mas ao modelo sindical vigente.
foto ao lado: Augusto Campos ao lado direito de Lula durante assembleia dos bancários na Casa de Portugal, em 1980 (em pé, o dirigente Luizinho Azevedo)
Por que vocês decidiram organizar movimento de oposição à diretoria do Sindicato?
Houve uma ruptura muito forte no movimento sindical bancário a partir de 1964, com o golpe militar. Até então a entidade era conduzida pelos integrantes do antigo PTB e do PC. Após o golpe, os partidos passaram para a clandestinidade, perdendo-se muito da organização. No início dos anos 1970 começamos a nos reunir a partir do movimento estudantil e dentro dos bancos públicos, como o Banco do Brasil e o Banespa, para que a entidade tomasse outro rumo. Assim, não fizemos oposição ao Sindicato, mas ao modelo vigente, ao imposto sindical, à interferência da Justiça do Trabalho.
Como a categoria recebeu o surgimento de uma oposição bancária?
Era evidente a categoria querer nova forma de condução em suas lutas. A eleição de 1975 foi tão disputada que ficou claro para nós ser possível vencer. Crescemos muito desde então, tanto é que a eleição que ocorreria em 1978 foi adiada para o ano seguinte pela Delegacia Regional do Trabalho (DRT) a pedido da então diretoria. Na carta à DRT, o presidente à época chegou a escrever que se a eleição ocorresse naquele ano, os ‘barbudinhos’ iriam tomar conta do Sindicato e a coisa ficaria fora de controle. A DRT atendeu ao apelo, mas vencemos.
Mas mesmo antes de estar na direção do Sindicato, vocês contavam com o respaldo da categoria e organizaram a greve de 1978?
É verdade. Conseguimos ganhar a assembleia de 1978 e a greve estourou. Adotamos a tática dos metalúrgicos do ABC: ‘Braços cruzados, máquinas paradas’, em que o operário permanecia na fábrica, sem ligar equipamentos. Demos a mesma orientação aos bancários, mas não foi possível ter êxito, a realidade era diferente dos metalúrgicos, pois além das chefias tinha os clientes. E o bancário não aguentou tanta pressão.
Como foram as primeiras negociações com os representantes dos bancos?
Inauguramos nova forma de negociar. Até então, antes mesmo de se começar as reuniões com os bancos, já havia a possibilidade de a diretoria do Sindicato entrar com o pedido de dissídio coletivo, que nada mais é do que solicitar que a Justiça interviesse nas negociações. Ao final, as decisões, na maioria das vezes, eram desfavoráveis aos trabalhadores. Em uma das nossas primeiras negociações dissemos: agora não tem mais dissídio. Vamos resolver tudo na mesa de negociação e na correlação de forças. Se fizermos campanha fraca, assinaremos o acordo do tamanho do movimento. Mas se a mobilização for forte, vocês também terão de aceitar a situação e assinar o acordo. Chega da interferência da Justiça. E a partir daquele momento houve a necessidade de o Sindicato se organizar mais nos locais de trabalho e esclarecer os trabalhadores para que entrassem na campanha salarial.
Como foi possível mobilizaros trabalhadores?
Tínhamos dificuldade muito grande de envolver as pessoas na campanha. Para dividir a categoria, os bancos aplicavam o reajuste pelo salário mínimo, que atingia funcionários mais novos, e davam reajustes maiores nos anuênios para contemplar os mais antigos de empresa. Para quebrar essa lógica passamos a reivindicar percentual acima do salário mínimo e tínhamos como argumento os indicadores do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) que, após ter recuperado seu papel de importância junto ao movimento sindical, muito graças ao Lula e ao Olívio Dutra – liderança bancária no Rio Grande do Sul –, conseguiu provar que a inflação oficial do então ministro Delfim Neto estava bem abaixo da realidade que o trabalhador encontrava no supermercado. Então, reivindicar reajuste de 10% acima do salário mínimo mais R$ 100, por exemplo, favorecia salários mais baixos, mas também contemplava os mais altos. Isso trouxe muita gente para a campanha salarial e para as assembleias. E partimos para a greve em 1979. Naquele ano jogaram tudo contra nós, houve confronto com a polícia, tropa de choque na rua, as pessoas jogavam máquina de escrever dos prédios em cima dos policiais. Parecia que iria acabar o mundo, a Rua Boa Vista parecia praça de guerra.
E qual a importância da Folha Bancáriadiária na organização dos trabalhadores?
A experiência da Folha Bancária diária foi extraída ao participarmos de campanha eleitoral em Belo Horizonte. Lá eles chegavam em uma concentração e colocavam 30 jornais. Se esgotava, colocavam 50 e assim faziam até ter a quantidade ideal. Adotamos o mesmo aqui e deu certo. Nossa intenção não era entregar o jornal nas mãos das pessoas, mas que elas retirassem nos locais, em cavaletes de madeira colocados nas proximidades das agências. Antes de começarmos a edição diária, reunimos várias denúncias de bancários durante algumas semanas e preparávamos material para umas dez edições. Assim, a Folha Bancária passou a ser diária e chegamos a ter uma tiragem de 25 mil exemplares. Virou referência para a categoria.
Como foi durante a intervenção no Sindicato em 1983?
Praticamente no mesmo momento em que há a intervenção no Sindicato tem a fundação da CUT e a convocação de greve geral. Em nome de tentar impedir essa greve geral eles fizeram a intervenção e cassaram a diretoria do Sindicato. Na véspera da greve geral, a polícia entrou na sede do Sindicato, que ficava no 17º andar na Rua São Bento, 365, e levou todo mundo para a Polícia Federal, onde ficamos todos encarcerados em um porão. Depois fomos soltos e continuamos nossa luta de organização da categoria e contra a intervenção. Nessa resistência editamos a Folha Bancária Livre e fizemos muita coisa para conseguir recursos: rifas, eventos, muita gente colocou dinheiro do próprio bolso para auxiliar. Mas o que ajudou a superar aquele momento foi o empenho de um grupo de diretores e funcionários do Sindicato. A intervenção caiu de “podre”, pois não tinha mais como ficar na entidade por muito tempo, até porque a própria ditadura definhava.
Em sua gestão houve a primeira paralisação na matriz do Bradesco (Cidade de Deus, em Osasco). Isso também motivou a intervenção?
O Bradesco fazia uma manobra que irritava todo mundo. Quando chegava 25 de janeiro, aniversário da cidade de São Paulo, os funcionários da capital trabalhavam porque a matriz, em Osasco, funcionava. Quando chegava o feriado de Osasco, 13 de junho, os empregados de lá trabalhavam porque São Paulo estava funcionando. Levamos a questão à Delegacia Regional do Trabalho e nada foi feito. Decidimos acabar com isso e no feriado de Osasco de 1983 fomos para a matriz. Colocamos cadeado nos portões, caminhões de som na entrada e seguramos muita gente, inclusive o Amador Aguiar, presidente do Bradesco. Acho que essa paralisação também pesou na intervenção, pois mostrou que não havia mais limites para nós. Dali para parar Itaú e os outros bancos era um salto. Então vieram com tudo para cima da gente.
Quais momentos você considera marcantes no Sindicato?
Quando rompemos o esquema das negociações com os banqueiros, colocando um basta ao dissídio. Isso colocou um norte à diretoria para organizar a categoria, se reunir com empregados por banco, realizar assembleia. E posteriormente a criação do PT e da CUT. Acho que fizemos bastante coisa.
Entrevista de Jair Rosa e Rodolfo Wrolli - 8/4/2013
*Com informações do Sindicato dos Bancários de São Paulo