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"Como as autoridades não fazem nada para mudar esse quadro, acredito que a possibilidade disso acontecer em outras penitenciárias seja muito grande", afirma Camila Dias, na UFABC
Por Rede Brasil Atual
A carnificina no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, resultado de uma rebelião terminada ontem (2), não deve ser apontada como uma surpresa pelas autoridades brasileiras. Ao contrário, era até previsível, como afirma a professora de Políticas Públicas Camila Nunes Dias, da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Segundo ela, o episódio já estava anunciado desde meados de 2016, quando houve a ruptura e uma espécie de declaração de guerra entre as duas principais facções do Brasil – o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC). "E isso já provocou rebeliões em outros estados do Norte e Nordeste, com um número elevado de mortes", disse ela, em entrevista ao portal Deutsche Welle.
No caso da rebelião de Manaus, a revolta foi a resposta da facção Família do Norte (FDN) contra integrantes do PCC. Na capital amazonense, o grupo local é hoje aliado do CV. A ruptura entre PCC e CV tem origem na disputa pelo controle do tráfico nas regiões Norte e Nordeste.
“Antes, CV e PCC eram aliados no sentido de atuar juntos em negócios e de conviver nas mesmas unidades prisionais. A ruptura se deu por uma multiplicidade de fatores, de casos pontuais que aconteceram em unidades prisionais no Brasil. Mas, no fundo, ela se deu pela pretensão expansionista dos dois grupos, que passaram a disputar as prisões e os mercados de droga nos estados do Norte e Nordeste há mais ou menos uma década”, afirma Camila Nunes.
A professora, também pesquisadora associada do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), alerta que há reais possibilidades de rebeliões semelhantes acontecerem em breve em outros presídios do país. “É bom frisar que, como as autoridades não fazem nada para mudar esse quadro, acredito que a possibilidade disso acontecer em outras penitenciárias seja muito grande. Ainda mais agora, já que membros do PCC foram mortos, e é muito provável que haja uma tentativa de retaliação. O sistema prisional no Brasil inteiro está tenso desde meados do ano passado, e não tenho dúvidas de que a tensão vai aumentar ainda mais. As autoridades deveriam ser responsabilizadas, já que não foi por falta de aviso.”
Camila afirma que as autoridades não têm controle gerencial sobre os presídios do Brasil, com exceção das unidades federais. Um cenário conhecido, espécie de bomba-relógio pronta para explodir.
“No Brasil inteiro, as prisões estão nas mãos dos presos e, dependendo do contexto local, se houver uma decisão da população carcerária de se rebelar, eles vão fazer isso. Não há nenhuma unidade prisional brasileira, salvo as penitenciárias federais – que são outro modelo –, nas quais as autoridades possam dizer que não tem risco de isso acontecer. Isso porque quem gerencia o cotidiano das unidades prisionais são os presos. Nesse cenário de conflito, os presos que quiserem podem tomar a unidade e promover carnificinas como essa que aconteceu em Manaus.”
Leia a entrevista completa aqui.
Foto de capa: EBC