Na edição desta semana da revista IstoÉ há um encarte publicitário de 8 páginas exaltando os “feitos históricos” da Polícia Militar de São Paulo. O anúncio “Segurança em ação” teve uma equipe contratada especialmente para a sua produção.
A propaganda do governador de SP, Geraldo Alckmin (PSDB), custa, segundo tabela da Editora Três, que publica IstoÉ, pelo menos R$ 1.564.000 ao governo do estado.
O material, porém, não tem cara de publicidade. É um “publieditorial”. Ou seja, se parece com uma reportagem especial, com diagramação similar às outras matérias, com gráficos e grandes fotos. Mas é publicidade. Confunde o leitor ao agregar prestígio jornalístico a uma ação de marketing.
Nessa intenção de lesar o cidadão, não está apenas o anunciante (ou a agência que o representa), mas também o veículo, que se dispõe a ceder a “sua cara” para que o anunciante (que o remunera) se aproprie do seu leitor”, explicou o jornalista e professor da USP e da Universidade Metodista Wilson da Costa Bueno, em seu artigo ‘Publieditorial, a estratégia que afronta a ética’. “Trata-se de um crime duplo, um complô comercial que agride a cidadania e a independência editorial dos meios de comunicação.”
São as famosas “matérias pagas”.
De acordo com o publieditorial, o estado de SP seria o “mais seguro” do país, com queda em todos os índices de violência. Mas o material esquece de mencionar que essa mesma polícia é também uma das mais violentas do mundo.
De acordo com dados da Secretaria de Segurança pública de SP publicados hoje no Diário Oficial, entre janeiro e fevereiro deste ano, as policias civil e militar do estado de SP mataram 137 pessoas, sendo 42 durante período de folga (quase sempre fazendo bicos como seguranças).
A ampla maioria foi assassinada por policiais militares (92). Outras 80 pessoas ficaram feridas em confronto com a polícia. Nesse período, 1 PM foi morto.
São 137 pessoas mortas pela polícia paulista nos primeiros dois meses de 2016. Mais que duas por dia (2,2).
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública de SP, os números da letalidade policial não são incluídos no total de homicídios por se tratarem de “mortes decorrentes de intervenção policial”, o que não está explicado no anúncio.
Os índices de letalidade policial no Brasil são alarmantes: em cinco anos, a polícia brasileira matou 11.197 pessoas, sem contar os homicídios de 2016. É mais gente do que a polícia americana matou em 30 anos.
Para a secretaria, houve queda de 4% em comparação ao mesmo período do ano passado. Ou seja, em números absolutos, a polícia matou menos 3,8 pessoas. Mas a secretaria não considerou a tendência. No ano passado todo, a polícia paulista assassinou 798 pessoas, cerca de 2 pessoas por dia, índice muito próximo ao dado de 2016.
As principais vítimas de letalidade policial são os jovens negros e moradores da periferia. Isso também não constou no publieditorial publicado em IstoÉ pelo governo Alckmin.
Jornalismo x Publicidade
Também nesta semana, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) gastou uma fortuna com a campanha a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff. A diagramação da publicidade se misturou com as reportagens.
Um leitor mais distraído poderia pensar que os jornais estariam explicitando seus apoios ao processo de impeachment. Como se fosse um convite dos jornais a seus leitores para apoiar a saída de Dilma.
De acordo com o blog Tijolaço, pelo cálculo das tabelas de publicidade em impressos, os anúncios no Estadão e na Folha teriam custado à Fiesp cerca de R$ 5 milhões, sem contar a versão digital.
É preciso cuidado e respeito com o leitor. Para se fazer jornalismo com qualidade é necessário principalmente manter o limite da ética, além dos princípios que regem a nossa profissão. Misturar campanhas publicitárias com reportagens certamente ultrapassa em muito essa linha. E é uma tremenda irresponsabilidade.
* Maria Carolina Trevisan é coordenadora da disciplina Jornalismo e Políticas Públicas Sociais na ANDI-Comunicação e Direitos, em parceria com a USP. Também é repórter dos Jornalistas Livres