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DIREITOS
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Direita torce por excessos dos manifestantes de esquerda; se não ocorrerem, que sejam inventados; ao contrário da Maria Antônia, em 1968, PM foi protagonista
Por Alceu Luís Castilho, em seu blog (@alceucastilho)
O ato pela democracia da sexta-feira tinha muitas senhoras, idosos. E foi organizado por sindicatos e movimentos sociais. Mais calejados no que se refere à organização, e em como responder a provocadores. Muitos apostamos que a polícia não reprimiria – e não reprimiu. Para onde os provocadores de direita voltariam, então, suas baterias, sem atirar no próprio pé? Claro: para o movimento estudantil. Quem nessa sociedade atordoada se importará com mais estudantes sendo reprimidos pela PM?
Configura-se, desta forma, uma estratégia calculada da extrema direita, essa aliada incondicional da derrubada de Dilma Rousseff – ao lado da imprensa graúda, de políticos que querem se livrar da Lava Jato e de setores do Judiciário. Os manifestantes que colocaram um carro de som em frente da PUC-SP, na noite de ontem, atrapalhando as aulas e provocando os estudantes (de esquerda), sabiam bem o que estavam fazendo. E não vão parar.
Muita gente se lembrou da Batalha da Maria Antônia, em outubro de 1968. Ali foram três dias de pura intensidade. Os dois primeiros dias, da batalha propriamente ditas, entre estudantes de direita entrincheirados no Mackenzie e estudantes de esquerda territorializados na faculdade de filosofia da USP. O terceiro dia foi do velório do estudante secundarista José Carlos Guimarães, de 20 anos, morto por um tiro que saiu de um dos tetos do Mackenzie. (A família dele até hoje aguarda indenização.)
Estávamos à beira do AI-5. E a batalha foi justamente um dos estopins do acirramento da ditadura de 1964. E mesmo assim ela correu solta, por dois dias, entre os próprios estudantes, sem a mediação de uma polícia militarizada (a PM paulista foi criada depois). Claro que havia polícia: à paisana. E havia milícias: o Comando de Caça aos Comunistas estava com os estudantes no teto do Mackenzie. Armados. Do outro lado, estudantes com molotov. Deu no que deu: nem a morte de Guimarães serviu para barrar o avanço da extrema direita.
Temos outro cenário em 2016. Mas as similaridades existem. Vejo com curiosidade a resistência de alguns em comparar o que acontece com 1964. Ou até de se utilizar a palavra “golpe”. Como se no Paraguai não tivesse havido um golpe sem coturnos. Assim como há puristas que se recusam a utilizar a palavra “fascismo”, a não ser para um momento histórico específico. Não creio que esse excesso de pudor tenha o aval de historiadores: fascistas e golpistas existem. Sob outras roupagens, outras cores.
Chega a ser paradoxal que um golpe civil, com o Judiciário (acusado de ilegalidades por um ministro do STF e pelos maiores juristas do país) e o Legislativo (que caiu em um caldeirão de corrupção quando era pequeno) à frente, tenha na Polícia Militar do Estado de São Paulo um de seus apoiadores de plantão. Sim, trata-se de uma polícia civil. Mas militarizada. Com coturnos. E a palavra “militar” tem muita força. A história se repete como algo híbrido.
UM ROTEIRO PLANEJADO
Ontem, na PUC-SP, a PM se alinhou com os provocadores. E não hesitou em usar a força – contra os estudantes de esquerda, claro. Não cairia bem atirar nos direitistas que haviam acabado de gritar a seguinte palavra de ordem: “Viva a PM! Viva a PM!” Não é impossível que algum estudante mais exaltado tenha atirado alguma garrafa de plástico. (Não se sabe.) O que nunca poderia ser motivo para a repressão que houve. Era o que os provocadores – e a PM – estavam esperando.
Da forma como as coisas estão indo, teremos mais cenas desse tipo. Mais provocações, e mais repressões sob qualquer pretexto – mesmo que falso. Teremos a hipertrofia de algum “excesso” de algum jovem de esquerda (ou mesmo de algum ato injustificável, em si), como motivo tanto para a repressão como para a conquista da opinião pública. Em filme parecido com o que se viu, nos últimos anos, nas manifestações por passe livre. Só faltam os black blocs (que seja com a simples presença visual) para ajudar a cumprir o script ideal da direita.
A imprensa assistiu à cena na PUC como convém aos provocadores. Falando em “conflito”, como se o que aconteceu tivesse sido uma briga equânime. Não foi. Foi uma ocupação estratégica, uma territorialização calculada feita pelos golpistas. Que querem ver o circo pegar fogo em situações onde a esquerda esteja mostrando sua cara. Para criminalizá-la.. Até para esconder a fúria recente dos rubrofóbicos, que não têm poupado nem mães com bebês – sob o silêncio dos “homens de bem”.
Trata-se de uma disputa de narrativas. De um jogo jogado não somente na rua, mas em certas cúpulas do pensamento conservador. Que não está disposto a jogar somente em uma frente. Quer o Judiciário, quer o Legislativo, quer a imprensa, e quer a opinião pública, já predisposta a ver os estudantes de esquerda como “maconheiros”, “baderneiros”, tomando-os como violentos. Cabe a estes perceber como o jogo está sendo jogado e não se deixarem utilizar como massa de manobra.