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Apenas quatro torcedores, entre os 31 presos, aparecem nas imagens que mostram a confusão no estádio.
Por Fania Rodrigues, do Brasil de Fato
Torcedores corintianos presos em Bangu estão sofrendo tortura, maus tratos e restrição de acesso a advogados. É o que denunciam familiares dos 31 torcedores que estão detidos desde o dia 23 de outubro, após o jogo entre Corinthians e Flamengo, no Maracanã.
Segundo Rodrigo Assef, advogado do estudante de gastronomia Victor Hugo de Oliveira, de 20 anos, seu cliente apresentava uma série de hematomas nas costas. “Havia claro sinal de tortura nas costas do Victor. Tanto que tem uma foto dos torcedores no ônibus da polícia e o meu cliente era o único de camisa, talvez porque suas costas estavam vermelhas, com marcas de pancadas por cassete. E ainda hoje não tivemos acesso ao exame de corpo de delito”, afirma o advogado Rodrigo Assef.
Além disso, apenas quatro das 31 pessoas presas aparecem nas imagens do estádio e das câmeras de televisões e celulares, de acordo com um dossiê produzido por familiares que o Brasil de Fato teve acesso. No inquérito da Polícia Civil também apenas quatro suspeitos foram identificados através de fotos anexadas ao processo, segundo informações divulgas na imprensa.
“A maioria das pessoas que foram presas não participaram da briga e quem participou não foi preso. Isso aconteceu porque a polícia não identificou os verdadeiros culpados e usou critérios equivocados para criminalizar os torcedores”, aponta uma torcedora, que pediu para não ser identificada, e que estava no estádio nesse jogo. “Alguns dos presos estavam fora do Maracanã na hora da confusão e podem comprovar isso como o horário de ingresso no estádio. Outros estavam longe da confusão e tem imagens mostrando isso”, garante a torcedora que conhece parte dos jovens que estão encarcerados em Bangu.
O enfrentamento entre a polícia e os torcedores aconteceu antes da partida e as prisões foram feitas ao final do jogo. Os vídeos do dia mostram que a confusão começou quando seis policiais tentavam reprimiram torcedores corintianos que discutiam com flamenguistas, próximos ao alambrado que separavam os dois grupos.
“Estava claro que essa quantidade de policiais era insuficiente para conter o número de pessoas. A maior parte dos PMs estava do lado de fora do estádio, pois foram chamados para conter uma invasão de torcedores do Flamengo que tentavam entrar sem ingresso”, relata a torcedora corintiana.
Em menor quantidade, os policiais que batiam com cassetete começam a apanhar dos torcedores. Pelo menos três PMs aparecem nos vídeos dando e recebendo golpes. A torcedora conta que quando o jogo acabou os policiais informaram que a torcida do Corinthians deveria permanecer no estádio até que os flamenguistas se retirassem, o que é de praxe em grandes clássicos. Primeiro, separaram mulheres e crianças de um lado e homens de outro. Logo em seguida outra separação entre torcedores comuns, que foram liberados, e torcida organizada, retida pelos PMs.
Depois disso, segundo relatos de familiares, teria começado uma sessão de tortura a um grupo de torcedores organizados. “Dentre os cerca de 3 mil homens torcedores sem camisa, aparentemente baseando-se em biótipos (geralmente barbudos, tatuados, carecas e gordos) selecionaram 64 deles. Eles foram levados para uma área interna do estádio, sem monitoramento de câmeras de segurança, e submetidos a uma intensa sessão de torturas físicas e mentais”, diz o relato dos familiares contidos no dossiê.
“Os policiais estavam procurando um torcedor que tinha batido em um policial muito querido pela corporação. Essa pessoa era gorda, então começaram a separar todos os homens gordos. Depois aqueles que tivessem tatuagem do time. Esse era um dos critérios, aleatórios”, denuncia a torcedora corintiana.
O advogado Rodrigo Assef confirma o relato e afirma que seu cliente foi estigmatizado. “Ele está acima do peso e tem tatuagem. Como é estudante de gastronomia tatuou alimentos como tomates e cebolas no braço. Inclusive tenho imagens de vídeos que mostram que ele está bem longe da confusão”.
Rodrigo Assef também questiona o critério usado pela PM. “Seis policiais reconheceram mais de 30 pessoas, entre 3 mil homens. Eles têm uma memória espetacular ou essa história está mal contada”, diz o advogado.
Outra questão apresentada pelos familiares é que no dia da prisão os acusados não tiveram acesso a advogados durante o depoimento. Segundo testemunhas, as torcidas do Corinthians teriam se organizado rapidamente para enviar advogados às delegacias, mas foi negado a eles a informação sobre a localização das delegacias. Essa informação foi confirmada por familiares que preferem permanecer no anonimato para evitar retaliação aos parentes.
A assessoria de imprensa da Polícia Civil do Rio de Janeiro informou que durante depoimento ao delegado a polícia não é obrigada a conceder esse direito ao depoente. Entretanto o argumento é rebatido por Rodrigo Assef. “Se o advogado estiver na delegacia e quiser acompanhar o depoimento o delegado é sim obrigado a conceder o direito”, afirma o advogado criminalista.
Fotos enviadas pelas famílias dos torcedores mostram um homem com as costas completamente machucadas, outro com corte na cabeça e um terceiro homem com o nariz aparentemente fraturado, sangrando.
“Os presos foram mantidos encarcerados por 20 horas, sem nenhuma assistência médica e havia um detido que durante a sessão de tortura teve seu nariz fraturado. Também ficaram sem alimentação ou higiene pessoal, caracterizando claramente a continuação da prática de privações e tortura”, descreveu o dossiê produzido por familiares. Outro ponto de preocupação é que um preso com câncer de pele, não estaria recebendo atendimento especializado.
Rodrigo Assef afirma que os advogados que cuidam do caso estão esperando ter acesso aos exames de corpo de delito para apresentar denúncias de violações na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Essa semana foi aberto o prazo para a defesa apresentar as provas técnicas e agora a defesa aguarda a data da audiência com a juíza. Além disso, um habeas corpus, que foi negado em primeira instância, agora tramita em segunda instância e o resultado deve sair nos próximos dias.
Polícia Civil
Procurada pelo Brasil de Fato, a Polícia Civil afirmou, em nota, que realizou todos os procedimentos referentes à prisão dos autores seguindo o princípio da legalidade e com absoluto respeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão, como exigem a Constituição e o Código de Processo Penal. Ainda segundo a polícia, a prisão em flagrante dos autores, após realização de exame de corpo de delito, foi submetida ao Poder Judiciário, que após a audiência de custódia e representação da autoridade policial, decretou pela prisão preventiva dos mesmos.