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Dr. Allen Frances visitou o Brasil em setembro para o lançamento de seu livro, “Voltando ao Normal” pela editora Versal, e falou com a Fórum sobre o excesso de novos transtornos catalogados anualmente. Ele trabalhou em três diferentes revisões do Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais (DSM)
Por Letícia Sé e Matheus Moreira
A dificuldade de cuidar de doentes mentais ou mesmo de classificar as doenças que fazem parte de suas vidas não surgiu nos últimos anos. A insanidade psíquica é um tema delicado na história do Brasil - principalmente quando são relembrados períodos não-democráticos, como a ditadura militar.
O Hospital Colônia de Barbacena foi palco do holocausto brasileiro entre as décadas de 1960 e 70, assim chamado devido ao assustador número de mortos no período (estimados em 60 mil). Os pacientes-prisioneiros chegavam ao local em trens, sendo depois encaminhados ao hospital onde sofreriam maus-tratos e violações de direitos humanos. Além disso, o manicômio foi um pano de fundo usado para que também presos políticos e minorias fossem aprisionados, torturados e mortos.
E se nas últimas décadas as doenças mentais foram usadas por instituições como uma justificativa de segregação e extermínio de pessoas marginalizadas, hoje a psiquiatria desenha proximidades com o passado – mas sem pretextos políticos. Há um cenário de classificação exagerada de doenças, em que se tratam como patologia diversos fenômenos que compõem o cotidiano. Estima-se que 23 milhões de brasileiros enfrentam doenças e transtornos mentais, sendo ao menos 5 milhões em níveis de moderado a grave.
“É perigoso rotular os problemas comuns da vida como transtorno psiquiátrico”, explica dr. Allen Frances, psiquiatra pela Cornell University, no estado de Nova Iorque, em entrevista para a Fórum. Frances trabalhou em três diferentes revisões do Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais (DSM), sendo hoje um grande crítico da edição mais recente, DSM-V. O Manual é como uma bíblia da psiquiatria, em que doenças são catalogadas e revisadas. É a partir dele que profissionais da saúde mental ao redor do mundo trabalham, além de companhias de seguro, da indústria farmacêutica e de organizações governamentais.
O especialista nada contra a corrente atual de seu campo. Ele observa o crescimento da tendência de diagnósticos desnecessários, que leva muitos pacientes a usarem medicamentos e deixarem de trabalhar em mudanças produtivas no relacionamento social. “O sofrimento associado com a maioria dos problemas da vida é transitório. As pessoas superam naturalmente, com o apoio da família e reduzindo o stress. Se você tomar uma pílula, é provável que dê a ela um crédito que não merece e prolongue seu uso, mesmo que não seja realmente preciso”, argumentou Frances.
Mas isso não quer dizer que doenças mentais não existem, e sim que a linha que separa distúrbios de problemas normais da trajetória de vida é tênue. “As pessoas precisam procurar ajuda se sintomas demorarem muito a passar, causando prejuízos. A melhor proteção contra um tratamento exagerado ou falta de tratamento é ser um consumidor informado. Estude na internet e faça muitas perguntas a seu médico”, explica.