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Samuel Milet, da Universidade Federal de Rondônia, passou a agredir a pesquisadora Sinara Gumieri depois que ela deu uma palestra sobre gênero no curso de Direito; estudantes promovem abaixo-assinado pedindo a responsabilização do professor
Por Maíra Streit
Durante uma aula de Direito das Sucessões da Universidade Federal de Rondônia, na última quinta-feira (20), o professor Samuel Milet chamou de “vagabunda” a advogada e pesquisadora Sinara Gumieri, que havia dado uma palestra para estudantes sobre a importância de se falar sobre gênero no campo do Direito.
Ao ser questionado por uma aluna sobre seu posicionamento, Milet seguiu com uma série de insultos e discursos de ódio. Durante a conversa, ele se referiu à profissional como "bostinha" e “sapatona doida”. Diante disso, foi criado um abaixo-assinado, destinado ao Departamento de Ciências Jurídicas e à Reitoria da universidade, para que o professor seja responsabilizado pela atitude.
“Considerando a ausência de civilidade e urbanidade com que o docente conduziu a aula, bem como a flagrante manifestação de desapreço por outra pesquisadora, todas condutas vedadas aos agentes públicos, que não homologue a avaliação de estágio probatório do docente em questão”, pede o documento, que já conta com quase 3 mil assinaturas.
O áudio de cerca de 15 minutos com a gravação das ofensas pode ser conferido aqui.
Para apoiar o abaixo-assinado, clique aqui.
Leia a seguir a transcrição do diálogo em que Samuel Milet faz declarações machistas contra a palestrante e a temas relacionados à igualdade de gênero.
Professor: Sinara Gumieri, já pode, já? Sinara Gumieri, aquela vagabunda, entendeu? Defensora de aborto, de gênero. Vagabunda. Mande pra ela me processar, que eu provo que ela é. O pior sabe o que é? Não é a pessoa que fale, o pior crime é a omissão. O teu corpo é teu?
Aluna: É.
P: Mas a vida não é. Então aquilo que tá dentro de você não é seu, porque é vida. Pode falar.
A: O senhor assistiu quantos minutos de palestra?
P: Quando fala em aborto eu não assisto nem meio.
A: Eu acho então que o senhor não pode falar nada da palestra se não assistiu ela toda. Assim, é um achar meu.
P: Tá, então o que é que você quer que eu diga do aborto. O que é que você julga que é bom do aborto?
A: Eu não quero discutir isso com o senhor, porque eu acho que a gente não tá nessa discussão.
P: Mas é exatamente. Aquela mulher, aquela bostinha, cocô; ela foi lá não foi pra dar uma palestra. Ela não foi pra um debate, porque ela falou sozinha. Aí quando tocou no assunto do aborto eu tive que me manifestar, dei as costas, soltei um peido e fui embora.
A: Professor, se o senhor tivesse ficado até o final o senhor teria percebido que metade da noite foi feita de perguntas e respostas. Inclusive pessoas com posicionamento contrário falaram no evento.
P: Sim, mas ela falou quantas horas ali?
A: Ela falou 45 minutos.
P: E os que iam fazer uma pergunta gastaram quantos segundos?
A: Mais de minutos.
P: Porque um debate não é assim, não. Um debate é isso aqui que a gente tá fazendo.
A: Mas justamente. Foi um debate, é porque o senhor não ficou até o final. O debate, em todos os dias de palestra, funcionava assim: acontecia uma palestra, uma exposição oral que era a ideia do evento, depois era aberto pra um debatedor da mesa que era sempre um representante da casa pra ele falar, e após isso era aberto ao público. E todas as pessoas que quiseram se manifestar perguntaram e foram respondidas.
P: Então eu vou falar agora e eu vou usar o mesmo espaço que ela teve. Eu agora vou debater. Tá? Em primeiro lugar, uma questão de gênero. Aonde foi que se discutiu direito ali? Porque a semana era acadêmica de direito.
A: Falaram de Maria da Penha várias vezes.
P: E o que a Maria da Penha tem a ver com transexuais?
A: É direito também, professor. Se é uma demanda social também é direito.
P: Os transexuais têm o mesmo direito que qualquer um, sem dúvida. É ser humano…
A: Mas gênero não é só transexual.
P: Pera aí. Deixa eu falar. Eu falo e depois você fala. Você é petista, pelo jeito.
A: Sou não, professor. Sou não.
P: Porque petista que é assim. Não deixa a gente falar. Deve ser PSOL então. Ou é PSTU.
A: Também não. Eu não tenho nenhum posicionamento de esquerda.
P: Então deixa eu falar. Os transexuais, seja homem ou mulher, GLBT, SBT, Record, o que for, eles são humanos. Humanos, tá? E como humanos eles têm direitos. Agora a questão de gênero que estão querendo incutir em nós é o seguinte: você nasce com uma rola, mas é você quem vai decidir se é homem ou se é mulher, tá? Agora tudo bem, decida. Só que a Lei Maria da Penha foi feita para as mulheres no âmbito doméstico. Os homossexuais, os trans, têm direito? Têm. Eu já falei aqui, mas então vamos fazer uma lei pra eles. Que eles têm direitos, eu acho que têm. Eles não podem ser vítimas da sociedade. Agora usar a mesma lei que eu defendi para você, mulher, e dizer que serve pra ele? Não! Pra ele tem que ter uma lei igualzinha, só que destinada exclusivamente pra ele. Assim como eu não vou permitir nunca que um homo, um trans, um gay entre no banheiro em que minha esposa esteja lá porque eu quebro ele todinho de porrada. Inclusive tinha uma sapatona que foi aluna minha, gente finíssima, ela disse: professor, eu tenho uma vantagem na frente de vocês. Quando tua mulher vai no banheiro eu vou também, que eu entro lá e fico olhando. A bicha é boa. Entendeu?
Então, se têm direito? Têm! Eu não tô roubando o direito de ninguém, eu só não aceito que seja a mesma lei. Então se a Lei Maria da Penha foi criada, ela foi feita para as Penhas e transexuais não é Penha. É Penho. Então vamos fazer a lei do Maria do Penho porque não pode sofrer a maldade humana. Isso é gênero? Não, isso é homem com opção sexual, a mulher com opção sexual. Esse negócio de gênero é PT, meu bem. É PT quem inventou isso. O PT afasta as pessoas. Antes o Brasil era formado de pessoas, hoje o Brasil é formado de classes. Você viu os gays que estão aí querendo cotas, você tem as mulheres que estão querendo…. Olha, tu como mulher, tu, tu, tu e tu não fizeram nada para ter os direitos que vocês têm.
A: Eu faço, inclusive peço para calarem a boca quando pessoas têm esse tipo de discurso e falam isso na minha frente.
P: Pois eu provo. Só que você pode pedir pra eu calar, eu não vou calar.
A: De todo o direito seu.
P: Quer que eu prove? Quer que eu prove? Vocês sabem quando foi que as mulheres entraram no mercado de trabalho? Foi porque elas lutaram pra isso? Não! Foi porque os homens foram pra guerra e faltaram pessoas pra movimentar as indústrias. 53% da população é formada por mulheres, e quantas deputadas Rondônia tem? Uma federal. E quantas estadual? Duas, mas agora é uma só porque a outra virou prefeita.
A: Professor, e é justamente por isso que a gente precisa falar de gênero.
P: Quantas vereadoras? Uma. Então vocês não gostam de mulheres. A mulher não gosta da outra, é inimiga.
A: Como não? Eu votei nela, eu votei nela.
P: Presta atenção. A Lei Maria da Penha….
A: Como que eu não gosto de mulher se eu votei nela?
P: Pronto… Parabéns.
A: Pois é, representatividade.
P: Só que você não é 53%. Você é exceção. Vamos pra regra.
A: Não, professor, a questão é que quando a gente trata das exceções e coloca elas para falarem num evento acadêmico o senhor entra dentro de sala e fala: isso não é direito. Eu acho isso um posicionamento absurdo.
P: Eu liberei a turma foi pra estudar direito.
A: Não foi o senhor quem liberou, foi o departamento, professor.
P: Não, não. O departamento não libera, não.
A: Isso foi liberado em reunião departamental.
P: Presta atenção. Outra coisa que você não sabe: o departamento não pode interferir em faltas. É tanto que eu já disse antes de você entrar no grupo: eu não aceito e eu vou pro Ministério Público Federal. E vou derrubar quem tiver que derrubar se contra a minha vontade um aluno tiver a falta abonada. Olha, eu tenho que dar 40 horas-aula. Se vocês querem fazer jogos, isso aí, vocês façam fora do meu horário. Porque não tem departamento no mundo que mude lei.
A: Tudo bem, é um posicionamento seu.
P: Não é não, é da lei.
A: Mas eu não posso me manter omissa quando o senhor chega dentro de uma sala de aula e fala que não é direito um evento acadêmico em que, se o senhor tivesse comparecido nos demais dias, o senhor poderia ter verificado. Foram mestres e doutores em criminologia, doutores em filosofia, foram juízes. Ela é mestre em direito, a Sinara Gumieri. Ela é mestre em direito da UnB.
P: Não. Ela é uma sapatona muito doida.
A: E se ela quiser ser o problema é dela. A vida é dela.
P: E que veio com uma ideologia petista. Porque eu odeio o PT, veio com uma ideologia petista e vocês bateram palmas de pé.
A: Professor, o senhor pode achar o que o senhor quiser, mas a questão é que o senhor não pode ferir a dignidade de alguém xingando ela pra outras pessoas.
P: Então me processe.
A: Não, eu não tenho que lhe processar em nada.
P: Mande ela me processar.
A: Olhe, se o senhor me chamar de vagabunda, aí eu posso fazer alguma coisa.
P: Mas é porque você ainda não fez por onde. Mas no dia que você fizer…
A: E o senhor sabe? O senhor sabe da minha vida por aí? Porque se eu quisesse ser uma vagabunda também era uma coisa minha e o senhor não tinha que falar nada disso.
P: E se eu quiser chamar é coisa minha e depois a gente discute na esfera jurídica, se é que vai chegar lá. Agora, um direito que eu tenho, e isso é constitucional, é o de livre manifestação.
A: Sim, isso o senhor tem de verdade. E eu também tenho o direito de falar que a sua manifestação é que o senhor está expondo pra um grupo muito grande uma manifestação que está um pouco obscura, porque o senhor está falando de uma coisa que o senhor não conheceu por completo. É só isso que eu estou me manifestando.
P: Olhe, em Rondônia, 85% da população é evangélica. E eu soube que 100% lá era batendo palmas de pé. Então eu não sei onde está o grau de religiosidade dos que estavam lá, porque aplaudir qualquer discurso sobre aborto é aplaudir, é bater palmas pra morte. Ah, mas um quarto das mulheres abortam. E metade do Brasil fuma drogas também, então vamos liberar. A lei diz que matar é crime, que não deve matar, mas todo dia morre gente, então vamos liberar o homicídio também. Então vamos ponderar o que aquela moça que chegou lá pra falar. Ela quis dizer o seguinte: que as pessoas que não são, as pessoas que optarem ser homossexuais devem ser vistos como mulher, se ele for homem. E que deve ser visto como homem se ele for mulher. A opção de cada um é de cada um, agora dividir com a minha lei Maria da Penha que eu ajudei a inventar? Eu não editei Lei Maria da Penha não foi pra transexuais, não, eu editei foi pra mulheres no âmbito familiar. Agora, os transexuais devem ser protegidos? Devem. Vamos fazer uma lei pra eles. Eu ajudo a fazer também. Eu não quero tirar o direito de ninguém.
Agora, trazer pras Universidades ideologia de sapatão, de petista… Eu morro, eu morro defendendo minhas convicções. E minha convicção é que o crime mais nojento que existe é o aborto. E vamos acabar com esse negócio. Você é dona do seu corpo? Então faça a doação dela em vida, que importa em diminuição, pra dizer que não é seu o corpo.
Você tá dizendo que a vida é sua? Eu digo que ela não é.
A: Professor, eu não tô defendendo aborto aqui, não.
P: Mas se bateu palmas é porque defende. Bater palmas é aceitar.
A: Professor, eu posso concordar com 90% do que uma pessoa diz, eu vou criticar ela e chamar ela de vagabunda só porque ela disse uma coisa que eu não concordo?
P: Eu chamo do que eu quiser. Porque eu tenho coragem, eu não sou hipócrita.
A: Só que eu acho que a partir do momento que eu discordo com a posição de alguém, isso não me dá o direito de chamar ele de nenhuma coisa. Assim como eu não posso chamar o senhor de nada, porque a sua pessoa não tem a ver com as suas ideias, entendeu?
P: Não. A minha pessoa tem a ver com as minhas ideias. Pode ter certeza.
A: A sua dignidade como pessoa eu não posso atacar pelas suas ideias, pelas quais eu não concordo, como o senhor pode ver aqui.
P: Você pode não concordar. Agora eu estou explanando o que eu penso e que eu luto por isso. Eu sou contra a ideologia de gênero.
A: Justamente, o senhor falou que a manifestação de pensamento é livre para todo mundo, mas o senhor prega que um pensamento contrário ao seu não deve ser professado só porque é contrário ao seu.
P: Eu não preguei nada.
A: O senhor falou que não deveria colocar num evento acadêmico porque isso não era direito. O senhor está querendo cercear a nossa ideia.
P: Pois agora se depender do meu voto e do meu poder enquanto operador do direito, se eu ver o diretório, o chefe de departamento tirar falta de aluno eu vou pro Ministério Público Federal e derrubo gente. Porque eu tenho que dar 40 horas-aula. Quem quiser jogar futebol, quem quiser fazer, faça fora do horário noturno, ou pelo menos que tenha cuidado com a minha disciplina.
A: Professor, o senhor sabe que a gente tem cargas extras a cumprir, né? Eu não tô falando de jogos, porque aí realmente é uma opinião sua. Mas a gente tem cargas fora da sala de aula pra cumprir, o senhor quer que a gente cumpra essas cargas fora de sala de aula em que horário?
P: Desde que seja depois das 40 horas, depois das 80 horas.
A: Aí o senhor quer que a gente cumpra elas no sábado? No domingo? Porque no sábado a agente já tá fazendo. No domingo também?
P: Aí eu não sei, aí é problema seu. Tá? Eu só quero dizer o seguinte: se vocês tivessem vindo pra aula teria mais proveito do que assistido aquela palestra.
A: Pra ver alguém ser chamada de vagabunda em sala de aula?
P: Não. Porque ela só foi chamada depois que ela professou o crime de aborto.
A: Pra ficar ouvindo piada de estupro em sala de aula?
P: Você é petista. É petista.
A: Sou não, professor. Eu nunca votei em ninguém do PT e tenho orgulho de dizer isso. Nunca votei em ninguém do PSOL, do PT e do PMDB. A questão é que eu tenho um posicionamento meu e o senhor não está respeitando.
P: Eu tô respeitando, sim.
A: Não.
P: E o que eu estou fazendo contra você? Eu tô te expulsando da sala de aula? Eu tô dizendo que vou lhe reprovar?
A: Não, porque eu não estou lhe dando nenhum motivo pra isso.
P: Eu estou dizendo que vou te reprovar?
A: Não.
P: Pois é, eu respeito a sua opinião.
A: O senhor está dizendo que eu sou petista de uma forma como se fosse ofensivo. E quem quiser ser que seja.
P: Porque você usa exatamente o mesmo sistema petista de manifestação. Você tá falando que eu não posso falar porque eu chamei ela de vagabunda e reitero? Você só tá usando isso. Você não tá discutindo o tema, não.
Outro aluno: Professor, dá pra gente tratar desse ponto fora de sala?
A: Não, mas foi escolhido tratar dentro de sala.
P: Faça uma representação contra mim.
A: Pode deixar.
P: Faça uma representação contra mim. Eu tenho o direito de me manifestar. A disciplina é minha. Reclame. Você é autoridade. Reclame. Agora não venha me dizer o que eu tenho que fazer não, porque eu faço isso há 19 anos e eu estou me manifestando aqui enquanto pessoa. Não é como professor, não. É como pessoa. Agora se você está achando ruim, quem tem que sair é você porque eu continuo.
Eu só não faço é ficar calado quando eu vejo falar em aborto, porque aí mexeu comigo.
Outra aluna: Ô professor, deixa a gente fazer…
P: E eu tenho vergonha de quem levantou e bateu palma pra aquela moça. Tenho vergonha. Porque se ela tivesse falando de direito, de coisa que não fosse opinião própria dela e pra meia dúzia de gato pingado, aí tá certo. Mas bater palma pra quem professa aborto, bater palma pra quem quer mudar o mundo? Cada um tem suas opiniões e eu tô expressando a minha e eu respondo pelos excessos.
Pode ter certeza que eu estou aqui na UNIR não é por causa de um salário, não… Se tivesse eu teria muito dinheiro, se fosse pra abaixar a cabeça. Assim como eu dei as costas lá praquela moça. Que eu chamei de vagabunda, todo mundo viu. Aí estou esperando o processo.