18 adolescentes contra a redução da maioridade penal e seus argumentos

Quem mais sentirá os impactos da redução da maioridade penal serão os jovens, então nada mais justo do que ouvi-los sobre a questão. Dezoito motivos para que o Brasil seja coerente com os avanços obtidos até aqui na promoção e garantia dos direitos de crianças e adolescentes

Escrito en DIREITOS el

Quem mais sentirá os impactos da redução da maioridade penal serão os jovens, então nada mais justo do que ouvi-los sobre a questão. Dezoito motivos para que o Brasil seja coerente com os avanços obtidos até aqui na promoção e garantia dos direitos de crianças e adolescentes

Do Jornal GGN, em parceria com Portal Aprendiz e Promenino 

Nas horas mortas da madrugada, acontece muita coisa no Brasil. Na calada da madrugada de quinta-feira (2), o Congresso Nacional, liderado por Eduardo Cunha (PMDB), votou a redução da maioridade penal um dia após a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171 ter sido derrotada em plenário. Ao todo, 513 deputados, em sua imensa maioria homens, brancos, com mais de cinquenta anos, protagonizaram um golpe na democracia e no futuro da já tão vulnerável  juventude brasileira.

Basta olhar para os dados: Quase metade (46%) dos adolescentes entre 16 e 17 anos mortos em 2013 foram assassinados. É o que comprova o Mapa da Violência, estudo coordenado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz e divulgado nessa segunda-feira (29.6).

Na Região Nordeste, que lidera a lista, são 73,3 jovens mortos a cada 100 mil, no mesmo período. “A taxa brasileira é 275 vezes maior do que a de países como Áustria, Japão, Reino Unido ou Bélgica, que apresentam índices de 0,2 homicídios por 100 mil. Ou 183 vezes maior que as taxas da Coreia do Sul, da Alemanha ou do Egito”, aponta o estudo. Para 2015, projeta-se que 3.816 adolescentes dessa idade sejam mortos no país.

Se você é negro, as chances de morrer são três vezes maior do que se você for branco: 70% das vítimas de homicídio no país são negras, avisa a Anistia Internacional, que mantém a campanha Jovem Negro Vivo. Dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida, enquanto os homicídios representam cerca de 37% das causas de morte na juventude. Para a população total, a porcentagem é de 4,8%.

Quem assistiu à votação, passou ao largo dessas informações. Quem acompanha o processo, teve que aguentar uma suplício de retóricas chantagistas e emotivas, e uma constante evocação aos cidadãos e cidadãs de bem do país. Faltavam dados que justificassem a alteração constitucional, sobravam gritos. Na ausência de bons argumentos, sobrava a força das coligações políticas e dos conchavos entre congressistas. Afinal, os jovens brasileiros são muito mais vítimas da violência do que agentes.

A PEC 171 ainda tem que passar por mais uma votação na Câmara, ao sabor da volatilidade e conveniência dos deputados, e pelo Senado Federal. A emenda constitucional, então, será submetida ao Superior Tribunal Federal (no fechamento deste texto, a hashtag #AnulaSTF está em terceiro nos Trending Topics do Twitter Mundial e em primeiro no Brasil).

Para não falar só de maus exemplos, fomos atrás daqueles que raramente são ouvidos. Reunimos dezoito vozes, dezoito adolescentes. Dezoito motivos para que o Brasil seja coerente com os avanços obtidos até aqui na promoção e garantia dos direitos de crianças e adolescentes.

A redução não vai acabar com a violência, os jovens de 16 a 18 são responsáveis por apenas 1% dos crimes no país, essa parcela é muito pequena, além do fato de que a causa da violência não é decorrente da individualidade, mas de um contexto social dado. Ao encarcerar o jovem,  a gente não vai reintegrá-lo, porque o sistema carcerário é falho, violento, superlotado e vai servir como uma escola do crime. A lei serve a quem? Todo projeto de lei é ideológico, ou seja, serve para alguma classe social ou algum grupo da sociedade. A quem serve reduzir a maioridade penal? Ao jovem branco da USP? A Polícia Militar serve a classe dominante e atua sobre o preto, pobre, da periferia. A solução verdadeira é a educação pública de qualidade, saúde, acesso ao lazer e cultura para esses jovens e não o encarceramento.”

Tiago G., 16, militante do Levante Popular da Juventude

“Sou contra a redução, pois creio que para um país melhor a alternativa correta não é colocar menor de idade na cadeia com pessoas que cometeram crimes piores que os deles, e sim investindo na educação, cultura e lazer para adolescentes em regiões carentes. Não basta querer tratar o efeito, temos que tratar a causa. Não adianta querer prender o adolescente se não existe espaço nem para um adulto no sistema prisional brasileiro. E reduzir a maioridade não reduz a violência! Países que reduziram a maioridade para 16 anos estão voltando atrás, pois entenderam que isso não muda os dados de violência dentro de um país. Se essa lei entrar em vigor, o Brasil estará retrocedendo.”

Taynara S., 17, estudante em São Paulo (SP)

“Nunca havia me perguntado qual o sentido da redução. Há dois anos, meu irmão e dois amigos foram presos, autuados em flagrante pelos policiais no artigo 157 [roubo], mesmo sem nenhum dos ‘suspeitos’ (coincidentemente pobres e negros) estarem armados. Contraditoriamente, a vítima do ocorrido não os reconheceu, invalidando o depoimento dos policiais. Mas o maquinário do Judiciário é racista e indolente: os três ficaram um ano e meio presos no Centro de Detenção Provisória de Suzano (SP), com capacidade superlotada. Um ano e meio entre visitas, choros, bombas, depressão, abandono, ódio de todos os lados e alguns pingados de esperança – até que, finalmente, foram absolvidos e a liberdade cantou. Hoje, eles tentam se reinserir numa sociedade que sempre nos marginalizou. A redução implica a retirada de direitos das crianças e adolescentes que já tiveram sua infância roubada por um Estado que não oferece suporte para os mesmos serem o que são: adolescentes e crianças.”

Wellington A. S. L., 18, estudante de Ciências Sociais no Mato Grosso do Sul (MS)

“Sou contra a redução da maioridade penal por um motivo simples: sou a favor da educação. Precisamos de mais jovens aprendendo a ser cidadãos, não bandidos. Reduzir não irá diminuir a criminalidade, mas aumentará nossa população carcerária que já é a 4ª maior no mundo. Falando em mundo, a maioridade aos 18 é uma tendência e um compromisso mundial: 191 estados-membros da ONU determinam a maioridade aos 18 anos, que foi estabelecida na Convenção sobre os Direitos da Criança. O jovem é a vítima e não o culpado. O Estado tem compromisso com sua proteção e educação – e nós, como população, devemos dizer não à redução.”

Letícia D., 18, estudante de Relações Internacionais no Guarujá (SP)

“Os altos índices de violência no Brasil são um fato, mas não podemos acreditar em tudo que nos falam, muito menos acreditar que somos nós, os jovens, os principais causadores. Somos mais vítimas e existem dados que comprovam isso! Sou contra a redução porque isso não vai diminuir violência nenhuma. O jovem que for preso junto com adultos que cometeram crimes absurdos vai sair mais odioso e cometerá crimes piores. Falta tanta coisa nesse país. Faltam escolas de qualidade, faltam lugares para lazer, faltam espaços de cultura e esporte, e mais um monte de coisa. A cadeia brasileira é uma escola do crime, e não é desse tipo de escola que precisamos. Não mesmo!”

Maria T. S. S., 14, militante do coletivo Juntos e estudante de Acaraú (CE)

“Sou contra por uma simples questão: sou jovem, negro e morador de periferia. A redução nos coloca como principais culpados na questão da violência, isso é o que a mídia faz o tempo todo. E, na verdade, somos vítimas. Tirar do foco os deveres do Estado em relação à educação, saúde, lazer, cultura e esporte, é o mesmo que lavar as mãos para a juventude e condená-la à cadeia. Os jovens que se colocam a favor demonstram falta de informação e não entendem que eles serão os grandes prejudicados. Morremos todos os dias também e para isso ninguém dá bola. A redução da maioridade penal tira os direitos da juventude e isso é um grande retrocesso.”

Jonathan M., 17 , jovem mobilizador na Viração (SP)

“Sou contra a redução da maioridade penal porque vamos pagar caro. E por culpa de um Estado que não investe e nunca investiu na educação. Penso que, caso seja preso ao lado dos que cometeram crimes muito maiores, o adolescente (como eu) dará inicio a sua vida no crime. ‘Com 16 anos já vota’, ‘Quem vota para presidente já pode arcar com os seus atos’. Desculpem-me os favoráveis, mas o que mais vejo no meu dia a dia são adolescentes que esperam o voto ser obrigatório para então votar. E sabe o que eles alegam? Terem medo ou ainda não se sentirem prontos para uma decisão dessas. Nem sempre eles têm sã consciência de seus atos. Alguns agem por impulso. Se estamos discutindo a redução da Maioridade Penal – que agora foi aceita depois de um golpe – é porque fomos e somos vítimas de um Estado que não pensou na juventude, que não liderou para a juventude, que não votou ontem em prol da juventude. Sou Redução NÃO porque nem sempre aquele que a gente chama de bandido teve a oportunidade de ser aluno.”

Ana Lidia R. P., 15, estudante de Lima Duarte (MG)

“Acho que jovens não deviam estar presos com adultos. Porque lá podem bater nele, fazer mal para ele. Para melhorar a situação, deviam aumentar os lugares de cultura e educar os filhos. E é só isso! Acho legal ouvir a opinião dos jovens, porque não são só os adultos que podem falar.”

Pablo P., 12, estudante e integrante do Fórum da Criança e do Adolescente (FOCA) Pinheiros, em São Paulo (SP)

“Eu sou contra porque é um menor, ele erra ao apontar arma, matar, a pergunta que fica é “Como a arma chegou até ele?” Dá pra perceber que o principal motivo para que o governo reduza a maioridade penal é criar mais Fundações Casa, colocar mais gente na cadeia sem ter uma segunda chance, um plano B. O adolescente deve ser punido se errar, mas não ser preso, assim ele vai ser julgado como um adulto, quando deveria ter acesso aos serviços sociais, escola, biblioteca, cursos. Eu sou 1% a favor e 99% contra a redução. Quero mais escola porque redução não é solução.”

Gabriel V. R., 17, estudante do Ensino Médio em São Paulo, conhecido como Biiell da Rima

“Não concordo porque tem muito policiais corruptos, não todos, mas tem muitos. Se eles pegam algum jovem na rua, mesmo que seja inocente, ele vai preso sem ter feito nada e vai pagar pelo crime que não cometeu. Antes de mexer nisso, teria que mexer no Sistema da Justiça. Eu acho que precisa melhorar tudo isso, não fazer o que eles querem fazer agora, deveria dar mais educação para os jovens e não jogar na prisão e deixar que nem um bicho.”

Lincoln A. S. S., 16, estudante em Paraisópolis, zona sul de São Paulo (SP)

“Ontem eu estava conversando com a minha mãe, que disse que é a favor da redução. A gente começou uma discussão porque eles querem investir em cadeias quando nem nas escolas eles investem. Tinha que começar pelo básico. Vamos investir nas escolas e quem sabe depois começar a pensar em outra coisa. Os jovens de periferia seriam os principais afetados porque, por serem da periferia, não terão um bom advogado. Se for um adolescente com dinheiro, ele pode cometer qualquer crime que vai passar batido. Eu acho que se tentasse fazer o jovem querer estudar, aprender – não prender ele dentro da escola, mas fazer ele querer ficar na escola – se incentivasse mais, já faria muita diferença, porque estudando você consegue emprego. E, com emprego, não precisa cometer crimes.”

Taís M., 17, estudante na Vila Albertina, zona norte de São Paulo (SP)

“Eu sou contra a redução, acho um absurdo, porque reduzir não vai fazer com que a violência em si diminua. O jovem comete um crime porque o Estado não soube atuar em sua formação. Uma boa educação é a principal forma de prevenir a violência, principalmente na periferia. A maioria dos jovens que vão sofrer com a redução são daqui, pois aqui dentro todo o controle do Estado na educação é ruim. Não tem outra coisa que vai livrar o jovem da violência que não seja a educação. Podem ter outras medidas, como melhorar as escolas e os salários dos professores, incentivar outras plataformas culturais e educacionais a se instalarem dentro da periferia, incentivar o esporte, o teatro, a musica, a arte em si, muita gente que se envolve com isso sai da vida do crime. Já existe uma forma do jovem ser penalizado: a Fundação Casa não é uma colônia de férias. As pessoas sabem disso? Sabem e fecham os olhos. O Estado também devia agir nesse ponto. As Fundações Casa devem ser mais bem equipadas.”

Gustavo J. T., 16, estudante no Jardim Índia, extremo sul de São Paulo (SP)

“O governo podia educar mais, colocar mais espaços de lazer para os jovens, reduzir a maioridade penal não vai reduzir o problema da violência. Mais espaços públicos, mais escolas, mais qualidade de vida. Faço parte de uma ONG contra a redução, e lá avisam sobre os acontecimentos, fazemos ciclo de debates, o grupo está bem interessado no tema e na luta contra a redução. Desde criança, o jovem periférico vê a realidade dele de morar em um lugar com pouca estrutura, pouca oportunidade, pouca qualidade de saúde, estudo, e moradia muito precária, e acha que uma forma de sustentar sua própria família é entrando pra vida do crime, mas nem sempre ele consegue sobreviver. Se o governo se interessasse mais pelos jovens e por nós, que moramos nas periferias, a criminalidade reduziria muito.”

Guilherme B. C., 15, integrante do Centro de Convivência para Crianças e Adolescentes (CCA) Gracinha, localizado em São Paulo (SP)

“Para mim, a questão da maioridade penal não deveria nem ser discutida hoje em dia, principalmente por causa do sistema carcerário péssimo do Brasil, lotado, onde evidentemente a maioria é de negros e pobres. A redução quer botar na cadeia um monte de jovem que não recebe educação de qualidade e só têm vivência de drogas e crime – o jovem que se relaciona com o crime são os marginalizados pelo sistema, o que é uma minoria. Primeiramente, temos que melhorar o sistema de educação do país. Se o jovem não tem acesso à educação e só tem a vida inteira de desgraça, ele vai se revoltar contra tudo. Temos que ter menos prisão e mais escolas. As pessoas que defendem a redução estão com um pensamento de vingança, acham que o jovem já tem noção do que é certo e errado aos 16 anos, mas não pensam na vida desse jovem por trás dessa cortina.”

Lucas G., 18, estudante de psicologia em Belo Horizonte (MG)

“Eu sou contra a redução porque não acho que é a solução para a violência. Já vi várias pesquisas sobre a aplicação da redução em outros países e não surtiu efeito – muitos, iinclusive, voltaram atrás na decisão. As pessoas veem que a violência está aumentando na cidade e estão querendo uma solução imediata, estão pensando que essa é a única solução, acham que vai diminuir a violência imediamente. Já vi matérias falando que adolescentes internados não recebem o tratamento que deveriam, tem muitas rebeliões, pois não recebem o suporte para se estabelecer psicologicamente, precisa melhorar esse sistema e também melhorar a educação pública e dar mais oportunidades aos jovens. Meus amigos estão contra, mas vejo alguns que não buscam mais informações e estão a favor. Falta interesse em pesquisar sobre o assunto, pois informação eles teriam de fácil acesso.”

Larissa A., 17, estudante de Belo Horizonte (MG)

“Sou contra a redução da maioridade penal. Colocar criança em prisão de adulto não vai resolver nada. Ela vai sair pior, com certeza! É uma questão de informação sobre o que acontece na cadeia. Eu sou a favor é da comunidade ajudar mais, melhorar a educação. Porque você sabe, né? Tem muita criança que não pode se realizar sem ter uma estrutura melhor.”

Gabriel A. M. S., 12, estudante e integrante do Fórum da Criança e do Adolescente (FOCA) Pinheiros, em São Paulo (SP)

“Ninguém sonha em ser bandido, em entrar no crime. Quem entra no mundo do crime também teve o sonho de ser advogado, executivo. Eles falam em ‘redução da maioridade penal’ no sentido de que o moleque só vai ser mais um preso, mais um que vai ficar na Fundação Casa. Minha avó costuma usar aquele ditado: “Cabeça vazia é oficina do diabo”. E é justamente o que os deputados e senadores estão falando, o fato de ocupar esses jovens só com cadeia. Não está na pauta deles aumentar o período integral na escola, por exemplo. Na minha visão, mudou muita coisa da década de 1990 para os anos 2000. Hoje, a maioria das pessoas da própria quebrada também é a favor da redução. Acho que os integrantes dos movimentos sociais, dos movimentos negros, de organizações políticas, todos se sentem culpados por isso. Eu também me culpo. Só se pensa em fazer intervenção cultural e artística no Centro, na Avenida Paulista. Eles se esquecem de fazer essa movimentação na quebrada, que é o princípio de tudo. É na quebrada que também se elege o deputado federal, não é só na USP, na Paulista. As pessoas que detêm o conhecimento e não o repassaram para a quebrada têm parcela grande de culpa nisso aí.”

Vinicius B. S., 17, estudante do Jardim Ivonete, zona lesta de São Paulo (SP)

“Para mim, a redução da maioridade penal é uma solução fácil. Usar essa justificativa da impunidade para colocar uma pessoa de 16, 17 anos na cadeia. A prisão é como se fosse uma escola de piorar pessoas! E quem comete esse tipo de crime, se isso fosse argumento, está impune de qualquer jeito. Na minha opinião, a saída é trabalhar mais com assistência social, ir atrás da fonte do problema. Muitas vezes, o adolescente que está no crime foi influenciado por um adulto que está por trás de tudo e não ir atrás de resolver isso será sempre uma falsa solução. Outra questão é que hoje o jovem tem muito acesso a informações e sabe tanto quanto os adultos e qualquer deputado sobre esses temas, por isso um espaço aberto de discussão é importante para que a gente expresse o que vê e pensa. Sou estudante e gosto de escrever poesia e trabalhar em biblioteca, onde atuo como voluntário.”

André M., 14, estudante do Butantã, zona oeste de São Paulo (SP)