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Estudo mostrou que as unidades de internação que recebem garotas acabam reproduzindo o preconceito da sociedade, tornando a experiência ainda mais dramática para elas, que têm menos direitos do que os colegas homens. A visita íntima, por exemplo, é um benefício exclusivamente masculino na prática; também há relatos de meninas obrigadas a fazer faxina e lavar as roupas dos internos
Por Maíra Streit
Uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com a Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), buscou traçar um panorama do universo vivido pelas adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em unidades de internação. As cinco regiões do país foram representadas pelos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Pará, Pernambuco e também pelo Distrito Federal.
O estudo mostrou que o padrão das adolescentes é formado por garotas pobres, majoritariamente negras e moradoras de bairros periféricos. A grande maioria delas não possui passagens anteriores nessas unidades, com exceção das apreendidas por tráfico, em que a reincidência é mais presente.
De acordo com os últimos dados nacionais oficiais, o Brasil possui 11.463 garotos internados, enquanto o número de meninas é de 578. A quantidade consideravelmente menor, aliada à questão do machismo arraigado na sociedade, faz com que as demandas delas permaneçam esquecidas e tornem a vivência institucional ainda mais dramática do que a dos meninos.
Em nenhuma das unidades verificadas pelas pesquisadoras as adolescentes estavam autorizadas a receber visita íntima. No entanto, muitas delas possuíam companheiros(as), namorados(as), por vezes já moravam com eles(as) ou tinham filhos, representando uma violação ao direito à sexualidade. O relacionamento homoafetivo no interior das instituições é bastante comum, embora proibido e passível de sanções.
De acordo com o artigo 68 da Lei 12.594/12, que criou o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), é assegurado ao adolescente casado ou que viva em união estável o direito à visita íntima. Na prática, contudo, as meninas não desfrutam desse benefício.
“Só os meninos que têm esse direito, nós não. O porquê eu não sei, mas eu acho que os direitos deveriam ser iguais. Aqui a gente não tem direito nenhum. Tudo é eles. Os meninos tão na vantagem, eles estão em primeiro lugar. Eles podem receber as mulheres, a gente não pode. Eles podem visitar os familiares, a gente não pode. Isso é ridículo, porque eu que já sou maior”, reclama uma das internas entrevistadas no estudo.
Além disso, foram verificados casos em que as adolescentes eram obrigadas a fazer faxina – às vezes, em todo o prédio, incluindo a sala da direção –, algo que não é cobrado dos garotos. As atividades oferecidas também são diferentes, como cursos obrigatórios de bordado para elas. No Rio Grande do Sul, as tarefas de lavanderia também são tidas como especificamente femininas, cabendo às internas, inclusive, lavar as roupas dos colegas homens.
Para a coordenadora da pesquisa, Marília Montenegro, ainda falta muito para que sejam cumpridos os objetivos de ressocialização. “É um desmanche total do que prevê o ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente]. Se o Estado não se prontifica sequer a conhecer as meninas, então, de fato, o que ele vem fazendo é tão somente punir”, avalia. “É preciso mais conhecimento e menos encarceramento”.
Veja abaixo outras informações obtidas pelo levantamento:
Causa da internação
Em todo o Brasil, teve destaque um percentual expressivo de adolescentes internadas por ato infracional análogo ao tráfico de drogas no Distrito Federal (25%), em Pernambuco (pouco mais de 20%) e em São Paulo (mais de 40%). Também foram identificados casos de internações indevidas, decorrentes de práticas em que não cabe a privação liberdade. Em Pernambuco, há uma adolescente internada por desacato e ameaça.
Família
É comum o contexto de laços familiares e comunitários fragilizados, com histórico de exclusão social e econômica que envolve miséria, violência e trabalho infantil. Muitas relatam já ter parentes, amigos ou namorados(as) presos(as) ou cumprindo medida no sistema socioeducativo. Outra realidade verificada é o fato de terem sido criadas sem a presença de um dos genitores, havendo incidência maior de adolescentes sustentadas apenas pela mãe.
Maternidade
A única unidade visitada que possuía estrutura específica para receber crianças das mais diversas idades é a Chiquinha Gonzaga, em São Paulo, onde o Programa de Acolhimento Materno-Infantil (Pami) proporciona a convivência da mãe adolescente e do(a) filho(a) por todo o tempo de duração da internação.
Educação
Praticamente todas possuem defasagem escolar. A maior parte, estando na faixa entre 15 e 17 anos, deveria estar cursando o ensino médio. Porém, há um percentual significativo que está entre o 1º e o 5º. A maioria, em todos os estados, cursava entre o 6º e o 9º ano.
Em nenhuma das unidades visitadas pelas pesquisadoras foi possível verificar que as garotas estariam dando continuidade aos estudos na exata série em que pararam, embora seja um direito assegurado a elas. Mesmo assim, boa parte aponta para o desejo de exercer profissões que exigem nível superior, como Engenharia, Direito e Odontologia.
Condições de vida
A estrutura física da unidade Cefes, no Pará, foi considerada a mais inapropriada, com péssimo sistema de esgoto e banheiros improvisados, situados no interior dos quartos das adolescentes, gerando, às vezes, a situação de seus colchões serem atingidos por dejetos. Há ainda relatos de maus-tratos e aplicação de sanções disciplinares de isolamento.
Para ter acesso à pesquisa completa, clique aqui.
Foto de capa: Reprodução/YouTube