Por Guilherme Venaglia*
Em entrevista coletiva no último dia 16 de maio, para cerca de vinte estudantes de Jornalismo de algumas das principais faculdades do estado de São Paulo, Juliana Belloque, defensora pública há mais de doze anos, ex-presidente da Associação Paulista de Defensores Públicos (Apadep) e ex-integrante da comissão que elaborou o anteprojeto do novo Código Penal – ao qual se opõe frontalmente hoje –, declarou ser contrária a leis que punam com reclusão preconceitos e atos discriminatórios, tais como violência em função de raça, orientação sexual ou identidade de gênero.
Belloque criticou a filosofia preponderante na Justiça e na sociedade brasileira de corrigir transgressões por meio da reclusão e as ações de movimentos que advogam a favor de uma legislação que puna criminalmente tais atos. “Vivemos esse movimento na última década, dos grupos de Direitos Humanos defendendo a bandeira do Direito Penal enquanto um ‘amigo’, o que é um equívoco gravíssimo no meu modo de ver”, explica.
Segundo ela, não é producente apoiar o combate a esse tipo de violência com base no encarceramento, uma vez que os setores mais vulneráveis à penalização são justamente as pessoas mais carentes de recursos e socialmente marginalizadas. “Eles estão esquecendo a história do Direito Penal no país. É uma grande incoerência o movimento negro querer criminalizar o racismo se só tem negro na cadeia”, aponta.
A defensora baseia sua argumentação em uma perspectiva histórica e na filosofia, que afirma ser a de grande parte dos defensores públicos atuantes hoje em São Paulo, de que o Direito Penal é um recurso falido e ineficiente na ressocialização. “A norma existe, o aparato repressor escolhe para quem ele vai aplicar essa norma. É o que a gente chama de seletividade do sistema prisional. E essa seletividade historicamente recaiu sobre os pobres e os negros. Como é que daí o movimento negro quer usar esse instrumento, que é o instrumento de maior racismo estatal, para combater o racismo?”
Crítica do Direito Penal enquanto forma de punir transgressões – “é a política do medo, que, aliás, não funciona na nossa sociedade” –, a defensora pública chamou de “trabalho porco, sem pé nem cabeça” e “a pior proposta de Código na história do nosso país” o projeto do novo Código Penal. A proposta, em vias de ser votada no Congresso Nacional, foi formulada por uma comissão da qual ela foi uma das integrantes e que classificou como “uma pura queda de braços entre grupos opostos, que aprovavam itens com muita diferença entre si”.
Juliana Belloque ainda aprofundou suas ponderações a respeito de todo o sistema judiciário, afirmando que a restrição de liberdade como medida prioritária é ineficaz, uma vez que, “ao invés de reinserir, estigmatiza e marginaliza” e concluiu propondo a abolição desse modo de atuar por parte da Justiça como única forma possível de transformação de uma realidade de criminalidade e violência.
*A entrevista fez parte do Projeto Repórter do Futuro, Módulo Direito de Defesa e Cobertura Criminal, curso livre promovido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e pela Oboré Projetos Especiais, com apoio do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)