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Em entrevista exclusiva à Fórum, Raoni, uma das maiores lideranças da luta indígena no país, fala sobre os desafios de enfrentar interesses econômicos e preservar a cultura de seu povo; nessa semana, representantes de 200 etnias diferentes se reuniram em Brasília para protestar contra PEC 215
Por Maíra Streit, de Brasília
[caption id="attachment_63741" align="alignleft" width="350"] Acampamento Terra Livre, na Esplanada dos Ministérios[/caption]
A semana que antecedeu o Dia do Índio, comemorado neste domingo (19), foi marcada por intensas discussões em Brasília. Mais de 1,5 mil lideranças, de cerca de 200 diferentes etnias, se reuniram na cidade para protestar contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000, que pretende transferir para o Legislativo a responsabilidade de oficializar e demarcar as terras indígenas. A proposta voltou a ser debatida neste ano no Congresso Nacional por pressão da bancada ruralista, após ter sido arquivada no fim de 2014.
O Projeto de Lei da Biodiversidade (PL 7735/2014) também está em pauta. Ele simplifica as regras para pesquisa e exploração do patrimônio genético de plantas e de animais nativos e prevê a utilização dos conhecimentos indígenas e comunidades tradicionais. Segundo os manifestantes, o assunto foi negociado às escondidas com empresas de cosméticos e remédios, sem qualquer participação de representantes indígenas.
Na última quinta-feira (16), o mesmo Congresso promoveu uma sessão especial em homenagem aos povos indígenas, mas o clima não foi de festa. As lideranças recebidas no plenário fizeram questão de ressaltar as injustiças históricas cometidas contra seu povo. Além da questão dos territórios, temas como o respeito à cultura e a necessidade de uma educação inclusiva também foram lembrados.
Um dos discursos mais aguardados foi o do cacique Raoni, líder da etnia caiapó considerado uma figura emblemática desta luta. Em sua fala, ele pediu mais respeito aos povos indígenas. “Aqui moravam os nossos ancestrais. Essa terra era dos nossos ancestrais. O Brasil foi invadido, e os brancos chegaram aqui acabando com nossas riquezas, estão matando todos os animais e estão acabando com nossa terra”, disse.
Em entrevista à Fórum, quando retornou ao Acampamento Terra Livre, montado em meio à Esplanada dos Ministérios, Raoni fez uma reflexão sobre os desafios enfrentados neste 19 de abril e em muitos outros que ainda virão. “Os brancos estão matando os meus parentes. Quero que os índios fiquem fortes. Tem deputados que gostam de apoiar e muita gente vai ajudar para defender terra do índio. Homem tem que pensar direito”, afirmou.
Hoje com 85 anos, o cacique preferiu dar entrevista em língua nativa e contou com apoio do intérprete Ikuma Metuktire para expressar a sua indignação diante da negligência que diz haver no Brasil em torno da causa indígena. “Neste Dia do Índio, fiquei pensando em muitas coisas da minha vida. Quero dizer que os índios dancem no nosso dia. Até hoje, estão segurando a nossa cultura, a língua, a dança, mas o branco não está respeitando. Essa é a minha preocupação”, lamentou.
Histórico
Raoni nasceu no Mato Grosso e aprendeu a língua portuguesa com os irmãos Villas-Bôas, famosos indigenistas brasileiros. Com o tempo, se tornou um porta-voz da luta pela preservação ambiental e da cultura ancestral, protagonizando momentos emblemáticos no país, como o dia em que apareceu armado e pintado para a guerra a fim de negociar com o ministro do interior, Mário Andreazza, a demarcação de sua reserva, em 1984. Puxando o ministro pela orelha, disse: “Aceito ser seu amigo, mas você tem que ouvir índio".
Antes, em 1978, teve sua vida retratada em um documentário escrito e dirigido por Jean-Pierre Dutilleux e Luiz Carlos Saldanha, com narração ilustre do ator Marlon Brando, no auge do sucesso. Mas foi depois do encontro com o cantor Sting, no Parque Indígena do Xingu, em 1987, que alcançou notoriedade internacional, recebendo apoio de personalidades como o Papa João Paulo II, o presidente francês François Mitterrand e Carlos, Príncipe de Gales.
Em 27 de setembro de 2011, teve o título de cidadão honorário da cidade de Paris, em reconhecimento por sua trajetória em defesa da preservação das florestas. Na ocasião, Raoni estava em visita à Europa por conta de sua campanha contra a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
Fotos: Maíra Streit