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Médici havia recebido o título honorário da UFRJ em 1972, quando ainda era presidente da República. No mesmo período, um ginásio da faculdade de educação física, sob a gestão da nadadora Maria Lenk, foi batizado com o nome do general. A homenagem também foi retirada esta semana
Por Isabela Vieira, na Agência Brasil
A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) revogou hoje (10) o título honorário concedido a Emilio Garrastazu Médici, no período em que foi presidente do Brasil (1969-1974), durante a ditadura militar. Sob aplausos, a decisão foi aprovada pelo Conselho Universitário na data em que se comemora o Dia Internacional da Declaração dos Direitos Humanos.
A revogação do título de Médici contou com apoio dos estudantes, que fizeram um ato, pintando suas roupas e rostos de vermelho e preto, para lembrar os assassinatos e desaparecimentos de pessoas ligadas à universidade. Entre eles, está o do estudante de engenharia Mário Prata, que dá nome ao Diretório Central do Estudantes; de Stuart Angel, da faculdade de economia, e do professor Lincoln Bicalho Roque, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da universidade.
Segundo a relatora do processo na Comissão de Memória e Verdade na UFRJ, a professora Lilia Pougy, pelo menos 26 alunos ou professores morreram ou desapareceram somente sob a gestão de Médici.
"Nesta lista comparecem 20 homens e seis mulheres de variadas unidades acadêmicas e centros universitários de diferentes áreas que perderam a vida em razão do seu engajamento político na transformação da sociedade", afirmou Lilia. "[Eles] ousaram defender a democracia, a cidadania reagindo contra o árbitro do governo militar", completou.
Médici havia recebido o título honorário da UFRJ em 1972, quando ainda era presidente da República. No mesmo período, um ginásio da faculdade de educação física, sob a gestão da nadadora Maria Lenk, foi batizado com o nome do general. A homenagem também foi retirada esta semana.
A universidade decidiu também avaliar a concessão de título honorário ao estudante Mário Prata, morto quando tinha 26 anos. A Comissão de Emissão de Títulos da instituição elaborará, nos próximos meses, um dossiê sobre o jovem estudante, na época militante do Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8). Mário Prata foi morto após interrogatório, sob tortura, junto com a companheira, Marilena Pinto.
De acordo com o reitor Roberto Leher, as decisões demonstram coragem da universidade em recontar sua história. Segundo ele, o país ainda sofre reflexos da ditadura, como a desigualdade social e a violência policial e militar “fora de qualquer padrão civilizatório”, além da ameaça da volta de ideologias fascistas, que preocupam em todo o mundo.
“Quando setores no Brasil reivindicam a volta do regime militar, supondo que este foi um período de crescimento econômico e integração social, estão propagando uma ideologia vazia de lastro histórico. [A ditadura] foi um período marcado por forte arrocho salarial, imensa violência e regressão social. O país não pode esquecer o que aconteceu”, afirmou Leher.
Durante discurso emocionado no conselho, o professor Carlos Vainer, que foi um dos alunos da UFRJ perseguidos na ditadura, disse que a revogação do título de Médici não anula a “herança perversa” da ditadura, mas concede reparação moral às vítimas.
“As lágrimas derramadas pelos jovens torturados, desaparecidos e mortos nos ajudam a limpar esse panteão [da universidade]. Não somos capazes de fazer o que seria mais justo, fazer com quem voltassem à vida e ao convívio de seus colegas companheiros, amigos e familiares. Mas hoje eles estão sendo celebrados por nós, como os melhores representantes de nossa instituição em vez daquele general ou aqueles que lhe concederam o título honorífico”, disse.
“Conheci, convivi, fui amigo de muitos deles e delas e posso testemunhar: eram os mais lindos, os mais aguerridos, os mais inteligentes, os mais brilhantes e os mais dignos. Sua resistência e martírio encheram nossa universidade de dignidade acadêmica e fez deles os verdadeiros merecedores do título que acabou sendo entregue a outro”, desabafou o professor.
Foto: Arquivo Nacional