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Uma pesquisa feita em presídios de todas as capitais brasileiras e regiões metropolitanas que recebem mães com filhos pequenos mostra que a maior parte das gestantes condenadas poderia cumprir prisão domiciliar, por ter cometido crimes de menor poder ofensivo, como porte de drogas e pequenos furtos, e serem presas provisórias
Por Akemi Nitahara, da Agência Brasil
Uma pesquisa feita em presídios de todas as capitais brasileiras e regiões metropolitanas que recebem mães com filhos pequenos mostra que 65% das gestantes condenadas poderiam cumprir prisão domiciliar, por ter cometido crimes de menor poder ofensivo, como porte de drogas e pequenos furtos, e serem presas provisórias.
O estudo Saúde Materno-Infantil nos Presídios, feito pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz entre fevereiro de 2012 a outubro de 2014, foi apresentado hoje (9) durante audiência pública conjunta das comissões de Defesa dos Direitos da Mulher e de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
Segundo a coordenadora da pesquisa, Maria do Carmo Leal, a lei garante que a mulher grávida não fique presa provisoriamente. “O próprio Estado brasileiro permite, já decidiu legalmente que essa mulher não deve ir para o presídio porque está grávida e é provisória. Mas elas são presas e estão lá.”
Foram entrevistadas 447 presas, que avaliaram questões relacionadas à saúde, a fatores psicossociais tanto das mulheres quanto dos agentes penitenciários, à parte jurídica e à ambiência. Para Maria do Carmo, as mulheres encarceradas constituem um grupo socialmente marginalizado e suas crianças também têm os direitos fundamentais violados. “Essa vulnerabilidade se amplia com o encarceramento ligado à maternidade e ao nascimento de um filho. É uma situação completamente diferente, pois é uma criança que nasce presa, literalmente, e tem uma série de condições a que ela, como cidadã, teria direito e não tem. Ela tem a decisão sobre sua vida ligada a juízes, e não à decisão materna”, afirmou a pesquisadora.
Maria do Carmo cita o caso da França, onde as mães presidiárias ficam sob responsabilidade do Judiciário e seus filhos recebem o tratamento adequado nas áreas social e de saúde. “Ele [criança] é um cidadão livre. A mãe tem a decisão sobre a criança, pode chamar a família para levá-la para passear. Ou a própria prisão leva para passear, brincar. É um exemplo de cidadania que poderíamos copiar.”
Maioria chega grávida ao presídio
A pesquisadora contesta a ideia de que as mulheres engravidam na prisão para ter algum benefício, como comida de melhor qualidade e acomodação menos aglomerada, já que o estudo indica que 90% delas chegam grávidas ao sistema prisional. Maria do Carmo defende que a realização de um teste de gravidez quando a mulher é presa, para que ela possa ter a assistência pré-natal adequada – 11% das entrevistadas não fizeram nenhuma consulta e as que fizeram começaram a acompanhar tardiamente a gravidez. “Isso permitiria que elas tivessem uma excelente assistência pré-natal. Se, ao chegar, fizesse um exame de saúde que incluísse o teste de gravidez, poderia ter uma assistência pré-natal maravilhosa, que a protegeria de complicações, de doenças que poderiam ser evitadas.”
Outros dados da pesquisa mostram que 40% das presas gestantes têm mais de quatro filhos, boa parte tem histórico grande de aborto, perdas fetais e óbitos neonatais. “São mulheres marcadas por perdas também de filhos”, ressaltou Maria do Carmo. A maioria não desejava a gravidez, 5% tentaram fazer aborto e 50% tiveram depressão pós-parto, números que, segundo a pesquisadora, nunca tinham sido vistos em outros estudos.
O uso de bebida alcoólica, cigarro e drogas durante a gravidez entre as presas é mais frequente do que no grupo geral das mulheres; somente 3% tiveram acompanhamento durante o parto; 40% não receberam nenhuma visita durante a gravidez e apenas 10% das famílias foram avisadas quando a presa entrou em trabalho de parto. Do total de entrevistadas, 15% disseram ter sofrido algum tipo de violência verbal ou psicológica na maternidade pelos profissionais de saúde ou agentes penitenciários e 35% estiveram algemadas durante a internação. Todas elas voltaram para a prisão algemadas e com a criança no colo.
Durante a audiência, os deputados Enfermeira Rejane (PCdoB) e Marcelo Freixo (PSOL), presidentes das comissões que organizaram o debate, anunciaram o envio de um projeto de lei para estabelecer que o documento do auto de flagrante tenha um campo para identificar se a mulher presa está grávida ou teve bebê há pouco tempo. Outro projeto, já em tramitação na Alerj, proíbe o uso de algemas durante o trabalho de parto e na recuperação após o nascimento do bebê.
Em visita feita sexta-feira (6) ao presídio feminino que abriga mães presas, Talavera Bruce, no Complexo de Gericinó, as comissões constataram falta de assistentes sociais, de defensores públicos e de material de higiene, além de infraestrutura precária, com infiltrações e paredes descascadas.
Freixo anunciou que vai pedir a juízes da Vara de Execuções Penais que façam uma visita ao presídio para verificar a situação das mulheres que nunca foram apresentadas a um juiz, nem julgadas e, portanto, não deveriam estar presas.
Foi no Tavalera Bruce que uma presa deu à luz sozinha, na solitária, no mês passado. Depois da notícia ser divulgada, a diretora do presídio, Andreia Oliveira foi afastada provisoriamente.
Foto de capa: Glaucio Dettmar/ Agência CNJ