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Por Fabrício Longo, d'Os Entendidos*
Você já se perguntou quanto amigos pretos tem? Talvez a pergunta lhe pareça racista, até porque é. Amigos são amigos, não importa a cor. São colegas de trabalho ou da escola, as pessoas que povoam os cenários da sua vida e te marcam por algum motivo, seja uma piada comum ou outra afinidade qualquer. Sabe aquela história de “não sou racista, tem até um parceirão meu que é negro”? Pois bem, nessa semana me perguntei se não seria o meu caso…
Um dos meus melhores amigo é negro. O conheci em um chat há 12 anos e gosto de dizer que ele foi a melhor coisa que a internet me deu. Ele é meu sócio aqui no site e o responsável pela coluna O Posto, que frequentemente aborda temas raciais. Através dele fiquei mais alerta para essas questões e melhor informado também, mas infelizmente esse texto não é uma declaração de amor. É uma proposta de reflexão.
Em conversa recente, meu amigo falou de um texto sobre o negro e a homossexualidade - assunto que já debatemos muito – e me chamou a atenção que, segundo ele, o post foi um sucesso, com grande quantidade de compartilhamentos. Ora, como eu não tinha visto então? Se tanta gente se identificou, curtiu e compartilhou nas redes sociais, como foi que eu só soube do texto por indicação dele?
A resposta estava na minha própria lista de amigos. Entre colegas de escola, cursos e faculdades, amigos de balada e de fóruns virtuais, além de gente com interesses comuns e admiradores do meu trabalho por aqui, eu tenho hoje 1385 amigos no Facebook. Deste número, 74 são negros. SETENTA E QUATRO. Isso é apenas 5% do total. Para piorar, esse número inclui pessoas que talvez se identifiquem apenas como morenas, ou que talvez nem sejam tratadas socialmente como negras em nosso país. Se fosse contar apenas os de pele bem escura, o número cairia para 40. Pouco menos de 3%. Ainda por cima, muitos são “por extensão” de contatos previamente existentes.
Será que sou racista e nem sei?
Eu tenho consciência da minha posição privilegiada. Embora não seja tão branco assim, sou tratado como tal no Brasil porque a brancura é a norma. Só quem é preto não é branco. Parece óbvio, mas qualquer indivíduo que não seja “negro retinto” é tratado como moreno, até porque chamar de negro alguém que não seja inegavelmente “da cor da noite” é considerado ofensivo. Não acho que eu seja racista, mas me sinto imensamente culpado por não ter reparado nessa lista antes.
A minha lista de amigos é uma coisa boba, mas que sem querer confirma tudo que o meu melhor amigo já me mostrou sobre a invisibilização do negro em nossa sociedade. Das crianças da Copa – que deveriam representar a diversidade da população brasileira – até os modelos nas propagandas e capas de revistas. As novelas, que são tão representativas da nossa cultura, fazem parecer normal essa ausência! A formação social do nosso país os segmenta e exclui da vivência da maioria das pessoas de classe média e alta.
Logo, é óbvio que tenho poucos amigos negros.
Eles eram minoria na minha escola particular – inclusive em relação aos homossexuais, que abundavam – e no meu cursinho de teatro na Zona Sul carioca. Eram minoria também na minha faculdade particular, em Ipanema. Quando eu trabalhei como vendedor numa loja chique de Copacabana, fiz amizade com a única negra do staff, a faxineira (um beijo, Eli!). E agora conheci mais alguns justamente porque entrei numa universidade pública que aplica a política de cotas, para desgosto de vários dos meus colegas brancos. Além de privilegiado, eu devo ser muito otário. Tinha que ter percebido isso. A presença deles é tão inusitada e regularmente minoritária – embora sejam a maioria da população – que eu deveria berrar de surpresa ao vê-los!
Já que falei em cenários, vou pegar a faculdade como exemplo: é evidente que existem muitos negros por lá, só que a maioria está nos corredores, varrendo o chão ou fazendo a segurança. Raramente estamos exercendo as mesmas atividades, então fica difícil termos a oportunidade de conversar e formar laços, como acontece com aqueles que estão dentro da minha sala, pela convivência mesmo. Diga-se de passagem, esses meus colegas negros tiveram que ralar muito para estar do mesmo lado que eu da porta da sala, o que torna ainda mais espantoso que a nossa sociedade tão meritocrata não destaque seu valor.
É o racismo que cria esses cenários. É o racismo que impede que sabe-se lá quantas amizades aconteçam. Às vezes é dentro das pessoas mesmo, fazendo com que elas achem errado se misturar com gente de outra raça, mas é também no sistema. É triste, porque é algo que se esconde na sua própria obviedade. Eu, que não tenho problema algum em ter nenhum tipo de amigo, acabo limitado a um tipo específico de pessoas, por causa de uma característica delas. Eu procuro e não acho. Elas se tornam invisíveis.
Quando eu não sou racista, o mundo é por mim.
Você que está lendo esse texto, é racista? O racismo se faz presente o tempo todo, e se você não é o alvo talvez seja um agente. O mesmo acontece com o machismo e a homofobia. Eu talvez só tenha parado para pensar nisso porque sou gay e vítima de exclusão também, o que me sensibiliza à questão. Racismo, machismo, classicismo e homofobia são tratados como palavrões porque reconhecer sua existência dói. Afeta o status quo. A cultura faz com que o dominante não questione a sua posição, e nem perceba os privilégios desfrutados. Portanto é importante refletirmos como cada um de nós nos beneficiamos de alguns preconceitos e como eles se manifestam em nossas vidas. Talvez, a partir de agora, com os olhos mais abertos, eu possa contribuir para que os negros e negras não passem despercebido pela minha vida. Talvez. E você, que leu até aqui, o que fará?
Aos meus 74 amigos negros, prometo ficar mais atento. Que venham outros 74, depois 740 e mais 7.400. Ao Léo, meu muito obrigado.
*Título original: “74 amigos negros” ou “Quando não sou racista, o mundo é por mim”!