Ticiane Figueiredo, do Blogueiras Feministas, analisa a intolerância contra o movimento feminista e afirma que a mesma é baseada em "puro preconceito e alienação"
Por Ticiane Figueiredo, no Blogueiras Feministas
De todos os tipos de intolerâncias existentes em nossa sociedade, a que se impõe contra o Movimento Feminista é uma das que mais me incomodam. Não porque sou feminista ou porque não aceito a opinião alheia, mas pelo simples fato de tal relutância estar embasada em puro preconceito e alienação.
Então quer dizer agora que todas as mulheres são obrigadas a serem feministas? Não, não são.
Ainda que eu cultive esperanças de que todas as pessoas tenham a consciência de que o Feminismo é necessário para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária e, que acima de tudo é preciso militar, isso não quer dizer que todas as mulheres são obrigadas a serem feministas. Isto porque, para mim, as pessoas devem ser livres para serem o que quiserem, como quiserem e quando quiserem.
O problema é que sendo do gênero feminino, a sua liberdade é limitada e suprimida, seja pelos valores culturais machistas que “justificam” o estupro, o abuso, as cantadas indecentes, a passada de mão no ônibus ou metrô lotado; seja pela rua escura que te amedronta e te inibe de ocupar o espaço público, pelo(a) chefe que sabe que você precisa do emprego e te assedia moral/sexualmente ou pela violência doméstica. A sua liberdade é sufocada simplesmente pelo fato de você pertencer ao gênero feminino, ao “sexo frágil”, de ser mãe solteira, de não arrumar um marido, de se vestir como uma biscate, de “não se dar o devido respeito”, de estar acima do peso, de ter celulite…
Por estes e tantos outros motivos é que eu acho que sem o Feminismo você não é livre, ainda que não concorde comigo.
Vejo com freqüência nas redes sociais, e fora delas também, as pessoas atacando o Feminismo das mais diversas formas. Como se nós, bruxas pagãs, quiséssemos destruir algo lindo que a sociedade patriarcal construiu com todo o amor e carinho, como se “a moral e os bons costumes” fossem emanadas da vontade geral e consciente e não de uma minoria que detém o poder e o domínio.
Segundo o livro ‘Breve história do Feminismo no Brasil’(1):
“E são as feministas que cobram a grande dívida social e econômica que em o patriarcado perante a humanidade, em vista das injustiças milenares cometidas sob a sua autoridade. A maior delas é “a imposição do ‘grande silêncio’ histórico e cultural sobre as mulheres (heterossexuais e homossexuais); os papéis estereotipados que mantêm as mulheres à distância da ciência, da tecnologia e dos outros estudos ‘masculinos’, ligações sócio-profissionais masculinas que excluem as mulheres”. Trecho da intervenção feita por Miriam Botassi em 1988, no Seminário do NEIM (Núcleo de Estudos interdisciplinares sobre a Mulher).
Para mim, a melhor forma de combater a tal alienação é a informação. Contudo sei que este é um processo lento de desconstrução de “valores”, mas mesmo assim é preciso tentar e é por isso que estamos aqui. [caption id="attachment_31556" align="aligncenter" width="600"] (Foto: Facebook/Juliane Alves/Marcha das Vadias DF)[/caption]
O que é o Feminismo?
Segundo Maria Amélia de Almeida Telles (1):
“O feminismo é um filosofia universal que considera a existência de uma opressão específica a todas as mulheres. Essa opressão se manifesta tanto no nível das estruturas como das superestruturas (ideologia, cultura e política). Assume formas diversas conforme as classes e camadas sociais, nos diferentes grupos étnicos e culturas.
Em seu significado mais amplo, o feminismo é um movimento político. Questiona as relações de poder, a opressão e a exploração de grupos de pessoas sobre as outras. Contrapõe-se radicalmente ao poder patriarcal. Propõe uma transformação social, econômica, política e ideológica da sociedade.”
Apesar das idéias defendidas pelo Feminismo estarem muito claras, ainda há pessoas que pensam que nós queremos nos sobrepor aos homens e dominar o mundo, além de matar criancinhas, claro.
O Feminismo representa sim um meio utilizado para se quebrar determinados paradigmas sociais que se mostram opressores, mas sua finalidade não é a sobreposição hierárquica de um gênero ao outro, mas sim a igualdade entre ambos. Por isso que ele se mostra como:
“Um conjunto de idéias e práticas radicais que tenham o poder de subverter, mudar, transformar as ideias e práticas patriarcais que vivemos. Se entendemos que o sistema se organiza por um conjunto de instituições sociais, econômicas, jurídicas e culturais que atuam para preservar o poder do patriarcado – seja no capitalismo ou no socialismo-, temos que ir ganhando a noção de como nos relacionar com as instituições, mantendo nossa liberdade de pensar e exprimir idéias radicais e formas autônomas de organização”. Trecho da intervenção feita por Miriam Botassi em 1988, no Seminário do NEIM (Núcleo de Estudos interdisciplinares sobre a Mulher) (1).
Nós queremos uma sociedade mais justa e mais igualitária para todas as pessoas, sem distinção, mas para alcançar tal objetivo é preciso que conquistemos muitos direitos que foram negados a nós, mulheres, no decorrer da história, para daí então alcançarmos uma equidade material.
O Feminismo é para todas?
O Feminismo é algo amplo e como tal, abrange dentro de si demandas das mais diversas e específicas. Afinal, não podemos falar que lutamos contra a opressão direcionada às mulheres se, em contrapartida, não abrirmos espaço para falar de todas elas e, é dentro dessa ótica que surgem algumas “divisões” no Feminismo para que se enxergue a questão das mulheres negras, trans*, lésbicas etc.
Ocorre que na prática há uma forte tendência em direcionar a militância. Isso porque cada pessoa tem mais facilidade em enxergar a opressão machista e patriarcal dentro de sua própria realidade. Porém, o grande problema é que as mulheres também são desiguais entre si, uma vez em que algumas possuem mais privilégios que outras. Não enxergar essas diferenças ou, na pior hipótese, negar veemente a sua existência, pode ser uma forma de opressão.
No meu ponto de vista, não existe Feminismo certo ou errado. O Feminismo é uma “filosofia universal” e não podemos creditar a ele ações pessoais dessa/desse ou daquela/daquele militante. Não é culpa do Movimento Feminista que aquela pessoa não enxergue seus privilégios ou que ela, individualmente, seja contra determinada questão. É muito triste sim, ver que há pessoas assim dentro do movimento, mas estamos lutando para que todas as pessoas retirem seus cabrestos. A militância é um processo contínuo de aprendizagem. Contudo, vamos sempre denunciar a opressão seja ela vinda de fora ou de dentro do movimento porque, aproveitando uma palavra de ordem utilizada por uma militante: ou o Feminismo é para todas (os) ou não será!
O que é ser feminista?
Muitas pessoas, ainda que saibam de cor a pauta feminista ou tenham uma ideia de qual seja, sentem insegurança em se assumirem como tal. Seja por motivos internos, por medo de rótulos sociais ou ainda por não se sentirem representadas. A estas pessoas, acho interessante compartilhar um pensamento da grande intelectual Heleieth Saffioti (2):
“Na verdade, eu sempre relutei em me dizer feminista no Brasil. No passado, este termo tinha uma carga ideológica muito grande e ainda apresenta uma carga razoável. Eu gosto de dizer: eu sou feminista mas meu feminismo é este (…) porque eu tenho muito medo que tomem o meu feminismo através dessa adulteração que se fez do termo que interessa muito a ditadura, de se entender que esta é uma luta das mulheres contra os homens, e eu não quero de maneira alguma ser interpretada desta forma. Tenho muito respeito pelos homens. Acho que eles também são vítimas dessa sociedade, embora nós sejamos mais vítimas do que eles.”
Não há uma definição do que necessariamente é ser feminista. Muitas pessoas são, mas não se assumem. Muitas pessoas assumem, mas não são. O importante, na prática, é saber o que o Feminismo como um todo busca e, perceber que no fundo é o que você também deseja. Afinal, não acho que ninguém goste de viver uma sociedade que oprime e mata as mulheres.
Por isso que sempre me pergunto: quem, no fundo, tem medo do Feminismo?
Referências:
(1) TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1993.
(2) Entrevista ao jornal Mulherio, n.º 6, março e abril de 1982.