Sanção da lei pela presidenta Dilma Rousseff sofreu dois vetos e determina a definição de políticas e novos programas de inclusão social
Por Hylda Cavalcanti e Rodrigo Gomes, da RBA
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A presidenta Dilma Rousseff sanciona o Estatuto da Juventude. O estatuto foi aprovado pelo Congresso Nacional no dia 9 de julho, após mais de nove anos de tramitação (Foto: Valter Campanato/ABr)[/caption]
Mais políticas públicas voltadas para os jovens, por meio de uma declaração de direitos da população com idade entre 15 e 29 anos e benefícios como o pagamento de meia-entrada em 40% do total de ingressos para eventos culturais, reservas de duas cadeiras gratuitas e outras duas vagas nos ônibus ao preço de meia-passagem para pessoas dessa faixa etária são alguns dos pontos do estatuto da juventude, que foi sancionado esta tarde (5) pela presidenta Dilma Rousseff.
O texto passou nove anos em tramitação no Congresso e foi aprovado apenas em julho passado, como parte da agenda positiva imprimida pelos parlamentares depois das manifestações dos últimos meses. Sua rápida sanção também foi considerada reflexo do esforço que vem sendo feito pelo Executivo no sentido de passar a ter maior sintonia com a geração que liderou e participou de tais manifestações.
Não à toa, a cerimônia de sanção da nova lei contou com a participação, além do vice-presidente da República, Michel Temer, do secretário-geral da Presidência, ministro Gilberto Carvalho, e da secretária nacional de Juventude (vinculada à Presidência da República), Severine Macedo, do presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) e alguns parlamentares, além de representantes da União Nacional dos Estudantes (Une), universidades e entidades do ensino médio. Terminou sendo marcada como uma forma, ao menos simbólica, de transmitir nova temperatura ao relacionamento entre Executivo e Legislativo, de agora até o final do ano. E também entre os dois poderes no atendimento às vozes que partiram das ruas.
Ao sancionar a lei, Dilma destacou a importância de se combater a violência contra os jovens negros e pobres e disse que pretende fazer com que o texto tenha o caráter de “um novo pacto no país, contra a desigualdade”. “Temos que construir dentro do Estatuto da Juventude essa questão, a questão da violência contra mulheres e homens negros e pobres. Esse pacto, como todos os pactos importantes, é baseado numa visão de que o que compromete qualquer processo no Brasil é a desigualdade. Então, é um pacto pela igualdade, por mais oportunidades, para garantir maior participação. É um pacto fundado em valores éticos e na certeza de que nosso país tem como foco principal suas crianças e seus jovens”, acentuou.
Mais direitos
O Estatuto da Juventude só foi aprovado depois das passeatas – prevê a criação de conselhos para definir programas destinados a este público por parte dos governos municipais e estaduais, além do Executivo Federal, para a inclusão e melhor preparação dos jovens brasileiros. Permite, conforme o teor da legislação sancionada, que direitos já previstos em lei como educação, trabalho, saúde e cultura, sejam aprofundados para atender às necessidades específicas dos jovens, respeitando as suas trajetórias e diversidade.
Passam a ser discutidos, ainda, direitos à participação social, ao território, à livre orientação sexual e à sustentabilidade por esse público. O estatuto também traz como outra novidade o fato de estabelecer como obrigatória, por parte dos governos, daqui por diante, a organização de políticas da juventude e criação de espaços para ouvir os jovens, bem como a criação de conselhos estaduais e municipais.
Segundo informações da Secretaria de Políticas para a Juventude, os brasileiros com idades entre 15 e 29 anos são, atualmente, cerca de 51 milhões – número que é considerado o maior já registrado nessa faixa etária, na história do país. “A intenção é que as normas definidas pelo estatuto permitam maior inclusão e que a declaração de direitos passe a ser vista como instrumento fundamental para o aprofundamento de políticas públicas e avanços”, afirmou Severine Macedo.
Para adiantar a política, a presidenta Dilma também assinou, em paralelo à sanção da lei, decreto que cria o Comitê Interministerial da Política de Juventude, e o termo de lançamento do primeiro edital do Programa Estação Juventude. O programa, orçado em R$ 20 milhões, tem como objetivo promover a inclusão e emancipação dos jovens, por meio de equipamentos públicos, com o oferecimento de informações sobre programas e ações para os jovens e suas formações profissionais e pessoais.
Educação e renda
A sanção do texto também agradou a parlamentares vinculados a projetos voltados para jovens e atuantes na defesa de direitos humanos, como a deputada Manuela D’Ávila (PC do B-RS). Ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara e relatora do projeto na Casa, Manuela destacou a importância da proposta, que a seu ver “assegura à população entre 15 e 29 anos acesso a educação, profissionalização, trabalho e renda, além de determinar a obrigatoriedade de o Estado manter programas de expansão do ensino superior, ofertando bolsas de estudos em instituições privadas e financiamento estudantil”. “Em um país em que o desemprego, os salários baixos e a informalidade tendem a afetar mais jovens do que adultos, as novas regras tornam-se fundamentais para garantir oportunidades de vida à juventude”, acentuou.
Já o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), relator da proposta na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, afirmou que o estatuto representa um “marco legal” na consolidação das políticas públicas voltadas para a juventude. “A nova lei assegura a visibilidade e a prioridade desse público tão heterogêneo e dinâmico quanto fundamental para o desenvolvimento do país”, enfatizou.
Vetos e gratuidade
A lei sancionada pela presidenta, no entanto, sofreu dois vetos. Um deles, relativo a temas que tinham sido objeto de discussões iniciais na Câmara e foram depois aprovados na votação em plenário, durante o calor das manifestações e o afã de deputados e senadores em beneficiar os manifestantes. No item que garante a meia-entrada em eventos culturais e esportivos de todo o país para jovens de baixa renda e estudantes, a presidenta vetou artigo que previa meia-passagem em transporte interestadual para jovens de baixa renda e estabeleceu a obrigatoriedade de serem oferecidos, nestes transportes, quatro vagas. Duas delas, serão gratuitas e as outras duas, serão oferecidas mediante meia-passagem, conforme a ordem de chegada. O segundo veto diz respeito à destinação de recursos recursos extraorçamentários para o transporte público.
A presidenta da UNE, Virgínia Barros, disse que o momento merece ser comemorado e que o estatuto representa o "aprofundamento da democracia, por integrar de forma protagonista a juventude na sociedade que queremos". “A sanção dialoga com as vozes que foram para as ruas nos meses de junho e julho”, disse. O presidente do Conselho Nacional de Juventude, Alessandro Belchior, por sua vez, deu uma declaração mais sintonizada com as preocupações expostas pela presidenta da República. Belchior disse que os jovens têm feito da rua um “espaço privilegiado de vivência”, mas a violência na repressão policial das manifestações pelo país é um ponto negativo neste avanço. “Agora as ruas pedem mais: mais direitos, mais liberdade e mais democracia. Não conseguiremos materializar os direitos dos jovens sem falar nas recentes e violentas repressões”, colocou.
Ao falar da importância do estatuto, Dilma ressaltou a importância de ouvir os jovens e destacou o projeto do Observatório Participatório, que vai ouvir as demandas deste segmento através das redes sociais, sem descartar os canais físicos dos Conselhos de Juventude que deverão ser instalados nos estados e municípios. “Nós vamos ficar cada vez mais conectados. Não só com a voz das ruas, mas com as das redes também”, afirmou.
Dilma defendeu a aplicação integral dos recursos dos royalties do petróleo em educação. “O governo federal considera fundamental que sejam destinados à educação. Nós consideramos, inclusive, que essa destinação tem uma função ainda mais decisiva no combate à desigualdade. O grande caminho para sair da desigualdade é a educação”, explicou.
O presidente do Conselho Nacional de Juventude, Alexandre Melquior, lembrou que a definição de políticas públicas específicas para a juventude é uma determinação de Organização das Nações Unidas desde os anos 1980. Ele também cobrou a democratização dos meios de comunicação, como forma de ampliar a democracia, e que se efetive uma reforma política que garanta o financiamento público de campanhas. “Nosso sistema político está falido, pois o financiamento privado é a mãe da corrupção”, afirmou.
O rapper Genival Oliveira Gonçalves, o GOG, leu uma carta elaborada por artistas negros em que destacou a necessidade urgente do enfrentamento à violência contra a juventude negra. “Pedimos a desmilitarização da polícia e o fim dos autos de resistência. No lugar de investimento em armamento e presídios, escolas e cultura. Ainda vivemos em uma ditadura, com mortes, desaparecimentos. Não queremos viver perdendo amigos, parentes, vizinhos, para polícias, milícias e traficantes”, disse.
GOG lembrou o caso do pedreiro Amarildo de Souza, desaparecido dia 14 de julho após ser levado, por policiais militares, à sede da Unidade de Polícia Pacificadora da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. “Estamos felizes com a sanção do estatuto, mas queremos mais. Queremos políticas públicas pensadas para a juventude negra e pobre deste país.”