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Confira abaixo trechos da entrevista do deputado estadual e ex-candidato a prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Freixo (Psol), que faz parte da edição 121 de Fórum, em bancas. Na conversa, ele fala sobre o saldo político da sua campanha, rememora sua trajetória de militância e analisa a atuação do Estado na área da Segurança Pública.
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Por Glauco Faria e Igor Carvalho. Fotos de Guilherme Perez
Fórum – Como o senhor vê a formação da Rede Sustentabilidade, da Marina Silva?
Freixo – A minha relação com a Marina é pequena, nos conhecemos pouco, mas tenho muito respeito pela história dela, belíssima, é uma pessoa importante para a política e acho que tem espaço para um partido que propõe o que a Rede propõe. Não é o que proponho, particularmente não gosto, não me encaixo nesse negócio de dizer que não sou nem de direita, nem de esquerda; nem situação, nem oposição, mas isso não quer dizer que o partido não tenha espaço. O nosso inimigo político não é a Rede.
Fórum – Quem é esse inimigo político?
Freixo – No debate das cidades, por exemplo, quero gastar energia para enfrentar o que o PMDB representa hoje no Brasil, não com a Rede. Posso não concordar, mas enquanto projeto de país, projeto político, quero enfrentar a lógica do PMDB expressa por figuras como Henrique Alves, Renan Calheiros, e tantos e tantos outros, como Sérgio Cabral e Eduardo Paes. Enfrentar a Rede não faz sentido para a vida real das pessoas e para as bandeiras que a gente sempre defendeu. Enfim, acho que a Rede é bem-vinda, tenho grandes amigos que são simpatizantes, como o Luiz Eduardo Soares, que fez minha campanha. Imagina se eu vou brigar com ele...
O problema que vejo na Rede é que a única coisa que liga todas essas pessoas é a candidatura da Marina, uma candidatura que não será igual ao que foi em 2010, mas que é interessante porque traz temas importantes. Nesse sentido, acho perigoso um projeto nacional partidário que só tenha como liga uma pessoa, uma figura e uma candidatura. Isso não me agrada, mas é por isso que estou no Psol, que é difícil, tem seus próprios problemas – que não são pequenos –, mas tem a possibilidade de um programa.
Fórum – O senhor falou da lógica política do PMDB. E o PT, do qual saiu boa parte do Psol? Há setores do partido que têm o PT como esse principal inimigo, outros são mais próximos... Qual a sua posição?
Freixo – Nunca fui antipetista. É um erro do Psol se fizer isso. Na minha candidatura à prefeitura, tinha um setor do PT fazendo a campanha, no lançamento tinha bandeiras do partidos. Imagina se isso não é bom? É ótimo.
Conversei com o Lindbergh [Farias] sobre a possível candidatura dele ao governo do Rio, falei pra ele: “Antes de qualquer coisa, você precisa me dizer se vai ser um candidato do Cabral ou contra o Cabral. Isso você ainda não pode me dizer”. Hoje, aparenta ser um candidato contra os interesses do Cabral, mas se ele [Cabral] costurar e conseguir ser vice da Dilma, que é o que ele deseja, pode ser que o Lindbergh seja o candidato do Cabral e reforce esse projeto PT-PMDB que acho que, para o PT, foi a cova.
Fórum – E o que ele respondeu?
Freixo – Enfim... Deixa pra depois a resposta. Neste momento, as forças do PMDB se movem contra a candidatura do Lindbergh. Mas a gente sabe que há conversas que podem mudar esse cenário.
Nunca me tornei antipetista, e acho que o Psol não pode ter como projeto ser antipetista. Vivemos ali 20 anos ou mais, imaginar que não sobrou nada... Acho que o PT fez uma opção de governabilidade que não foi a nossa, e por isso estamos em outro partido, que se contrapõe a essa lógica política que o PT adotou, representada pelo PMDB, desde os tempos de Sarney pra cá. Se o PT está junto com o PMDB, tem de ser enfrentado, porque representa a mesma política hoje, por exemplo, no Rio de Janeiro. Tanto é que tem muito choque entre o Lindbergh e o Pezão, mas não largaram os cargos. Os arranjos de poder são mais fortes que esses compromissos.
Fórum – Hoje, o senhor pensa só na prefeitura ou pode sair candidato a governador em 2014?
Freixo – Não saio candidato a governador em 2014 porque não podemos dar um passo errado nessa hora, e o projeto não é eleitoral somente, a eleição é um instrumento de um projeto de cidade. Sou um militante de direitos humanos muito antes de ser parlamentar, se deixar de ter mandato, vou voltar a ser militante como sempre fui. Eleição é meio, não é fim. A gente não tem estrutura para fazer essa campanha para o governo e tem uma possibilidade de fazer um debate para 2016, que é muito concreto. Em 2014, temos de consolidar esses comitês, o partido como instrumento dessas lutas. O meu desejo é sair para deputado estadual porque não quero sair da cidade.
Fórum – Como começou sua militância na área dos direitos humanos, mais especificamente nos direitos dos presos? Essa área está um pouco abandonada, devido, por exemplo, à escolha do Marco Feliciano (PSC) para presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara?
Freixo – É, a infelicidade do Feliciano... Nasci em Niterói, uma cidade vizinha do Rio de Janeiro, e comecei a militar em movimento de moradores da zona norte, Movimento Cultural Comunitário do Fonseca, que era do bairro em que eu morava, um bairro de periferia e que, naquela época não tinha cinema, teatro, nenhum equipamento de cultura. Se você olhar os equipamentos de cultura nas grandes cidades, vai observar que estão concentrados nas áreas mais privilegiadas, e não é diferente no Rio de Janeiro; na zona norte e na zona oeste quase não tem.
Tinha 17 anos, e ali foi minha primeira experiência de militância, na zona norte, com cultura. Sempre fui boleiro, gostava demais de futebol e fazia parte de um time que jogava dentro do presídio, era o único campo de futebol do bairro. A gente alugava o campo e, quando faltava alguém, um preso jogava; o juiz era sempre um preso. Aliás, brinco sempre que lá nós tínhamos o único juiz que ninguém chamava de ladrão por mais que isso pudesse fazer o mínimo de sentido [risos].
Então, presídio sempre fez parte da minha rotina. Aí fiz Economia e, depois, História. Quando fiz História, já estava com muita vontade de dar aula, ser professor, e na faculdade vi um cartaz dizendo que precisavam de professores dentro de um presídio, para estágio. Na hora, falei: “Porra, eu quero”. Meu grande desejo de dar aula pesou, mas mais ainda por ser no presídio, porque remeteu a uma imagem de presídio que não era assustadora, não me trazia medo, e fui, então, dar aula. Ali, foi minha grande aula de militância e direitos humanos. O presídio era o Edgard Costa, onde fiquei anos e depois passei a coordenar um curso de Educação baseado no método Paulo Freire, que foi algo revolucionário na minha vida e na vida de alguns presos, na época.
Depois, fui trabalhar com prevenção à Aids no complexo da Frei Caneca, mas tudo nasceu ali, no Edgard Costa, e passei a ler o sistema prisional como o grande desafio dos direitos humanos no Brasil. O presídio é o espaço da nossa amnésia, das nossas contradições esquecidas. Se você olhar hoje os presídios, é algo impressionante, estive no Edgard Costa e disse para meu assessor: “Olha para o pátio, o que você vê?”, ele me disse: “É, tá cheio.” “Mas tá cheio do quê?”, eu perguntei. Eram jovens, cada vez mais jovens, todos negros ou pardos, pobres e de baixa escolaridade, é a pena de morte social consolidada, são pessoas excluídas há muito mais tempo, supérfluas, como diz o (Zygmunt) Bauman. Sobraram, não são mais “exército de reserva”, pois não servem a esse modelo de sociedade, não servem a essa economia, e tem ali o espaço do esquecimento destinado a eles.
O crescimento da população carcerária no Brasil mostra o quanto caminhamos nessa direção. De 1995 para cá, a população carcerária cresceu 345%, já somos a quarta população carcerária do mundo. É mais fácil olhar para o presídio e pensar o que cada um fez, a culpabilização individual, que é o mito da sociologia americana. O indivíduo erra, vai para um presídio, é consertado, e volta, é o mito da ressocialização, e não é isso que está em jogo ali.
Fórum – Quanto ao Feliciano...
Freixo – A luta por direitos humanos tem no sistema prisional o maior desafio, mas não só isso. Se pegarmos o número de homicídios no Brasil nos últimos anos, você vai ver que o de brancos diminuiu, e o de negros aumentou, consideravelmente. Então, há um processo, hoje, de genocídio da população jovem, negra e pobre no Brasil. Os números são de genocídio, e esses homicídios têm cor e endereço. A luta dos direitos humanos, hoje, tem de dar conta dessas contradições, é uma agenda que tem de ter as lutas LGBT, o espaço das populações quilombolas, o debate sobre a questão racial, é o espaço em que o Estado deve atuar e onde essas lutas são fundamentais. Elas não são fundamentais apenas para as ditas minorias, são importantes para a afirmação de um espaço democrático no país, fundamentais para um projeto de democracia que envolve quem não é gay, quem não é negro e quem não é pobre, mas que, de forma republicana, pensa no processo democrático.
Por isso, não se pode ter alguém ali [na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara] que negue e reafirme um processo de Estado violento contra essa população. Não podemos ter alguém que diz que a população negra é amaldiçoada porque vem da África, porque isso é muito grave. Não é uma questão de opinião, é você ter o braço do Estado que cuida desse processo democrático negado, ou seja, é o representante de todas as opressões no espaço de resistência a essas opressões. É inaceitável. Ele [Feliciano] é um charlatão, responde por estelionato, aparece lá com cartão de crédito pedindo senha, tem processo de sonegação... Enfim, essa é uma crítica, mas imagino que ele não seja o único que tenha esse tipo de problema no Parlamento brasileiro, o próprio presidente do Senado, há pouco tempo, foi afastado, acusado de favorecer empreiteiras. Mas Feliciano não pode representar a política que ele representa na Comissão de Direitos Humanos, não pode comandar a comissão.
Fórum – O senhor falou sobre o genocídio da população negra e pobre, que é também uma pauta dos direitos humanos em São Paulo. Há denúncias e algumas prisões que denunciam que grupos de extermínio estejam envolvidos com esses homicídios. E no Rio, quem está matando essa população?
Freixo – No Rio, tem o advento das milícias. Fui o presidente da CPI das Milícias, e sem dúvida ela contribuiu muito para o genocídio dessa população, até porque a milícia se coloca em lugares onde o Estado está leiloado. Não estamos falando do Estado paralelo, não defendo essa tese porque os paralelos não se encontram. São agentes públicos, com interesses privados, com domínio de território e agindo com os instrumentos públicos, ou seja, é um Estado leiloado a determinadas forças, não é paralelo. Tanto grupos de extermínio quanto milícias são braços de um Estado leiloado, mas tem uma tragédia no Rio de Janeiro, que é a guerra das facções, que é pobre matando esfarrapado e jovem negro matando jovem negro.
O grande debate das cidades, hoje, envolve quatro eixos: Estado, território, governança e soberania. Esses são os eixos que temos de juntar. O debate de território é crucial para mim, porque em alguns deles a barbárie é consentida.
Fórum – Em relação ao que o senhor falou da questão do encarceramento...
Freixo – O Estado penal, né? Para todo Estado mínimo, o Estado penal é necessário. O Estado que não garante direitos e se reduz no seu papel social, por outro lado, tem de ser um penal e policial, é o que vivemos hoje no Brasil. Para os setores supérfluos, dessa sociedade líquida do Bauman, o Estado penal é fundamental. Hoje, somos a quarta população carcerária mundial, só perdendo para os “libertários” americanos, a China e a Rússia.
Fórum – Mas tem gente que quer fortalecer esse Estado penal, temos várias iniciativas políticas de aumento de pena, mas queria que o senhor comentasse especificamente sobre o projeto de lei do deputado Osmar Terra (PMDB-RS)...
Freixo – Isso é um horror.
Fórum – Qual a sua avaliação em relação ao projeto? Por que o senhor acha que, quando temos um crime hediondo, ou midiático, aparece sempre alguém para propor aumento de pena?
Freixo – Bom, é isso, o Estado penal é fundamental para sustentar o Estado mínimo, mas todo projeto político precisa de legitimidade, por isso falo da luta político-pedagógica. Ontem, no debate com a juventude, levei uma matéria que dizia assim: “Noite de tiros e explosões na zona sul do Rio.” O subtítulo era: “Vizinhos dos morros não conseguem dormir e ao amanhecer têm medo de sair de casa.” O morro deve ter dormido bem pra cacete, né? Era o título da matéria. Todas as pessoas entrevistadas moravam perto do morro, porque não tem problema no morro, ele é o problema. A eliminação da dignidade do outro é fundamental para o processo de hegemonia e de legitimidade desse Estado penal, e a produção do medo é didaticamente fundamental para legitimá-lo, porque o medo faz com que o supérfluo não precise cometer um crime para ser tratado como criminoso.
A produção do medo é a essência da criminalização da pobreza, porque precisamos criminalizar os territórios pobres para que o Estado possa ser totalitário, para manter essa ordem sem que me incomode internamente. Porque, se não tenho compromisso ético com ele, não sou um deles, ele é o outro. Hannah Arendt disse o seguinte: “Pior do que a rivalidade e a oposição, é indiferença.” A indiferença mata, a rivalidade não; a rivalidade você pode vencer, mas você reconhece o outro; na indiferença, você anula o outro. É esse o processo pedagógico que temos de enfrentar.
A polícia entra na favela e cinco pessoas morrem, isso cria uma grande comoção? Não. Porque, na nossa cabeça, essas pessoas já foram julgadas, julgadas pelo nosso medo. “Polícia entra na USP e mata cinco”. Toda a imprensa vai para lá. Que merda é essa? A dignidade tem endereço, a decência humana tem endereço, é de classe. Por isso, a luta por direitos humanos é a essência da nova luta de classes hoje. Porque não está na relação capital e trabalho, está entre quem é humano e quem não é. Quando um sujeito diz: “Direitos humanos para humanos direitos” é porque ele está dizendo que existe uma categoria que não é humana. Há uma busca de legitimidade do extermínio, seja físico ou moral. A Comissão dos Direitos Humanos é importante por isso, não pode ter alguém que legitima essa hegemonia, que pedagogicamente reforce essa anulação do outro, por isso que é grave. Acho que esqueci de falar algo...
Fórum – O projeto de lei do Osmar Terra.
Freixo – É a mesma coisa. Hoje, você tem o crack que serve a esse papel, é a demonização das drogas. Trabalha-se na lógica da culpa individual, da responsabilização individual da droga; se você é um drogado, isso é problema seu, muitas vezes espiritual, e aí a cura é espiritual, do tratamento religioso, das OSs [Organização Social] ou dessas casas de reabilitação que, no Rio de Janeiro, fazem parcerias. Vai ver o escândalo que é aquilo.
Qual é o grande problema? O debate sai da área de Saúde, não é mais um debate de saúde pública. A partir do momento em que se trabalha na lógica de culpar o indivíduo, cria-se uma grande comoção, porque fica aquele negócio do “meu filho pode ser um deles”. Ao contrário da morte na favela, o debate da droga leva à conclusão de que isso pode acontecer com o seu filho, “o crack pode consumir o seu filho”. O crack parece uma coisa que anda por aí e pode pegar seu filho. Todo mundo sabe que isso é dramático e ninguém quer ter uma pessoa dependente, seja de álcool ou de droga em casa, isso é um drama, um horror, mas é um problema de saúde pública. Então, não se investe nos consultórios públicos, nos Caps [Centro de Atenção Psicossocial], o Rio de Janeiro tem três Caps AD [Álcool e Drogas], somente três, e isso não entra em nenhuma pauta jornalística. Mas entram as operações para matar “cracudo” na Maré.
Qual é, então, a política pública? E aí o mandato do nosso vereador no Rio de Janeiro, Renato Cinco (Psol), tem essa prioridade política e está fazendo um trabalho político excelente, pedagógico, essencial. Vá nos abrigos para onde essas pessoas são levadas, de quem é o convênio? Quem está atendendo? Qual é a política de saúde? Quantos deles voltam para as drogas? Então, não se tem responsabilidade. Esse projeto é de um retrocesso brutal no que diz respeito às políticas públicas de saúde, é movido pela vitimização coletiva da sociedade contra as drogas, por isso digo que a luta política é pedagógica. “Ah, mas vocês acham que não tem nada demais a pessoa consumir crack?” Claro que tem, mas o que é mais eficaz? Qual o debate da eficácia da política? O debate da eficácia morre, porque não se tem esclarecimento.
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