Escrito en
DIREITOS
el
Pilar Calveiro, antropóloga e ex-prisioneira política argentina, traz em livro reflexões sobre os campos de extermínio da ditadura de seu país e analisa as relações entre o poder e a repressão
Por Glauco Faria
Esta matéria faz parte da edição 128 da revista Fórum. Compre aqui.
Uma estrutura que utiliza os campos de concentração como instituição principal do aparato repressivo. É assim que a antropóloga e ex-prisioneira política argentina Pilar Calveiro define o que chama de poder desaparecedor, considerado por ela um dos elementos fundadores da ditadura militar de seu país. Durante o regime que vigorou entre 1976 e 1983, calcula-se que 30 mil civis tenham sido mortos e 500 bebês sequestrados, caracterizando uma repressão militar das mais sanguinárias que o continente já viu.
[caption id="attachment_37105" align="alignleft" width="184"] (Ana Yumi Kajiki)[/caption]
Contudo, esse poder desparecedor ainda se faz presente hoje, assim como a lógica que o sustenta, o belicismo. Isso se reflete tanto em casos como o de Amarildo como no da prisão de Guantánamo. Em ambos os casos, a violência e a aniquilação são justificadas em nome de um bem supostamente maior. “Tais cenários implicam a necessidade – entre aspas – imperiosa de destruir o outro, porque senão o outro vai me destruir”, explica Calveiro.
A antropóloga esteve no Brasil no fim de outubro para o lançamento de seu livro Poder e desaparecimento: os campos de concentração na Argentina (Boitempo Editorial), no qual relaciona sua experiência pessoal como prisioneira e a análise dos precedentes que possibilitaram a construção desse cenário de horror. Ela conversou com Fórum a respeito da obra e sobre as raízes e as consequências do autoritarismo na Argentina e também no Brasil.
Fórum – No seu livro, você fala sobre o poder desaparecedor como elemento fundador da ditadura argentina. Que tipo de características são semelhantes e também quais distinguem o regime autoritário argentino dos outros vividos em países vizinhos da América Latina?
Pilar Calveiro – Bem, não me atreveria a fazer uma comparação com os outros regimes autoritários da América Latina, mas parece-me que um elemento comum a todos é o uso do desaparecimento forçado contra dissidentes políticos. Creio que a coisa específica que analiso aqui é a figura do campo de concentração, uma particularidade do caso argentino, pensado como uma constelação de centros clandestinos que operam em nível nacional, em todo o território e com um comando central da própria estrutura das Forças Armadas. Isso ocorre somente na Argentina, ainda que também na Guatemala se veja algo parecido num dado momento e no caso do Paraguai não haja essa estrutura completa; mas há, sim, um lugar que tem as características de um campo de concentração, de extermínio, com pessoas detidas ali sem nenhum direito reconhecido, isoladas. Contudo, esse modelo de constelação, que cobre o território nacional, é muito característico do caso argentino.
Fórum – Mas o poder desaparecedor, no caso, não está associado apenas à existência dos campos de extermínio, vai muito além, não?
Pilar – Sim. Isso que chamo de poder desaparecedor é toda a estrutura de um poder que utiliza um campo de concentração como instituição principal do aparato repressivo. Mas poderíamos dizer que, em termos políticos, é um poder que opera por desaparição daquele que considera não ser funcional. Então, há antecedentes importantes, no caso da Argentina. Por exemplo, quando em 1955 se dá o golpe contra [Juan Domingo] Perón, uma das primeiras disposições dos militares da Revolução Libertadora é proibir esse nome “Perón” e que se utilize a palavra “peronista”. Como se proibindo nomear o fenômeno se levasse à desaparição do mesmo...
Falo de uma estrutura de poder que vem de antes e que aqui, ao montar todo um dispositivo de desaparição de pessoas, num sentido é mais radical, porque inclui a desaparição dos restos físicos dessa pessoa uma vez eliminada. É como uma condensação de um fenômeno que vem de antes e que se poderia dizer que remonta ao que já existia no século XIX na Argentina.
Fórum – No livro você diz que, para possibilitar a existência de campos de extermínio, é necessário que essa ideia esteja arraigada, que haja uma estrutura molecular na sociedade. Onde estão as raízes, essa estrutura que permitiu que a sociedade argentina concebesse a existência de campos de extermínio?
Pilar – Bem, a ideia na verdade não é minha. Eu a tomei emprestada de Michel Foucault, no sentido de que, se observarmos o sistema repressivo, pode-se encontrar nele uma radiografia do poder político. Mas, ao mesmo tempo, estenderia essa ideia e diria que, ao se olhar o poder político, não se pode vê-lo separado da sociedade que o sustenta, e esta, por sua vez, é alimentada por esse poder político. O campo de concentração é possível numa sociedade para a qual é plausível a existência dele. E, ao mesmo tempo, a existência do campo de concentração alimenta essas características da sociedade, as potências se multiplicam. Sociedade e sistema repressivo se correspondem, se retroalimentam.
Fórum – Mas já era possível detectar, àquela altura da história argentina, na década de 1970, elementos que poderiam possibilitar os campos de extermínio? Ou seja, uma cultura autoritária, uma herança, um legado colonial, de repressão, que tornasse a sua existência algo plausível, como você falou?
Pilar – O fenômeno autoritário é um denominador comum na América Latina e sua origem se relaciona com o colonialismo. É o fenômeno colonial que marca nossas sociedades com essa estrutura de caráter autoritário, a própria ideia de pensar sociedades divididas entre o colonizador espanhol ou português, sendo o colonizado um índio genérico. Qualquer outro colonizado é um índio diante do colonizador. Aí estamos falando de uma estrutura de caráter autoritário.
É algo que está presente em todas as sociedades da América Latina, e cada uma delas fez seu próprio caminho com isso. Mas, no caso da Argentina, sobre essa base do colonial há muitos outros elementos que se vão agregando, toda uma história pensada em termos binários, de confrontação, e, ao longo do século XX, com a participação das Forças Armadas na vida política e a recorrência dos golpes militares, o exército passa a ocupar esse lugar do Estado, tomando as suas funções. Isso foi fundamental para a reprodução do autoritarismo na sociedade argentina, ocorreu de uma maneira muito forte. Digamos que a lógica militar, a lógica disciplinar do militar, foi marcando de uma maneira muito poderosa, no século XX, a sociedade do país. Outro elemento importante nesse disciplinamento foi o serviço militar obrigatório, que na Argentina existiu ao longo de todo o século XX, seguiu muito depois da ditadura. Essa foi uma das cabines de transmissão desse autoritarismo, dessa lógica quartelária dos militares a todo o conjunto da sociedade.
São muitos elementos, e certamente me escapam muitos outros, mas há um conjunto deles que vai abonar essa estrutura autoritária que leva a essas lógicas de confrontação, fazendo com que a sociedade fosse permeada por uma lógica do tipo bélica, matriz de todos os modelos autoritários.
Fórum – O modelo de campos de extermínio foi adotado na Argentina e existe o exemplo mais ilustrativo, historicamente, que é o da Alemanha nazista. Mas ele já havia existido antes, na África, na Ásia, ou seja, em sociedades muito distintas e com graus, inclusive, de democracia política distintos. É possível formular uma explicação de como os campos de extermínio estiveram tão presentes, principalmente no século XX, na história do mundo?
Pilar – Bem, Hannah Arendt afirmou que o campo de concentração chegou para ficar, dizendo que ele está associado a certas formas da modernidade. [Giorgio] Agamben fala do campo de concentração como o modelo fundamental do que seria a exceção, o estado de exceção dentro dos Estados-nação. Os casos que você menciona são muito importantes, porque em todos os Estados onde essa instituição está presente as circunstâncias são muito diferentes. E creio que o escândalo de aplicação dos campos de concentração pelos alemães tem a ver com o fato de se aplicar pela primeira vez na população europeia, mas efetivamente, antes, se havia utilizado sem nenhum problema sobre a população das colônias.
Fórum – Inclusive a mando dos governos europeus...
Pilar – Exatamente, exatamente... Sobre os outros parece que se aplica com muita facilidade. Bem, o escândalo do nazismo é indiscutível, mas uma das coisas que escandalizam os europeus é o fato de que ele se realiza sobre a sua própria população. No caso argentino, há que se dizer que tem outra escala. O problema das escalas não é irrelevante, a escala do modelo concentracionário na Alemanha é muito diferente, muitíssimo maior do que a que ocorreu em território argentino. Todavia, o que chama atenção na Argentina é que há muitos outros traços que definiram o modelo concentracionário. Isso aparece nas situações em que se constrói um outro, que é um outro “inimigo”, se constrói a relação com o outro como bélica, um inimigo perigoso que se tem que eliminar. Esse é o caldo de cultivo para que apareça o campo de concentração. No momento atual, quando aparecem figuras que têm a ver com o campo de concentração, como Guantánamo, trata-se de um cenário bélico. É sempre no contexto de guerras; da guerra colonial, que é uma guerra para fora; da guerra entre os países europeus na Segunda Guerra, uma guerra interna; da guerra contra a subversão, que é uma guerra dentro de um Estado, e, agora, a chamada guerra antiterrorismo, contra um inimigo externo e interno, porque a qualidade do terrorista é ter a dupla função. Tais cenários implicam a necessidade – entre aspas – imperiosa de destruir o outro, porque senão o outro vai me destruir.
Fórum – Você mencionou a questão do serviço militar obrigatório na Argentina como um dos elementos fundadores. Como é hoje a relação das Forças Armadas do país com a sociedade e, vice-versa? Houve um reconhecimento daquilo que foi feito com a instituição de um regime autoritário?
Pilar – Bem, sim, houve uma diferenciação das Forças Armadas atuais em sua postura, em relação ao que se praticou naqueles anos, mas há que se dizer que isso foi em algum sentido forçado. Há aqui toda uma política governamental que vai levando as Forças Armadas a uma atuação distinta daquela dos anos 1970. Nesta última década, houve uma política em relação às Forças Armadas, que tem a ver com os planos educacionais, que incorpora a questão dos direitos humanos, busca-se modificar o papel das Forças Armadas na sociedade, não somente por meio de sua participação em programas sociais, mas também em sua própria formação, promovendo uma nova consciência sobre qual seria o papel que teria a instituição militar no mundo atual, no contexto da democracia.
Fórum – Aqui no Brasil, muitos militares ainda se orgulham e chamam a ditadura militar de “revolução”, que é inclusive um conceito impregnado para muitas pessoas mais velhas, que chamam até involuntariamente a ditadura dessa forma. Na Argentina, existem ainda esses militares que têm orgulho, que podem se expor publicamente falando isso?
Pilar – Bem, com certeza existe um orgulho do que foi feito. Temos o caso de [Jorge Rafael] Videla, por exemplo, que nunca se retratou por sua atuação, e, dos militares processados, nenhum manifestou algum tipo de arrependimento ou de crítica a respeito da atuação nesses anos. Também existem organizações de familiares de militares que reivindicam o que fizeram, que falam da guerra contra a subversão, do perigo subversivo, de como a pátria estava em risco de ser ocupada pelos comunistas etc., mas não há espaço para que isso aconteça publicamente. Ou seja, um comandante das Forças Armadas não poderia de nenhuma maneira fazer alguma declaração nesse sentido, porque seria destituído imediatamente. Não existe a possibilidade de um pronunciamento público em apoio ao que se viveu durante a ditadura na Argentina atual. Inclusive os setores mais reacionários, que em dado momento apoiaram abertamente a ditadura, como alguns meios de imprensa que continuam funcionando e contam com grande circulação, não se atrevem em seus discursos, hoje, a fazer isso também. Nesse sentido, os julgamentos foram fundamentais, demonstraram abertamente e de maneira irrefutável que o que ocorreu na ditadura era sob todos os aspectos ilegal e inaceitável.
Fórum – Você menciona no livro que, como no Brasil, as Forças Armadas não agiram sozinhas, ou seja, contaram com a participação de grupos econômicos, uma elite dominante que, a partir do momento em que se viu perdendo disputas eleitorais, optou pela via militar, pela via do golpe. E nesses setores, existe também qualquer tipo de arrependimento público?
Pilar – Não... A direita raramente se arrepende do que faz [risos]. E creio que nunca pediu desculpas. Está claro que muitos setores apoiaram o governo militar, estamos falando de setores empresariais e da Igreja Católica – sua hierarquia mais alta, porque houve setores na Argentina que estavam muito vinculados às organizações populares, mas a hierarquia eclesiástica não. Então, foram o alto empresariado, principalmente, a hierarquia eclesiástica, setores do aparato policial – que funcionou convalidando o que ocorria no governo militar – e, bem, os meios de comunicação. Os meios de comunicação, praticamente a maioria, quase todos, aplaudiram, mas muito entusiasmados, a chegada dos militares e lhes ofereceram espaço na imprensa, os enalteceram, acima de qualquer merecimento, evidentemente.
Também preciso dizer que setores importantes na classe média decidiram pelo beneplácito aos militares, por essa lógica de ordem, muito própria das sociedades autoritárias, que lhes fazia presumir que um grupo, a ordem militar, iria tranquilizar o país e trazer mais prosperidade. Claro que isso não tardou em se mostrar falso, não aconteceu. Pelo contrário, os setores médios se viram prejudicados pela política militar.
Fórum – Você menciona a lógica da ordem, que aqui, nas camadas médias da sociedade e até nas mais baixas, é muito presente, o que acaba justificando muitas vezes a ação repressiva do aparato policial. Como é essa relação do argentino em geral com a polícia, tapa-se os olhos para algumas ações brutais da polícia?
[caption id="attachment_37107" align="alignleft" width="319"] (Ana Yumi Kajiki)[/caption]
Pilar – Bem, em geral a polícia sempre teve muito poder na Argentina, porque tinha o direito de atirar em alguém que resistisse no regime militar. Naquele momento, a polícia era uma força repressiva temida e reconhecida como perigosa. Depois vem um período, já após a queda do governo militar, em que vai estar ligada com o assassinato de jovens em bairros pobres, o que se chamou “gatilho fácil”, essa impunidade com a qual a polícia atirava, sobretudo na Província de Buenos Aires, mas também em outros lugares, com toda a tranquilidade contra alguém que supunha estar cometendo alguma infração. Geralmente, jovens de zonas periféricas.
A instituição policial é respeitada e temida na Argentina, claro, é uma situação que também se modificou com a democracia e, sobretudo recentemente, depois de todas as denúncias sobre o “gatilho fácil” e tudo mais, isso começou a ser fiscalizado por parte do Estado, e inúmeros policiais foram condenados, ainda que tenham uma autonomia e uma possibilidade de exercer arbitrariedades, no uso de sua força repressiva, muito fortes em algumas regiões do país.
Denúncias das mais importantes de violação de direitos humanos na atualidade têm a ver com violações cometidas pela polícia, sobretudo na Província de Buenos Aires.
Fórum – A Argentina teve a experiência das Comissões da Verdade e também o processo de punição dos militares. No Brasil, estamos vivendo essa experiência tardia, mas há uma Lei de Anistia que, na prática, não permite que as pessoas que executaram esses crimes sejam punidas. O que é mais importante nesse processo de reparação: o reconhecimento daquilo que foi feito, a punição ou o resgate histórico que essas comissões da verdade fazem e trazem para gerações que não tiveram contato com a ditadura?
Pilar – Todas as coisas andam juntas, são inseparáveis. É necessária a punição no sentido de que a impunidade estabelece uma garantia de repetição. Agora, junto com esse processo é fundamental a memória, os julgamentos ajudam a estabelecer, a fixar uma memória social. E, ao mesmo tempo, a memória social reivindica os julgamentos. As Comissões da Verdade são fundamentais em todo esse processo, porque são elas que recuperam, com base nos testemunhos, o ocorrido e reconstroem de alguma maneira o que aconteceu, um insumo importante para a eventual realização dos julgamentos, fundamental para a construção da verdade. Essas três coisas andam juntas, são parte de um processo, uma puxa a outra.
Fórum – Mas quando falta, por exemplo, no caso brasileiro, a punição, isso afeta muito o processo de reparação?
Pilar – Muitíssimo! Tem de existir a punição. Para que seja crível, uma vez que se estabeleça a verdade, tem de haver algumas consequências, decisões no âmbito da Comissão da Verdade. A punição, do meu ponto de vista, é importante, não por uma questão de acertar contas com o passado. Sim, claro que é significativo fazer justiça, mas ela se relaciona principalmente com a forma como consideramos hoje, na democracia, que devemos reagir a violações de direitos. É uma decisão que se toma no presente, para o presente.
As sociedades, à medida que vão abrindo espaço para a construção de uma memória social, também vão reclamando e exigindo justiça. Porque as violações de direitos não são algo que se realiza somente contra as vítimas diretas, é algo que se faz contra a sociedade como tal.
Fórum – No caso da polícia militar, que teve sua ação fortalecida durante a ditadura, ainda hoje agentes da corporação exercem esse poder desaparecedor, como ilustram o caso do Amarildo e de tantos outros. Esse tipo de ação se relaciona justamente com a falta de um acerto de contas com o passado?
Pilar – Claro, na medida em que não há esse acerto de contas de que você fala, isso se reproduz, de diferentes maneiras, mas se reproduz. A violência policial aumenta, o assassinato de pessoas de maneira absolutamente ilegal se sustenta. É necessário que existam esses processos fundados no Direito, que ponham fim a esse tipo de prática. Segue-se vendo como normal que o Estado tenha a atribuição de matar. Mas não, o Estado não tem a atribuição de matar. E quem tem de dizer isso não é apenas a lei, mas a sua aplicação.
[caption id="attachment_37104" align="alignleft" width="120"] Mural em Buenos Aires representando uma mãe e um filho, vítima de desaparecimento forçado[/caption]
Fórum – No seu livro, você diz que não há poder sem repressão, a repressão seria a alma do poder. Como as sociedades podem limitar esse poder repressivo?
Pilar – Bem, creio que a repressão é a alma do poder porque está em seu núcleo. A articulação entre discurso e potência repressiva do Estado – discurso e tudo o que ele cria, também, ao seu redor – é o que configura o poder. Como limitar o potencial violento do Estado? Creio que quanto mais forte é a sociedade civil, mais se debilita. Porque a sociedade civil restringe essa potência, lhe põe um freio, a limita. Não a elimina porque, em algum ponto, esse núcleo violento também tem a ver com o que dizíamos, com o castigo à transgressão da lei. Agora, o que se tem de ver é como se distribui essa punição, porque em nossa sociedade o castigo ao descumprimento da lei só ocorre com os pobres, com os excluídos, que muitas vezes não só não são os maiores responsáveis, mas sequer são responsáveis por qualquer ilegalidade. Pagam pelos outros.
Entre as transgressões mais graves estão as que dizem respeito a delitos contra a humanidade, nos quais o próprio Estado está envolvido. Se isso fica evidente e o cumprimento do Direito vem nesse sentido, a violência estatal se restringe, é enfrentada por uma sociedade organizada, que exige o cumprimento dessas funções e o impede de lançar mão dessa violência em qualquer direção. Há um equilíbrio que, ao invés de criar uma espiral de violência, faz o contrário, a desmonta e tende a criar mecanismos de diálogo, de consertação e negociação.
Fórum – Para concluir, como foi para você escrever esse livro? Porque imagino que traga uma série de lembranças, outras tantas reflexões. Como é esse processo?
Pilar – Dificilíssimo! Foi muito difícil para mim, escrever esse livro, um projeto que comecei, abandonei, ficou esquecido, e o recuperei por provocação de uma amiga mexicana, que me disse: “Não, você tem que terminar isso”, e então retomei. Mas, sim, para mim foi muito difícil, me sentia como uma louca, demente, fechada num quarto com papéis, documentos e coisas de muito tempo atrás, escrevendo sobre histórias que haviam acontecido e eram difíceis. Foi custoso, mas foi importante... importante para mim, terminá-lo e creio que foi parte também de processar pessoalmente o que foi vivenciado, ao poder escrever.
Foi difícil e, sim, terminei o livro por razões quase externas a mim, porque me empurraram para isso, mas, bem, me alegro de ter conseguido. F
Transcrição/tradução (espanhol – português): Cristina Uchôa.