Escrito en
DIREITOS
el
Conferência de políticas para mulheres defende direito ao aborto e avalia conquistas dos últimos anos
Por Mario Osava, da IPS
O direito ao aborto e o efetivo cumprimento de políticas sociais, especialmente as dirigidas à população feminina, serão assuntos importantes a serem tratados entre amanhã e segunda-feira em Brasília na Segunda Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres. Cerca de três mil mulheres, representantes dos 27 Estados, discutirão novos caminhos para a luta pela igualdade de gênero e pelos direitos específicos, além de avaliar a execução do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, resultado da primeira conferência, realizada em julho de 2004.
O Plano, de 199 ações divididas em quatro eixos, trabalho, educação, saúde e violência, significou, nos fatos, poucos avanços efetivos, em grande parte devido à política econômica adotada, que impõe fortes reduções orçamentárias na área social, disse à IPS Natalia Mori, co-diretora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea). No debate do orçamento deste ano, por exemplo, o movimento feminista conseguiu duplicar a verba destinada ao combate e à prevenção de violências contra as mulheres, aumentando para R$ 23 milhões. Mas 70% dessa quantia já foram bloqueados.
Dessa forma, um grande triunfo registrado no ano passado foi a aprovação da chamada Lei Maria da Penha, que tipifica as agressões contra mulheres como crimes com suas respectivas penalizações legais, perde boa parte de sua efetividade diante da falta de recursos para pôr em prática muitas medidas necessárias para sua aplicação, como a proteção a testemunhas e vítimas. A Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, que promove a definição de programas através das conferências participativas, dispõe, assim, de recursos insuficientes pra cumprir sua missão, embora seja reconhecida como eficaz na aplicação de seu orçamento, disse Mori.
Outras áreas sociais previstas pelo governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como a previdência social, sofrem pressões por reformas e reduções em atenção ao “modelo econômico” de contenção de dívida e gastos públicos, enquanto os investimentos em infra-estrutura têm seu orçamento garantido pelo plano de crescimento do produto recentemente adotado, lamentou a ativista. A segunda Conferência de Mulheres, além de discutir mecanismos para que as metas do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM) tenham garantias de recursos orçamentários, deverá definir gestões para que os governos estaduais e municipais ponham em marcha programas locais, necessários para que essas políticas se concretizem, ressaltou Mori.
O Cfemea, uma ONG de Brasília, acompanha as políticas públicas e, especialmente, dos projetos em tramitação parlamentar que favorecem a igualdade de gênero e os direitos femininos. O aborto é um tema polêmico na sociedade brasileira, mas sua despenalização foi uma medida defendida pela maioria na primeira conferência das mulheres, realizada há três anos. Dessa resolução resultou um projeto de lei, elaborado em 2005 por uma comissão tripartite, com representantes dos poderes Executivo e Legislativo e da sociedade civil, mas que parou no Congresso.
A aprovação do aborto como um direito das mulheres foi “o grande avanço” da conferência nacional de 2004, recomendando a revogação das leis punitivas, e sua reafirmação agora seria importante, afirmou Sonia Correa, pesquisadora de gênero e direitos sexuais de instituições brasileiras e internacionais, como a rede DAWN. Diferentes fatos políticos, como os escândalos de corrupção no governo e uma frente de parlamentares conservadores e religiosos, abortaram o projeto de despenalização do aborto. Porém, o novo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, assumindo “corajosamente” o debate sobre o aborto como um problema de saúde pública, fortalece a luta feminina por esse direito, avaliou Correa.
A posição do ministro “responde a um processo de 20 anos” de avanços na questão, como o direito de abortar na rede pública de saúde nos casos admitidos na legislação, de gravidez causada por violação e que coloquem em risco a vida da mãe. Outro avanço importante nessas conferências foi a “revitalização” do debate sobre a violência contra mulheres, que levou à aprovação da Lei Maria da Penha, que homenagia uma mulher que sofreu duas tentativas de assassinato por parte de seu marido, ficou paraplégica e após duas décadas de luta judicial conseguiu a condenação do agressor.
A criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, com status de ministério, e a promoção de conferências, em um processo participativo que nesta segunda edição mobilizou 195 mil delegadas em encontros municipais e estaduais, representam conquistas que ocorreram no governo Lula, cujo primeiro mandato começou em janeiro de 2003, reconheceu Mori. Mas o governo eleito nas eleições de 2002 e 2006 tropeça na execução prática das resoluções adotadas em diálogo com a sociedade.
Na previsão social também é “desanimadora” a posição governamental, que “não combate privilégios” e pouco faz para incluir no sistema os 40 milhões de brasileiros excluídos, em sua maioria mulheres e negros, criticou a ativista. A igualdade no mundo do trabalho, do ensino “não-sexista”, a melhora na saúde respeitando os direitos sexuais e reprodutivos e o combate mais efetivo à violência que sofrem as mulheres são os quatro eixos que concentram as reclamações femininas nesta segunda conferência. Apesar de serem maioria e terem maior escolaridade, em média, as mulheres continuam ganhando menos que os homens pelo mesmo trabalho.
Envolverde/ IPS