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A fuga de Zambelli: Um contratempo estratégico para o STF em tempos excepcionais? – Por Daniel Alem

A história brasileira, infelizmente, registra precedentes de rupturas institucionais e tentativas de golpe que, não raro, culminaram em ampla impunidade

Créditos: Fellipe Sampaio /SCO/STF
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A aparente fuga da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), diante de uma ordem de prisão do Supremo Tribunal Federal (STF), não se limita a um mero episódio de desobediência. Sob a lente fria da análise política, é possível especular que este evento, paradoxalmente, possa representar um desenvolvimento operacionalmente útil para a mais alta corte do país em um momento histórico de extrema gravidade. Permita-me contextualizar.

O STF encontra-se imerso no julgamento de um dos casos mais singulares e complexos da história republicana brasileira: a apuração e a responsabilização de indivíduos e grupos acusados de articular e executar atos claramente identificados como tentativa de golpe de Estado. O objetivo central destas ações, conforme amplamente documentado nos autos, era duplo: primeiro, impedir a posse dos legítimos vencedores das eleições presidenciais de 2022; e, num segundo momento, após a posse, promover a destituição violenta dos governantes eleitos. A sombria trama incluiu, ainda, a revelação de planos de assassinato, elevando o caso a um patamar de gravidade ímpar.

A história brasileira, infelizmente, registra precedentes de rupturas institucionais e tentativas de golpe que, não raro, culminaram em ampla impunidade. É precisamente contra esse histórico que o atual julgamento na Segunda Turma do STF se ergue, mobilizando a nação e testando os mecanismos de responsabilização do Estado Democrático de Direito.

O ineditismo do processo reside não apenas na natureza dos crimes, mas também no perfil dos envolvidos: figuras de considerável poder político e econômico, com supostos vínculos estreitos com setores das Forças Armadas e agências de inteligência. Diante de um quadro tão delicado e potencialmente explosivo, é de se esperar que o STF adote medidas excepcionais de cautela para garantir a efetividade do processo e a aplicação futura de eventuais sentenças.

É neste cenário de precaução extrema que a fuga da deputada Zambelli adquire uma dimensão estratégica inesperada. O episódio, embora em si mesmo um desafio à autoridade judicial, oferece ao Supremo uma justificativa tangível e imediata para reforçar, perante a opinião pública e as instituições, a necessidade premente de medidas de segurança mais rigorosas. O risco concreto de evasão, materializado pela deputada, serve como argumento incontestável para a implementação de protocolos que impeçam a repetição do fato por parte dos demais dezenas de réus – muitos dos quais detêm recursos e conexões que facilitariam a fuga.

Em outras palavras: o contratempo representado pela fuga de Zambelli pode ter fornecido ao STF o momento político oportuno para ampliar, com menor resistência, as medidas repressivas necessárias para assegurar que todos os acusados, se eventualmente condenados, cumpram efetivamente suas penas. Transforma-se, assim, um revés aparente em um instrumento de fortalecimento da ação judicial em um caso que define os limites da democracia brasileira. O Supremo, confrontado com a fuga, vê-se não apenas legitimado, mas praticamente obrigado, a cerrar fileiras contra o risco de impunidade em massa.

A corte enfrenta, portanto, não apenas o desafio de julgar os atos golpistas, mas também o de garantir que seu veredicto não seja esvaziado pela fuga dos condenados. A evasão de uma figura proeminente, lamentável que seja, pode ter inadvertidamente armado o STF com o argumento definitivo para travar essa batalha crucial pela efetividade da Justiça. O tempo dirá se esta leitura estratégica se confirmará na complexa tessitura política e jurídica que se desenrola.

*Daniel Alem é mestre em economia pela UFBA.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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