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Gaza sitiada: A guerra que mata pela fome e pela sede – Por Marcelo Copelli

O que ocorre hoje em Gaza é uma guerra contra a sobrevivência. A estratégia do cerco, que impede água, comida e cuidados médicos, desumaniza o conflito e transforma civis em alvos

Créditos: Eyad Baba/AFP
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Desde o início deste mês, a crise humanitária na Faixa de Gaza atingiu um novo e alarmante patamar diante da intensificação dos bloqueios feitos pelas forças israelenses à entrada de água potável, alimentos, medicamentos e combustíveis no território. O cenário, que já era de extrema precariedade, torna-se ainda mais dramático.

Embora Israel tente justificar tais ações como medidas de segurança para evitar o desvio de recursos ao Hamas, é inquestionável o impacto direto e desproporcional sobre a população civil, provocando uma onda de indignação internacional. Organizações como a ONU, UNICEF, Human Rights Watch e Médicos Sem Fronteiras já classificaram a situação como um possível crime de guerra, denunciando que a negação deliberada de bens essenciais à sobrevivência viola as Convenções de Genebra.

A situação no terreno é marcada pelo desespero que atinge milhares de famílias. Metade dos hospitais de Gaza opera com capacidade mínima, sendo que muitos deles já estão à beira do colapso devido à falta de energia e de insumos. Os geradores movidos a combustível não conseguem mais manter as unidades de terapia intensiva funcionando plenamente. Além disso, o sistema de abastecimento de água foi amplamente destruído ou comprometido e, em muitos bairros, palestinos sobrevivem com menos de meio litro de água por dia.

Entre os mais afetados estão crianças e bebês, uma vez que os hospitais não dispõem mais de leite especializado para recém-nascidos, forçando famílias a improvisar com misturas caseiras de água e farinha ou com açúcar, o que tem levado a graves quadros de desnutrição e infecções.

São inúmeros os relatos de mortes em filas de distribuição de comida. Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, pelo menos 397 pessoas — em sua maioria civis — foram mortas enquanto esperavam por ajuda humanitária nos últimos dias, como no caso de um adolescente palestino de apenas 16 anos, morto por disparos israelenses enquanto tentava receber alimentos em uma área cercada. Como descreveu seu tio, “uma armadilha montada para matar gente faminta”.

A ONU estima que mais da metade da população de Gaza enfrenta insegurança alimentar em nível catastrófico. Não há garantias de acesso a qualquer tipo de alimento a curto prazo. A UNICEF alertou, em nota recente, que está “literalmente assistindo crianças morrerem de sede”.

Embora o tom da reação internacional seja crescente, o que se observa é a manutenção da hesitação diante da necessidade de ações concretas e urgentes. Parlamentares britânicos e europeus pressionam seus governos a suspenderem o envio de armas e recursos militares a Israel, enquanto não houver garantias mínimas de acesso à ajuda humanitária.

É necessária a criação de corredores humanitários desmilitarizados sob supervisão da ONU e de organizações humanitárias neutras, diante da intolerável situação cuja mancha na consciência da humanidade se alastra de forma incontrolável e cruel, atingindo civis inocentes.

Israel, por sua vez, continua vinculando a liberação de ajuda à devolução dos reféns mantidos pelo Hamas, mantendo o impasse diplomático e humanitário. Essa postura enfraquece sua imagem internacional e aprofunda o isolamento político, mesmo entre aliados históricos. O uso de necessidades básicas como instrumento de pressão política viola não apenas o direito internacional, mas também os princípios mais fundamentais da dignidade humana.

O que ocorre hoje em Gaza é uma guerra contra a sobrevivência. A estratégia do cerco — que impede água, comida e cuidados médicos — desumaniza o conflito e transforma civis em alvos indiretos, com o agravante de que muitos dos mortos são crianças, mulheres e idosos.

Trata-se de uma punição coletiva que remete a práticas medievais, mas que ocorre no coração do século XXI, sob os olhos atentos — porém impotentes — da comunidade internacional. A neutralidade humanitária precisa ser restaurada como valor inegociável. O tempo está se esgotando, e cada hora sem ação significa mais vidas perdidas.

A crise de Gaza desafia não apenas o direito internacional, mas também a nossa capacidade coletiva de compaixão, empatia e ação. O futuro da região — e a credibilidade das democracias que afirmam defender os direitos humanos — dependerá do que o mundo fizer, ou deixar de fazer, nas próximas semanas.

*Marcelo Avelino Copelli é jornalista, editor de Política, analista e pesquisador na área de Comunicação

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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