AVANÇO

Rima, fé e luta: Henrique Vieira assume Frente do Hip-Hop – Por Danilo Tavares

Ver um movimento nascido da exclusão ser reconhecido formalmente pelo Estado é um marco. Não resolve tudo — e nem deve iludir. Mas aponta um caminho

O deputado federal Pastor Henrique Vieira.Créditos: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
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Na última terça-feira (6), o deputado federal Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) assumiu a presidência da Frente Parlamentar em Defesa do Hip-Hop, durante o evento Raiz 01, na Casa Peregum, em Brasília. Mas essa história não começou ontem.

A Frente foi criada em 2023, durante os 50 anos do Hip-Hop no mundo, com o apoio de quase 200 deputados e 9 senadores. Seu primeiro presidente foi Carlos Zarattini (PT-SP). Agora, em 2025, ela ganha novo flow e lírica afiada sob a liderança de Henrique Vieira — pastor evangélico progressista, negro, periférico, poeta e militante.

Essa transição representa muito mais do que uma troca de nomes. É o sinal de que a cultura da periferia, que sempre gritou por direitos e respeito, está sendo ouvida dentro do Congresso Nacional.

Como disse o próprio deputado:

“Seguiremos na luta para fortalecer e fomentar políticas públicas em prol da cultura Hip-Hop, em diálogo com os territórios, os artistas e a juventude periférica que transforma a realidade por meio da arte e da denúncia!”.

Quando a arte é mais que arte

O Hip-Hop não é só cultura — é sobrevivência, denúncia, educação. Nas periferias do Brasil, é muitas vezes o único lugar onde se aprende a ler o mundo com senso crítico. É ali que se fala de racismo e machismo, de Estado, de repressão, de sonhos possíveis. Um estudo do DataFavela (2022) mostra que 4 em cada 10 jovens da favela dizem que a arte é o principal espaço onde conseguem falar de política, direitos e identidade.

Como canta o rapper Emicida:

“Enquanto cê dormia, eu tramava um plano infalível / Pra tornar invisível visível, pra tornar impossível plausível”.

Essa é a missão do Hip-Hop: dar voz a quem foi silenciado, dar palco a quem nunca teve plateia.

O desafio da política pública sem censura

Com Henrique Vieira à frente, a expectativa é que a Frente Parlamentar seja mais que simbólica. Que traga recursos, leis e escuta ativa. Mas sem engessar o movimento. O risco de transformar a cultura periférica em vitrine domesticada é real. Por isso, é fundamental que as políticas sejam feitas com os territórios, não apenas para eles.

Isso significa: edital acessível, conselho participativo, descentralização de verba e valorização das redes já existentes. O papel da Frente é abrir portas — não moldar discursos.

Espero que Henrique Vieira saiba disso. Ele vem da base. Não se propõe a ser "porta-voz" da quebrada, mas, sim, ponte entre o asfalto e a favela, entre a denúncia e a lei, entre o rap e a política pública.

Quando a rima entra no Congresso

Ver um movimento nascido da exclusão ser reconhecido formalmente pelo Estado é um marco. Não resolve tudo — e nem deve iludir. Mas aponta um caminho: o de uma democracia que escuta antes de impor, que aprende com os gritos e batalhas da rua.

Como já rimou Mano Brown:

“Fé em Deus que ele é justo / Ei, irmão, nunca se esqueça / Na guarda, guerreiro, levanta a cabeça”.

A cabeça está erguida. E acredito que o microfone também está nas mãos certas.

*Danilo Tavares (@danilotavaressol) é produtor cultural, funcionário público municipal e secretário de comunicação do PSOL de São Vicente, além de membro do Conselho de Economia Solidária de São Vicente e do Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista e diretor da Casa Crescer e Brilhar.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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