TECNOLOGIA

Silenciados pelo Algoritmo: como Meta e Israel apagaram vozes pró-Palestina — por Zildo Gallo e Keffin Gracher

Os algoritmos operam sob critérios políticos que favorecem determinados governos e interesses estratégicos globais

Créditos: Anthony Quintano/Wikimedia Commons
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Desde outubro de 2023, enquanto o mundo assistia ao agravamento do conflito entre Israel e Palestina, uma ofensiva silenciosa ocorria no ambiente digital: a censura algorítmica. Dados internos da Meta, revelados pelo Drop Site News¹ e corroborados por organizações como o 7amleh – The Arab Center for the Advancement of Social Media², indicam que a empresa atendeu a 94% dos pedidos de remoção de conteúdo feitos pelo governo israelense desde 7 de outubro de 2023, resultando na exclusão de mais de 90 mil postagens e na ação sobre milhões de outras por meio de sistemas automatizados. Esses dados revelam não apenas a escala do apagamento, mas a sua eficácia na produção de silêncio como estratégia de dominação digital em escala global.

O que torna essa campanha única é sua abrangência internacional. As solicitações de remoção não se limitaram a conteúdos originados em Israel, mas visaram usuários em mais de 60 países, principalmente em nações árabes e de maioria muçulmana. Além disso, a Meta concedeu uma exceção ao governo israelense, permitindo que a inteligência artificial da empresa processasse automaticamente esses pedidos, sem a habitual revisão humana. Esse dado reforça a tese de que os algoritmos operam sob critérios políticos que favorecem determinados governos e interesses estratégicos globais.

Essa prática revela uma nova forma de censura, operada não por regimes autoritários, mas por corporações transnacionais que controlam as infraestruturas informacionais de bilhões de pessoas. Byung-Chul Han³ discute o “desaparecimento do outro” e a substituição da negatividade política por uma positividade estéril, oferecendo pistas para entender esse fenômeno. O algoritmo, ao privilegiar o que é confortável e rentável, exclui tudo aquilo que incomoda ou confronta. Como alerta Han, o ambiente digital anestesia a divergência, dissolvendo o conflito em fluxos contínuos de confirmação e conforto.

Gramsci4, por sua vez, advertia que a dominação moderna se dá pela construção do consenso — pela hegemonia cultural. Na era das redes sociais, essa hegemonia é negociada entre governos, anunciantes e plataformas, sendo executada por códigos invisíveis que determinam o que pode ou não existir no espaço público digital. Essa nova hegemonia, agora mediada por algoritmos, transforma decisões técnicas — antes vistas como neutras — em mecanismos ativos de disputa política e ideológica.

O mais alarmante é que esse tipo de censura não deixa vestígios evidentes. O usuário comum não percebe o que foi removido ou o que deixou de ser sugerido. Diferente da censura tradicional, hoje ela se disfarça de “relevância” ou “segurança da comunidade”. O efeito, contudo, é o mesmo: impedir que determinados discursos circulem e ganhem adesão. E, ao mesmo tempo em que certas pautas são apagadas, outras são impulsionadas com força: conteúdos alinhados a interesses comerciais, geopolíticos ou ideológicos ganham hipervisibilidade — seja por meio de patrocínio, seja pela própria lógica algorítmica da plataforma.

Tratar a censura algorítmica como um episódio isolado seria um erro. O caso da Palestina expõe uma engrenagem já em funcionamento, capaz de suprimir causas sociais, apagar denúncias e impulsionar interesses específicos — quase sempre alinhados com o poder econômico e com os centros tradicionais de dominação. Como escreveu Shoshana Zuboff5, no capitalismo de vigilância, dados e comportamentos são commodities, e a invisibilidade se torna uma nova forma de controle. Casos como o da Cambridge Analytica — que influenciou eleições nos Estados Unidos e o Brexit no Reino Unido — revelam o alcance e o impacto desses mecanismos no jogo democrático global. No Brasil, como analisa Renato Rovai em sua tese Um Novo Ecossistema Midiático6, as redes sociais passaram a funcionar como verdadeiros campos de batalha simbólica, nos quais algoritmos operam como curadores ideológicos. Eles amplificam conteúdos que geram engajamento — muitas vezes sensacionalistas, polarizadores ou violentos — ao mesmo tempo em que invisibilizam vozes críticas e projetos contra-hegemônicos.

As oligarquias midiáticas tradicionais, antes donas das concessões e da pauta pública, hoje disputam espaço sob as mesmas regras das big techs — subjugadas aos algoritmos e à lógica da performance digital. Em vez de pautarem o debate, muitas vezes tentam sobreviver nele.

É urgente recuperar o olhar crítico sobre os meios de comunicação, incluindo as plataformas digitais como agentes centrais na disputa pela hegemonia cultural. Se os algoritmos decidem o que vemos, então decidem também sobre o que molda nossas percepções, desejos e crenças. E quem controla essa programação, em última instância, controla as fronteiras do possível — do que pode ser dito, defendido, sentido. A censura do século XXI não precisa proibir. Basta que ela nos impeça de ver.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum

**Zildo Gallo é Doutor em Geociências pela UNICAMP e professor titular no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente da Universidade de Araraquara (UNIARA). Keffin Gracher é pós-graduando pela Universidade de Araraquara (UNIARA).

Notas bibliográficas:

1. Drop Site News. 'Leaked data: Israeli censorship requests to Meta' (2024). Disponível em: [https://dropsitenews.com/leaked-data-israeli-censorship-requests-to-meta/](https://dropsitenews.com/leaked-data-israeli-censorship-requests-to-meta/) (acesso em abril de 2024).

2. 7amleh – The Arab Center for the Advancement of Social Media. 'Meta's compliance with Israeli requests' (2024). Disponível em: [https://7amleh.org/en/article/Meta-s-compliance-with-Israeli-requests](https://7amleh.org/en/article/Meta-s-compliance-with-Israeli-requests) (acesso em abril de 2024).

3. HAN, Byung-Chul. A sociedade da transparência. Petrópolis: Vozes, 2017.

4. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

5. ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.

6. ROVAI, Renato. Um novo ecossistema midiático: a história do jornalismo digital no Brasil (1995–2017). Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

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