“Never has youth been exposed to such dangers of both perversion and arrest as in our own land and day”. (Nunca a juventude foi exposta a tantos perigos de perversão e detenção como em nosso país nesses tempos). Esta frase está no prefácio de um livro intitulado “Adolescence” de 1904, escrito por Stanley Hall, psicólogo norte americano considerado o primeiro a promover a adolescência como uma fase específica do desenvolvimento biológico, social e psicológico humano. O interesse de seu estudo nasce justamente da preocupação com os números crescentes de delinquência entre jovens de cidades industrializadas. Em sua visão conservadora, informada por teorias evolucionistas, psicanálise freudiana e estudos quantitativos, estes números eram efeitos da vida urbana moderna.
120 anos se passaram e as preocupações de Stanley Hall não só permanecem atuais como muitas outras foram adicionadas ao rol de ameaças sociais. Em tempos recentes a música já foi objeto de apreensão, assim como a televisão, filmes de terror, drogas e vídeo game, para citar alguns. A recém lançada série “Adolescência” tem chamado a atenção para perigos bem atuais.
A série de 4 episódios apresenta com realismo perturbador os eventos que antecedem e sucedem a investigação de um homicídio cometida por um menino de 13 anos contra uma colega de escola. Ao reconstituir as circunstâncias exteriores e os motivos interiores de uma situação trágica a imagem que formamos é desoladora e nos remete à um sentimento nada novo de estarmos falhando enquanto sociedade. Quando uma criança é capaz de cometer um crime por razões tão banais no ambiente escolar onde devemos buscar as causas?
O que o bullying e outros crimes em ambiente escolar têm em comum é o fato de seus perpetradores serem movidos por um sentimento de fracasso na implacável competição por prestígio social a que estão sujeitos, onde características físicas, sociais, econômicas e psicológicas são colocadas em disputa mais ou menos velada por satisfazer padrões que elas sequer sabem de onde vêm. São os mesmos padrões exigidos nas interações dos adultos, presentes em seus juízos e preconceitos: beleza, inteligência, riqueza, símbolos de status pelo qual medem seu valor. O cruel é que nas interações dos adolescentes isto ocorre muito mais cedo do que a estrutura mental deles é capaz de suportar. Ávidos por aceitação e pressionados pela imediatez típica dessa fase da vida, vivem uma derrota momentânea como um fracasso eterno. Todas as situações de exposição social de uma criança ou adolescente são permeadas por um medo terrível da humilhação. Em resumo, estão acuados entre o pavor de cometer o menor erro e o fato de não estarem aparelhadas nem biológica nem psicologicamente para fazerem as escolhas mais acertadas.
E é nesta insegurança atroz que tornam-se mais suscetíveis à serem acolhidos nos piores círculos que proliferam no mundo virtual. As redes sociais funcionam de acordo com as mesmas regras intolerantes: oferecem a promessa de popularidade ou a ameaça de execração. Porém acelera para a velocidade de um clique no mouse uma exposição que atinge milhões de visualizadores o que o boca a boca da fofoca levaria horas ou dias para alcançar apenas algumas dezenas. E permite reunir em grupos, salas de chat, fóruns, de forma anônima e sem saírem de casa, portanto, aparentemente segura, gente que tem em comum as piores intenções.
No caso da série, a forma como Jaime é retratado parece didaticamente confirmar o quadro que acabo de descrever. Como foi apresentada na série, a fragilidade do menino o tornou presa fácil de grupos que se auto proclamam “red pill”: fóruns que congregam meninos e homens para transformar a energia passiva da frustração sexual em energia ativa de violência misógina. Estes grupos oferecem uma compensação viril à frágil educação sexual masculina, que ainda apoia-se numa ideia de “conquista” e vê a mulher como um prêmio, um objeto passivo que deve corresponder às necessidades agressivas e infantis de afirmação masculinas.
O primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, em parceria com a plataforma que a produziu, pretende exibir a série para os alunos de nível médio nas escolas inglesas. Não podemos prever o efeito desta política. Entretanto, ela parece ser o equivalente cultural de limparmos os oceanos ou diminuirmos a emissão de CO2. Uma tentativa tardia de diminuir os sintomas de uma organização social adoecida porque subjetivamente fundada numa noção individualista e tóxica de sucesso.
*Rodrigo Macedo Alves é psicanalista, escritor e pesquisador no campo da cultura e crítica literária, doutorando em sociologia pela Universidade de Brasília e especialista em Saúde Mental.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.