ANÁLISE

SNC: Por que é essencial para garantir direitos culturais? – Por Daniel “Samam” Barbosa Balabram

Cultura não é só entretenimento: é memória, identidade, futuro. E o Sistema Nacional de Cultura é a garantia de que esse futuro será plural e democrático

Aprovação do Sistema Nacional de Cultura (SNC).Créditos: Roque de Sá/Agência Senado
Por
Escrito en DEBATES el

A cultura está em tudo: na música que ouvimos, nas histórias que contamos, nas festas que celebramos e até na forma como nos relacionamos. Ela é a identidade de um povo, um elemento central na perspectiva de Nação, direito humano fundamental inscrito na Constituição cidadã de 1988. Mas como garantir que todas as pessoas, de Norte a Sul do Brasil, tenham acesso a esse direito? Como evitar que políticas culturais sejam desmontadas a cada troca de governo? É para responder a essas perguntas que existe o Sistema Nacional de Cultura (SNC).

O que é o Sistema Nacional de Cultura (SNC)? Um sistema de todos, para todos

O SNC não é um projeto de um partido ou governo, mas uma política de Estado criada para organizar, de forma permanente, a Gestão Federativa da Cultura no Brasil. Imagine uma rede que conecta União, estados, municípios e a sociedade civil, com regras claras e recursos compartilhados. Seu objetivo é simples - mas ambicioso: garantir que a cultura seja tratada como direito de todos, não como privilégio de alguns.
Ele foi institucionalizado pela Emenda Constitucional 71/2012 e se consolidou pela Lei 14.835/2024, que definiram suas "regras do jogo". Inspirado no Sistema Único de Saúde - SUS e no Sistema Único de Assistência Social - SUAS, o SNC propõe que a gestão cultural seja descentralizada: cada município e estado tem autonomia para criar suas políticas, adaptadas à realidade local; Participativa: a Sociedade Civil deve ter voz nas decisões; e Contínua: As ações não podem parar a cada quatro anos; precisam de planejamento de médio e longo prazos.

Como o SNC funciona na prática?

Para entender o Sistema Nacional de Cultura, é preciso conhecer seus componentes e instrumentos de gestão:

1-Planos de Cultura: São projetos de 10 anos que definem metas concretas, como "ampliar bibliotecas em zonas rurais" ou "valorizar artistas indígenas". Esses planos são criados em conferências públicas, onde a população ajuda a escolher as prioridades;

2-Conselhos de Política Cultural: São espaços democráticos onde governo e sociedade civil decidem juntos como usar recursos e fiscalizam as políticas. A regra é clara: metade das vagas é para o governo, metade para a população;

3-Comissão Intergestores Tripartite (CIT): Espaços de pactuação da Gestão, estabelecendo junto com os conselhos a Governança Federativa da Cultura para descentralização de políticas públicas;

4-Sistemas de Financiamento: O dinheiro vem de fundos públicos, leis de incentivo fiscal e orçamentos governamentais. A ideia é evitar que projetos culturais dependam apenas de patrocínios privados ou da "boa vontade" de um chefe de poder executivo de qualquer esfera;

5-Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC): é um instrumento de gestão para consolidar dados sobre bens, serviços, infraestrutura, investimentos, agentes culturais e políticas públicas no setor cultural. Sua finalidade é subsidiar o planejamento, monitoramento e avaliação de políticas culturais, garantindo acesso universal às informações e indicadores;

6-Conferências Nacionais: A cada 4 (quatro) anos, representantes de todo o país se reúnem para avaliar o que deu certo e o que precisa mudar.

Por que o SNC é necessário?

Muita gente pensa que cultura é algo supérfluo, mas o SNC parte de uma visão oposta: a cultura é essencial para projetos nacionais e para a democracia. Seja no combate às desigualdades, descentralizando as políticas culturais - enquanto grandes cidades têm teatros e museus, muitos municípios do interior não têm nem uma casa de cultura -, o SNC exige que estados e União apoiem financeiramente regiões mais pobres e garante que os governos ouçam as comunidades periféricas, povos tradicionais e artistas independentes. Também protege a diversidade, onde sem políticas públicas, culturas populares e tradições locais podem desaparecer, sufocadas por uma cultura massificada. E o fundamental na perspectiva de uma Política de Estado, o SNC garante continuidade, com órgãos gestores, conselhos e planos ativos e integrados federativamente, prevenindo tentativas de desmonte.

Desafios do SNC

Apesar de avanços recentes, a partir da aprovação no Congresso Nacional e sanção da Lei 14.835 pelo presidente Lula em abril de 2024, o SNC enfrenta desafios, já que um sistema universal exige descentralização e pactuação e governança federativa, além de transparência, participação e controle social. Outro desafio está na questão orçamentária: a cultura recebe menos de 1% do orçamento federal. Sem dinheiro, até os melhores planos correm o risco de virar “letra morta”. Sem contar nos desafios nos municípios, sobretudo os de pequeno porte, que são a maioria do país, que muitas vezes não dispõe de órgão gestor da cultura, quanto mais servidores e técnicos para elaborar planos e/ou organizar conselhos.

O SNC é uma construção coletiva

O Sistema Nacional de Cultura não é perfeito, mas é a melhor ferramenta que temos para transformar a cultura em direito. Cultura não é favor. Ele só funcionará se todos – governos, comunidade cultural, professores, estudantes – se apropriarem dele.

Como diz o professor da Universidade Estado Ceará (UECE), Alexandre Barbalho, o SNC é um “campo de disputa”. Disputa entre quem quer restringir o acesso à cultura e quem acredita que ela deve ser um espaço de todos. Para vencer essa batalha, precisamos exigir que o Sistema saia do papel, esteja representado nas conferências e cobre transparência na aplicação dos recursos.

Afinal, cultura não é só entretenimento: é memória, é identidade, é futuro. E o SNC é a garantia de que esse futuro será plural e democrático.

*Daniel “Samam” Barbosa Balabram é músico, educador, está como coordenador-geral do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) e coordenou a 4ª Conferência Nacional de Cultura (4ª CNC) no Ministério da Cultura (MinC).

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

Temas

Reporte Error
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar