POLÍTICAS CULTURAIS

Um ano da 4ª Conferência Nacional de Cultura: Caminhos para a Democracia

Há um ano, a 4ª Conferência Nacional de Cultura - CNC, a maior realizada em nossa história, é um marco na retomada e no fortalecimento das políticas culturais no Brasil

Um ano da 4ª Conferência Nacional de Cultura: Caminhos para a Democracia.Créditos: Valter Campanato/Agência Brasil
Por
Escrito en DEBATES el

Há um ano, a 4ª Conferência Nacional de Cultura - CNC, a maior realizada em nossa história, é um marco na retomada e no fortalecimento das políticas culturais no Brasil. Em um contexto de desafios históricos e retrocessos recentes – como a extinção do Ministério da Cultura – o encontro, sob o tema “Democracia e Direito à Cultura”, foi pensado como resposta ao clamor popular e à necessidade de garantir que a cultura seja tratada como direito universal e instrumento de desenvolvimento social, econômico e democrático.


Em 2025, a partir dos processos de regulamentação do Marco Regulatório do Sistema Nacional de Cultura (Lei 14.835/2024), do Marco do Fomento (Lei 14.903/2024) e de construção do novo Plano Nacional de Cultura (PNC), é possível traçar um balanço que revela avanços, desafios e perspectivas de continuidade.


Territorialidade e a Construção de Políticas Culturais


No contexto brasileiro, o território é sinônimo de diversidade. De Norte a Sul, as realidades – em termos de infraestrutura cultural, orçamento, organização institucional e acesso a bens culturais – apresentam variações significativas. A 4ª CNC, ao promover encontros em diferentes esferas – municipais, intermunicipais, regionais e estaduais – garantiu que as demandas de cada canto do país fossem ouvidas e incorporadas ao debate. Essa estratégia buscou a descentralização das políticas culturais e a efetiva inclusão de comunidades que, historicamente, ficaram à margem dos grandes centros urbanos.


Desafios e Propostas para o Território


Entre os desafios enfrentados, destacou-se a dificuldade de garantir a infraestrutura necessária para a fruição cultural em áreas remotas ou com menor investimento público. A ausência de equipamentos culturais – como bibliotecas, museus, teatros e centros culturais – e a precariedade na gestão dos recursos em pequenos municípios são obstáculos que precisam ser superados. Nesse sentido, a conferência propôs, por meio de seus eixos temáticos, o fortalecimento dos conselhos e dos instrumentos de gestão descentralizados, com a criação de redes colaborativas entre municípios vizinhos e a transferência automática de recursos para fundos locais.


Além disso, a territorialização passa pelo reconhecimento das especificidades dos diferentes grupos – como povos indígenas, comunidades tradicionais e culturas periféricas – garantindo que suas histórias e demandas não sejam esquecidas no planejamento das políticas culturais. A inclusão dessas vozes contribui para uma política mais plural e democrática, que respeita e valoriza a multiplicidade de identidades presentes no Brasil.


A 4ª CNC reafirmou que a cultura é, por natureza, territorial. Ao articular o debate em múltiplas esferas e promover a participação ativa de diversos atores sociais, o encontro  buscou construir um novo cenário cultural em que as políticas públicas sejam moldadas a partir das realidades locais. Assim, o território deixa de ser apenas um pano de fundo e se torna protagonista na formulação de políticas que, idealmente, garantam a democratização do acesso à cultura e o fortalecimento da cidadania em todo o Brasil.


Avanços e Consolidação de Marcos Regulatórios


A aprovação do Marco Regulatório do Sistema Nacional de Cultura pelo Senado Federal durante a 4ª CNC e com sua sanção pelo Presidente Lula em abril de 2024, veio como um alicerce para a institucionalização das políticas culturais. A nova Lei consolida o que muitos defendiam há anos: a necessidade de um sistema organizado e eficiente,aos moldes do  SUS e do SUAS, que possa promover a democratização do acesso e garantir a participação efetiva de todos os entes federados.


Ao mesmo tempo, o Marco do Fomento trouxe diretrizes para uma distribuição mais equitativa dos recursos, permitindo que tanto grandes centros urbanos quanto pequenos municípios tenham acesso aos fundos destinados à cultura.


Com o Plano Nacional de Cultura, o governo finalmente conseguiu articular as demandas levantadas durante a 4ª CNC com ações concretas, que orientam o setor para os próximos dez anos. Esse documento, fruto de intensos debates e construído de forma participativa, servirá como guia para a reorientação das políticas culturais, valorizando a diversidade e o papel transformador da cultura na sociedade.


Desafios Persistentes e Caminhos a Serem Traçados


Apesar dos avanços regulatórios, os desafios persistem. A descentralização dos recursos, embora ampliada, ainda enfrenta barreiras no que diz respeito à infraestrutura e à capacidade técnica dos municípios menores. Enquanto as grandes metrópoles mostram índices positivos de execução orçamentária e oferta de equipamentos culturais, muitas regiões do interior continuam lutando para equipar seus espaços culturais e promover ações que dialoguem com as especificidades locais.


Além disso, a implementação dos novos marcos legislativos esbarra, em alguns momentos, na resistência burocrática e na necessidade de ajustes operacionais. A efetivação dos mecanismos de participação social, tão enfatizados na conferência, como a reestruturação do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) e a retomada de seus colegiados setoriais, demanda uma mobilização contínua e a criação de espaços de diálogo que complementem a participação social formal. A escuta ativa das comunidades – especialmente das populações historicamente marginalizadas – é indispensável para que o ecossistema cultural se mantenha dinâmico e representativo.


Uma Perspectiva Otimista para o Futuro Cultural


Mesmo diante dos desafios, o ano de 2025 - em que o MinC completa 40 anos - aponta para um caminho promissor. A unificação de diretrizes através dos novos marcos regulatórios trouxe clareza e previsibilidade para o setor, abrindo espaço para uma gestão mais integrada e colaborativa entre governo e sociedade. A expectativa é que, com o fortalecimento do Sistema Nacional de Cultura, o setor deixe de ser tratado de forma fragmentada e passe a integrar, de maneira consistente, as políticas públicas em todas as esferas governamentais.

É fundamental que os gestores culturais continuem investindo na capacitação técnica e na inovação, utilizando as novas ferramentas digitais para ampliar o acesso e democratizar o consumo cultural. A transformação digital e o uso de plataformas colaborativas podem ser grandes aliados na construção de uma política cultural que alcance os territórios mais distantes e promova a inclusão de todas e todos. 

 
Conclusão



Um ano após a 4ª Conferência Nacional de Cultura, os marcos regulatórios aprovados e o novo Plano Nacional de Cultura tendem a representar um divisor de águas para o setor cultural brasileiro. Eles trazem a promessa de uma política mais consistente, descentralizada e participativa, que respeita as diversidades regionais e promove o acesso universal à cultura.

Embora os desafios sejam reais e persistentes, o caminho para a consolidação de uma cultura democrática e transformadora já está sendo trilhado – caminho que exige a continuidade do diálogo, o fortalecimento das redes de participação e, sobretudo, o compromisso de transformar a cultura em um verdadeiro direito de cidadania.

Em um país de dimensões continentais e diversidade exuberante, o fortalecimento da cultura é, sem dúvida, um caminho indispensável para a democracia e o desenvolvimento social. 
 

 

 

 


Daniel “Samam” Barbosa Balabram é Músico, Educador e está como coordenador-geral do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) e da 4ª Conferência Nacional de Cultura no Ministério da Cultura (MinC).

Temas

Reporte Error
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar