Nessa série de artigos que estamos falando sobre as Recomendações do Grupo de Alto Nível criado pela ONU para propor medidas que enfrentem o fenômeno da falta de professores em todo o mundo, o artigo dessa semana vai tratar da importância de se fomentar a liderança no ambiente escolar. Os/as especialistas que compuseram esse grupo reforçaram a centralidade da função e do papel do professor nessa empreitada. Segundo o relatório, “uma liderança escolar forte e colaborativa é uma estratégia fundamental para tornar a profissão atraente e impulsionar o recrutamento e a retenção (de profissionais do magistério)”.
A liderança como mencionada no Documento da ONU se refere a um atributo que vai além de uma qualidade meramente individual. Não se trata de falar de aptidões pessoais de influenciar ou motivar pessoas. O exercício da liderança no processo educacional, e com foco na atuação do professor em sala de aula ou na gestão escolar, é algo que pode e deve ser fomentado por políticas de formação permanente e continuada, a fim de criar um ambiente de aprendizagem estimulante ao estudante, o que termina por repercutir na própria qualidade do ensino e no desenvolvimento profissional do docente.
Quem não é capaz de lembrar, por exemplo, com muito saudosismo, daquele professor ou professora que, seja na sua educação infantil, no ensino fundamental ou médio, e mesmo na nossa educação superior, que nos inspirou para o resto de nossas vidas? Essa figura carismática, que hoje no Brasil torna-se cada vez mais artigo de luxo em nossas escolas, faculdades e universidades, só se projetava dessa maneira porque tinha autonomia, autoridade e reconhecimento público no exercício de sua função. E, sobretudo, exercia liderança.
O ambiente de ataque à autoridade do/a docente em sala de aula nos dias de hoje é resultado de um processo de castração e perda incremental de autonomia que vem de muito tempo. O termo cunhado de “liberdade de cátedra” em nossa Constituição brasileira de 1988 remete justamente a um direito que garante aos professores e às professoras, em sala de aula, no seu processo pedagógico, a autonomia para ensinar e discutir ideias sem interferências externas. O movimento mais geral que se percebe hoje no país, infelizmente, não tem ajudado a criar um ambiente e espaço de liberdade, que fomentem autonomia e liderança no exercício do papel do/a educador/a no seu processo de ensino-aprendizagem.
A iniciativa do que ficou conhecido como o Movimento Escola Sem Partido, que tanta celeuma causou no Brasil nos últimos tempos, e que ainda persiste nos dias de hoje, em que pese com menos força, é o principal vetor de ataque à liberdade e à pluralidade de ideias no ambiente escolar. Esse caldo político forjado nos últimos tempos no país transformou os/as professores/as em inimigos/as da sociedade: se antes o respeito à sua autoridade contava com reconhecimento e legitimidade social, hoje se autoriza a gravar e filmar os/as educadores/as, no seu exercício profissional, dentro de sua sala de aula, para achincalha-los/as e constrangê-los/as. O ambiente escolar, assim, deixa de ser um espaço de liberdade e autonomia e vira um palco de perseguição àqueles/as que nunca mereceriam ser atacados/as. E com isso, a principal vítima é a liderança escolar.
A escola como espaço de debate e a educação ministrada com a liberdade de ensinar e aprender, outro termo caro ao capítulo que trata da educação no texto de nossa Carta Magna, passam a ser noções comprometidas nos tempos de hoje. E é justamente a isso que as Recomendações de números 40, 41 e 42 daquele Documento da ONU se insurgem contra. Lá está claramente indicado a necessidade de fomentar o papel de liderança dos/as professores/as nas escolas, a fim de que a própria gestão escolar também se beneficie disso.
O Documento assim se refere a esse processo: “uma liderança distribuída clara e intencional deve encorajar os professores a desempenham papéis de liderança nas suas escolas e devem ser parte integrante de promover educação de qualidade e inovação”. Os/as professores/as, segundo o Documento da ONU, desempenham um papel central na geração e implementação de inovação na educação, cuja concretização deve se basear na sua própria autonomia e capacidade de ação e de decisão para aplicar o seu juízo profissional, na sala de aula, em tudo ao que se refere às necessidades e circunstâncias contextual dos/as estudantes. E assim, somente assim, é possível se fomentar a liderança no ambiente escolar, retroalimentando muito positivamente o próprio processo de ensino-aprendizagem.
Por fim, é importante destacar que o Documento fala expressamente que “os governos devem desenvolver e implementar políticas eficazes com objetivos claros para promover mulheres e grupos marginalizados para ocupar cargos de liderança”. Já passou da hora de a gente inverter essa lógica perversa, herança do nosso machismo estrutural, de que, em uma categoria formada predominantemente por mulheres, os cargos de direção das escolas e da gestão pública de nossos sistemas de ensino ainda sejam ocupados majoritariamente pelos homens. Nesse mês em que comemoramos as lutas das mulheres, devemos parafrasear a filósofa dos Estados Unidos Ângela Davis: não basta sermos contra o machismo, temos que ser antimachistas! Que na educação possamos cada vez mais fomentar as lideranças femininas em nossa enorme categoria profissional.