DESABAFO

A arte de transformar a dor das enchentes em esperança na humanidade

Na Vila Nova União e no Jardim Pantanal, transformamos vidas destruídas pela crise climática em seres humanos valorizados através da arte e da cultura

Enchente no Jardim Pantanal.Créditos: Letycia Bond/Agência Brasil
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É assim que fazemos na Vila Nova União e no Jardim Pantanal: transformamos vidas destruídas pela crise climática em seres humanos valorizados através da arte e da cultura. Ser periférico e agir no coletivo é a arte de driblar a dor e encontrar riquezas, para além dos bens materiais. Muitas vezes é necessário ser Ronaldinho Gaúcho, ter o talento de Mestre Bimba, de um Mano Brown para superar as dificuldades. É um ato de trabalhar a pedra bruta, de achar água no meio do deserto, e nós fazemos isso, lapidamos seres humanos.

O fundador do Instituto Nova União da Arte, Hermes de Souza, não é apenas um artesão, mas, sim, um pastor revolucionário. Pode isso, um pastor e revolucionário? Como é possível transformar a tristeza das enchentes que levam tudo em arte e poesia? Sim, essa é a nossa revolução!

Fazemos isso com a luta e a perseverança das Mulheres do Gau, que resgatam a dignidade da mulher periférica com suas hortas urbanas. A Vilma com seu espírito de liderança, a Mazé nossa protetora, o Raul com a favela Psicanálise e a Magá que corre 24 horas por dia. Para o leitor, estes podem ser apenas nomes. Mas para nós, são sementes de um novo mundo, que estão cocriando diariamente outra realidade.

Nossa pastora Camila, tão dedicada, nossos jovens da Rádio e TV Nuar, que alguns dizem ser “Passarinhos”, brincando com meu codinome. A Sara com sua inteligência, o Paulo com seu espírito revolucionário. Precisamos citar os nomes, porque não são só nomes, são agentes de esperança, são brilhantes como Ronaldinho Gaúcho, Carolina de Jesus, Mano Brown.

Chorar é um ato de regeneração. E nós fazemos isso no Instituto Cacimba, com a sabedoria do povo cearense. A cacimba representa a regeneração da confiança, onde todos buscam sua água, mas tem o dever de cuidar da cacimba. É necessário regenerar a confiança entre as pessoas. Quantas vezes a água que cai do céu não vem junto com a água que escorre pelo rosto? Quantas chuvas destrutivas, quantos deslizamentos, quantas famílias destroçadas serão necessários para respeitarem as periferias?

É a solidariedade entre nós que rega esta tal “nova humanidade”. Esperar dos governantes, esperar dos empresários não faz parte do nosso vocabulário. Nossa palavra preferida é esperança! Nosso povo está cabisbaixo, triste por que perdeu tudo! Mas a força do coletivo, mais uma vez, está fazendo a diferença. Este tal “Capetalismo” que é do Capeta, que empurra o povo empobrecido pras áreas de manancial, que nos enforca em dívidas, em aluguel caro, em prestações e prestações, precisa na verdade de um, “Presta atenção”! Tem gente morando aqui, tem vidas aqui e tem muita, mas muita potência!

Da para listar as soluções: comportas, limpezas de boca de lobo, piscinões, desassoreamento de rios, parques, lagos, coleta de lixo... Ideias para resolver as enchentes não faltam, o que falta é a tal “vontade política”, e o problema perdura há anos... Agora, no meio da emergência, nos mandam colchões, cestas básicas e alguns “cala-bocas”. Porém, passado o período de chuvas abafam os reais problemas. A verdade é que esperançar é um ato de cansar desse silenciamento. Somos muito gratos a todos que têm ajudado, são dezenas de milhares de famílias que perderam tudo. Mas está na hora, também, de mostrarmos nossos dentes, como um Leão de Judá, como diz na Bíblia. Cobrar, sim, das autoridades, se unir aos fóruns, frentes e redes, aos movimentos sociais. “Unidos somos fortes e organizados podemos ser imbatíveis”; este é o lema do Fórum Social da ZL, que vamos fazer ecoar. Aquela letra do Racionais MC nos representa muito, e é assim que termino este texto:

“Fé em Deus que ele é justo! Ei, irmão, nunca se esqueça I Na guarda, guerreiro, levanta a cabeça, truta I Onde estiver, seja lá como for I Tenha fé, porque até no lixão nasce flor I Ore por nós, pastor, lembra da gente I No culto dessa noite, firmão, segue quente”.

*Valter Passarinho é músico, atua em movimentos culturais na Zona Leste, trabalhou Secretaria de Cultura de São Paulo. É coordenador da Casa de Cultura São Miguel, agente comunitário e gestor nos projetos "Escola debaixo da ponte", "Unidiversidade da Quebrada" e "Acordes Urbanos", no Instituto NUA.

**Mateus Muradas é poeta, integrante do Fórum Social da Zona Leste e conselheiro municipal de políticas urbanas.

***Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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