É notório que o interesse do brasileiro pelos recursos de inteligência artificial (IA) cresceu de forma exponencial com a chegada da ferramenta DeepSeek, plataforma chinesa. A ferramenta IA generativa de código aberto tem menor custo operacional e maior eficiência que a concorrente direta ChatGPT. Com isso, ela deverá contribuir diretamente para popularizar o uso do recurso em diversas áreas do conhecimento no país. Exemplo disso é que o curso de IA na Universidade Federal de Goiás teve a maior nota de corte, segundo SISU 2025, confirmando-se como uma área do futuro.
Esse cenário de revolução tecnológica, logicamente, chegou também à comunicação política. Boa parte dos políticos está maravilhada com a chance de economizar nas contratações, ou seja, reduzir equipe e construir discursos, conteúdos, pesquisas e projetos. Já os profissionais da comunicação, ainda muito pouco familiarizados, buscam conseguir gerar conteúdos que “viralizem” nas redes sociais (a obsessão do momento) e reduzir tarefas e tempo de execução das atividades.
Até aí, tudo certo. Afinal, a inteligência artificial vai colaborar – e muito – para alcançar parte desses objetivos. A questão à qual devemos debater e sobre a qual devemos alertar os usuários, principalmente iniciantes, é sobre o uso assertivo da IA, com destaque para os limites éticos, de direitos autorais e da legalidade dos dados, informações e orientações geradas pela plataforma.
O uso de inteligência artificial para criar ou gerar conteúdo sem informar ao destinatário de onde ele se originou é inconcebível. Afinal, o cidadão tem o direito de saber quem gerou, o que é diferente de um “ghostwriter”, em que um autor (no caso, o político) é creditado pela criação do conteúdo, mas na realidade ele é escrito por outra pessoa. Um caso recente na política que gerou muito burburinho envolveu o deputado federal Nikolas Ferreira (PL/MG), um influenciador digital de grande alcance e um dos principais representantes da direita conservadora no Brasil.
Ele foi acusado de supostamente usar IA para gerar conteúdo político. Os programas de verificação, como os de análise de autenticidade digital, fornecem indícios de que a IA foi utilizada para criar o conteúdo, mas esses indícios não são provas irrefutáveis devido à fragilidade dos métodos de checagem. O caso ganhou destaque nos jornais. O que ressalta a importância de ver a IA como uma ferramenta auxiliar no debate político, não como um substituto para a reflexão humana e a construção autêntica de discursos e conteúdos políticos – pelo menos até que se desenvolvam formas mais seguras e transparentes de seu uso.
Além disso, o Brasil precisará avançar na regulação do uso da IA, sobretudo na comunicação política e eleitoral, na educação para um uso ético do recurso. Todos esses avanços parecem distantes da realidade atual. Uma grande parcela da população não recebeu nem educação digital para uso das redes sociais, da internet como um todo, e o resultado é cada vez mais preocupante. Isso porque se identifica uma enorme dificuldade das pessoas de interpretar opiniões de notícias, identificar fake news, e compreender os limites do direito à liberdade de opinião e de expressão.
É verdade que uma proposta de regulamentação tramita na Câmara; entretanto, enfrenta críticas e sua tramitação em 2025 ainda é incerta. Os contrários dizem que o PL 2.338/2023 traz semelhanças com as regras aprovadas na Europa, sem levar em consideração as peculiaridades nacionais e sem garantir o combate à discriminação, ao uso indevido dos dados e à proteção dos direitos autorais, áreas em que os avanços ainda são tímidos. Obviamente, esse tema enfrenta menos resistência que os projetos que versam sobre a regulação das redes sociais, por exemplo.
O fato é que esse tsunami chamado inteligência artificial chegou pra ficar, e resistir ao processo significará fracasso em qualquer área. Num país em que o acesso à internet ainda é um sonho no ensino público, a desigualdade de acesso e o conhecimento sobre o uso responsável da IA vão criar um novo abismo no país. Será necessário discutir políticas públicas rápidas e eficientes para que esses desafios sejam superados com agilidade e, assim, garantir acesso à evolução tecnológica da população, principalmente a de baixa renda.
Vanessa Marques é jornalista com mais de 20 anos de atuação em comunicação e mestre pela Universidade Politécnica de Valência, na Espanha. Cursa o seu segundo mestrado em comunicação digital para aprofundar pesquisa sobre espetacularização, neopopulismo e a plataformização do discurso político. Ela integra um grupo de pesquisa na UNB sobre eleições e democracia.