SAÚDE

10 motivos para derrubar o veto presidencial ao projeto de indenização a pessoas com Zikavírus

Leia manifesto assinado por lideranças da Unizika, a organização nacional dedicada à luta por políticas públicas para as famílias afetadas pela Síndrome Congênita do Zika Vírus.

Lideranças da Unizika em reunião com Geraldo Alckimin
Lideranças da Unizika em reunião com Geraldo AlckiminCréditos: Reprodução
Por
Escrito en DEBATES el

1 – Reivindicamos reparação e não assistencialismo

A eclosão do zikavírus e sua mutação em uma condição congênita no Brasil, a partir de sua epidemia e alerta global em 2015, é resultado de décadas de negligência e de ações ineficazes do Estado brasileiro no controle de endemias e de seus vetores. Trata-se, portanto, de grave violação do direito à saúde, como também atesta estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com impactos sociais junto a mulheres que sequer tiveram conhecimento prévio da doença, de suas sequelas e dos meios necessários para preveni-la. Após o nascimento das crianças, ocorre a re-vitimização, com a ausência de serviços públicos adequados ao atendimento de suas múltiplas demandas.

Trata-se de uma condição de saúde pública específica da realidade brasileira, configurada em um contexto socioambiental particular, porém, sem a devida capacidade de atuação da institucionalidade protetiva do nosso país sobre os impactos produzidos.
O Projeto de Lei nº 6064/2023 dispõe sobre o direito à indenização por dano moral, à concessão de pensão especial a pessoas com Síndrome Congênita do Zikavírus (SCZV) e políticas públicas contínuas de suporte às famílias, integralizando a atenção a essas vítimas, para além do recorte assistencial, que é centrado exclusivamente no critério da pobreza, alcançando assim todas as famílias afetadas na totalidade de seus direitos. 

Porém, o PL foi vetado integralmente e no mesmo dia foi promulgada a Medida Provisória 1287/2025, com a clara intenção política de compensação e silenciamento das reivindicações, representando um duro golpe a esta luta. Pautamos a reparação de direitos humanos violados para assegurar a pessoas com SCZV e suas famílias condições de dignidade e autonomia. Lamentavelmente a resposta do Estado brasileiro foi assistencialista, com uma medida pontual, sem solução de continuidade e de proteção social de longo prazo. Mantém-nos dependentes da solidariedade de outros para a manutenção da vida das nossas crianças.

2 – O fundamento apresentado para o veto é falso

As ações previstas no PL 6064/23 foram analisadas durante nove anos, sendo devidamente aprovado pelas Casas Legislativas, o Senado e a Câmara Federal. A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, em 13 de agosto de 2023 analisou e identificou custo e fonte pagadora (após pedido de vistas do próprio senador do Partido dos Trabalhadores – PT, Jaques Wagner) diferente do que fundamenta o veto. Ou seja, a pensão vitalícia não é um “assalto aos cofres públicos” e não vai “quebrar o Estado”, pois os valores estão devidamente previstos e são aplicáveis.

3 – O apelo ao orçamento é uma demagogia

Vamos falar sobre quem está em condições especiais de pensão no Brasil?  Há filhas de torturadores que recebem pensão de R$ 35.000,00. Entre 2010 e 2022 foram gastos 94 bilhões com pensões a familiares de militares. Uma real preocupação com o orçamento deveria enfrentar estruturas desiguais de distribuição de fundos públicos, que produzem privilégios reais. O veto à pensão a pessoas com SCZV mais uma vez, vergonhosamente, culpabiliza as camadas populares por problemas históricos deste país.

4 – O orçamento verdadeiramente deficitário é o das famílias de pessoas com Síndrome Congênita do Zikavírus

A microcefalia é uma das condições que integram a Síndrome Congênita do Zikavírus, junto da paralisia cerebral, da deficiência intelectual, da epilepsia de dificílimo controle, da má formação óssea, de problemas visuais e auditivos, da disfagia grave, de distúrbios renais e urinários, de problemas respiratórios e gástricos, dentre outras. Trata-se de um quadro clínico complexo, com o comprometimento de diversas funções, que exige diversos tipos de intervenções clínicas e total dependência de cuidados diários. Isto exige a dedicação de cuidadoras, quase sempre não remuneradas, que precisam prover todas essas necessidades, muitas não atendidas adequadamente pelos bens e serviços públicos existentes, entre reabilitação, insumos de saúde (medicamentos, órteses, entre outros), alimentação especial, deslocamento e acomodações acessíveis... O valor de um salário mínimo proveniente do BPC não garante sequer a sobrevivência nesses casos. Uma cadeira de rodas apropriada, por exemplo, custa em torno de R$ 20.000,00, além de tantas outras despesas permanentes. R$ 60.000,00, embora possa parecer um valor elevado, não supre demandas permanentes dessas famílias ao longo da vida das crianças.

5 – O critério de acesso estabelecido pela MP é irreal

Também no dia 9 de janeiro de 2025 o Governo publicou a Medida Provisória 1287/2025, que institui ajuda financeira no valor de R$ 60.000,00, em parcela única, condicionada à disponibilidade orçamentária do ano de 2025. Além de insuficiente, são muitos os fatores que dificultarão o seu acesso. A construção realizada está totalmente aquém dos acúmulos dos nove anos de estudos, debates, pareceres e relatórios produzidos no âmbito do Congresso Nacional, flagrantemente ignorados pelo Governo Federal. De forma absolutamente incoerente, a MP estabeleceu como critério de acesso a comprovação “da relação entre a síndrome congênita e a contaminação da genitora pelo vírus zika durante a gestação”.

Ora, como garantir, após 10 anos tal comprovação se à época da gestação, sequer havia conhecimento sobre essa patologia pela comunidade científica? Não havia protocolos para diagnóstico no ano de 2015, quando nasceram as primeiras crianças, menos ainda exames capazes de detectar o zikavírus.

Este é apenas um dos aspectos que evidencia a total inconsistência e inadequação desta MP aos graves problemas decorrentes da SCZV.

6 – Negar proteção social adequada e contínua é não deixar viver

A indenização prevista pela MP é legítima, sendo medida pecuniária de reparação ao dano sofrido por nossos filhos. Mas ela não é suficiente pois não proporciona atenção ao longo da vida da criança. Foram notificadas no país 1.828 crianças com SCZV e hoje temos 1.589. Infelizmente ocorreram muitos óbitos durante estes difíceis nove anos de tramitação do PL. Porém, lutamos diuturnamente pelos recursos e cuidados necessários para que estas crianças continuem vivas. Para nós, elas não são apenas números e muito menos obstáculos a serem superados pela gestão pública, como lamentavelmente são consideradas por nossos governantes, que calculam o valor da vida dos nossos filhos.

7 – Sim, Presidente Lula, ainda estamos aqui.  Mas ações governamentais capacitistas também são um ataque à democracia

A existência da democracia não se reduz à ausência de ditadura ou de danos às instituições. Sabemos que é dever constitucional do Estado prover o atendimento às necessidades básicas de suas populações, conforme o princípio da equidade, de acordo com necessidades específicas. Sacrificar os direitos de pessoas com deficiência, submetendo a agenda pública exclusivamente às exigências do mercado, é também ferir a democracia. 

8 – As organizações de luta e suas lutadoras foram silenciadas pelo Governo

Realizadas e aprovadas as análises técnicas no âmbito do poder legislativo, se o Governo Federal não estava convencido das condições de aplicabilidade do PL 6064/23, não deveria abrir canais de debate e mediação com as agentes políticas?

As famílias de pessoas com SCZV encontram-se organizadas nacionalmente através da Unizika, com articulações em 22 estados, onde há também associações e coletivos locais. São sobretudo mulheres que atuam na trincheira parlamentar, mas também nas prefeituras, nos hospitais, nos centros de reabilitação, nos CRASs, no INSS e nas Defensorias Públicas, entre outras tantas instituições.

São essas mulheres, com a autoridade de lutadoras incansáveis e conhecedoras daquilo que implica na vida digna de nossos filhos, que fomos ignoradas após inúmeras tentativas de interlocução com o executivo, sendo surpreendidas pelo veto integral ao PL 6064, o que afronta a marca fundamental da luta do movimento de pessoas com deficiência: nada sobre nós sem nós!

9 – Sacrificar as mães é institucionalizar o machismo

As pessoas com SCZV e suas cuidadoras são vítimas de sucessivas violações de direitos. Somos em grande maioria mulheres nordestinas, afetadas pelo racismo ambiental, moradoras de áreas rurais e periféricas propícias ao alastramento do zikavírus e do vetor aedes aegypti pela ausência de condições de saneamento, que afeta desigualmente a população brasileira.

Tivemos que renunciar a projetos pessoais pela necessidade de dedicação exclusiva aos cuidados dos nossos filhos, com prejuízos materiais e da própria saúde física e mental, convivendo diariamente com diversas barreiras físicas e sociais, e muitas, inclusive com o abandono parental, vivendo a maternidade atípica e solo. Neste momento, o Governo brasileiro nos diz mais uma vez que cabe a nós garantir aos nossos filhos aquilo que ele próprio não pode assegurar. 

10 – A nossa luta está acima de divisões partidárias

Um projeto político verdadeiramente democrático e popular não pode deixar as pessoas com deficiência esperando na rampa do Planalto, sem a sua efetiva inclusão e priorização na agenda pública. É uma profunda decepção a decisão excludente do governo do PT. 

O governo Bolsonaro, em 2020, criou uma pensão para pessoas com SCZV que não avançou significativamente em relação ao BPC, sendo também baseada no critério de pobreza, com um benefício de um salário mínimo e sendo necessário optar entre um dos dois. 
Em ambas as situações, em que pesem os apelos políticos e midiáticos, o Governo brasileiro não conseguiu atender às reais necessidades das crianças com SCZV. Mas não descansaremos até alcançar. Vamos juntas, mães atípicas e todos/as aqueles/as que acreditam em um país justo e inclusivo, lutar pela derrubada do veto presidencial ao PL 6064!

Luciana Arraes, Presidente da Unizika

Germana Soares, Vice-Presidente da Unizika

Alessandra Horta, Secretária da Unizika

Erijessica Pereira, Advogada da Unizika

Graziela Nunes, Assistente Social, mãe de José Antonio (São Luís/MA)

Temas

Reporte Error
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar